De fato, as instituições, enquanto organizações, e a institucionalização da arte, enquanto
processo, quando tomam valores por si com sua maneira de produzir bens e com sua maneira
de produzir relações sociais, se tornam engrenagens fundamentais do poder. E eu não quero seu
começo, nem seu fim. Eu estou no meio. O que acontece quando se coloca no meio e não dentro?
Eu, professor-artista- pesquisador, falo desde a ONG, mas não estou circunscrito nesse
ambiente. Falar disso me parece um falso problema, uma vez que o trabalho do artista já é
desinstitucionalizar, de algum modo, os espaços.
A minha proposição não é da ordem macro-política. Trata-se de uma proposição que se dá na
dramaturgia do encontro, que é micro-política. Sabemos que as relações de poder também
atuam sobre as forças e ações no campo micro-político. A instrumentalização também tem
objetivos micro-políticos. Segundo Sueli Rolnik, o primeiro objetivo da instrumentalização é
“neutralizar a força transfiguradora das práticas artísticas, reduzindo-as ao mero exercício
da criatividade, dissociada de sua função ética de dar corpo ao que a vida anuncia” (Rolnik,
2019: 94). A minha proposição pedagógica que acontece na instituição sem se institucionalizar
é uma pedagogia radical. Uma pedagogia performativa, para anunciar vida e arte, sem
separabilidade. Uma pedagogia fora da visão dicotômica coletivo/individuo, uma prática onde
esses dois planos não se opõem, mas criam relações entre si e constroem relações de saberes
múltiplos.
“O encontro é uma ferida”, dizem João Fiadeiro e Fernanda Eugénio, em uma conferência-
performance de mesmo nome (Fiadeiro, João e Eugénio, Fernanda, 2012: 01). Um encontro só
é mesmo um encontro quando é percebido na sua aparição acidental, com sua potência que
alarga o possível e o pensável, revelando outros mundos e outros modos de se viver juntos – a
ferida. Um encontro, então, só está aberto a suas linhas de força quando está disposto a ofertar,
aceitar e retribuir. O tempo está marcado e constituído pelas distinções entre semelhança e
diferença e visa isolar o objeto de suas articulações históricas. A relação sujeito/objeto cria
contornos para as conexões com o mundo e investe sua capacidade de produção de sentido dos
encontros apenas para legislar diagnósticos de controle e classificação. Supondo que primeiro
seja preciso saber para depois agir. Segundo João Fiadeiro e Fernanda Eugenio, “raramente
paramos para reparar no acidente, são inúmeros os acidentes que poderiam ter se tornado
encontro” (Fiadeiro, João e Eugénio, Fernanda, 2012: 03). Desse modo, os encontros não
alcançam seu potencial porque são prontamente decifrados e incorporados ao que já sabemos e
às respostas que já temos. Não nos abalamos a ponto de notarmos o acidente como uma
inquietação, como uma possibilidade de reformular perguntas, como causa para refundar modos
de operar. Assim, tornamos o acidente uma manobra calculada da lógica dominante, destituindo
dele o poder de afetar e ser afetado. Um acidente deve ser experimentado na força de uma
catástrofe, colocando em jogo o quanto é desproporcional na sua diferença, na sua distância em
relação às nossas expectativas e dos nossos instrumentos de decifração e interpretação. Nos
colocamos sem a possibilidade de ignorar ou controlar o impacto radical do encontro. No
entanto, este acidente-catástrofe pode não ser vivido como encontro também, já que a cisão
entre sujeito e objeto ainda conserva sua capacidade de produção de sentido em diagnósticos,
apenas inverte a lógica. Pois, sujeito e objeto são configurações históricas e não categorias
transcendentais. Sem o controle que imaginávamos e julgávamos nos pertencer por direito,
ficamos estáticos com a força e poder do acidente. Se instala então uma crise, e colocamos tudo
em dúvida e buscamos os responsáveis, já que nem o “saber” pode ser aplicado e nem o que