Vivaldo Vieira Neto e Marcos H. Camargo
REALIDADES IMPROVÁVEIS: COMO AS NOVAS TECNOLOGIAS RECONFIGURAM A
REALIDADE
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REALIDADES IMPROVÁVEIS: COMO AS NOVAS TECNOLOGIAS
RECONFIGURAM A REALIDADE
REALIDADES IMPROBABLES: CÓMO LAS NUEVAS TECNOLOGÍAS
RECONFIGURAN LA REALIDADE
UNLIKELY REALITIES: HOW NEW TECHNOLOGIES RECONFIGURE REALITY
Vivaldo Vieira Neto
1
PPGARTES-UNESPAR
vivaldo442@gmail.com
Marcos H. Camargo
2
PPGARTES-UNESPAR
marcoshcamargo@yahoo.com.br
Resumo
Este artigo analisa a relação entre arte e tecnologia, seu emprego na construção de realidades
virtuais, e de como as novas tecnologias de efeitos especiais mudam nossa percepção da
realidade. Com o aprimoramento das cnicas de construção de objetos em 3D, torna-se cada
vez mais difícil distinguir o que é real do que é ficção. Vivemos na era das depp fakes, em que
as narrativas se tornam cada vez mais incertas.
Palavras-chave: Arte-tecnologia; realidade virtual; efeitos especiais; 3D; deep fakes.
Resumen
Este artículo analiza la relación entre arte y tecnología, su empleo en la construcción de
realidades virtuales y cómo las nuevas tecnologías de efectos especiales cambian nuestra
percepción de la realidad. Con el perfeccionamiento de las técnicas de construcción de objetos
en 3D, resulta cada vez más difícil distinguir lo que es real de lo que es ficción. Vivimos en la
era de los deepfakes, donde las narrativas se vuelven cada vez más inciertas.
Palabras clave: Arte-tecnología; realidad virtual; efectos especiales; 3D; deepfakes.
1
Artista visual, designer, professor. Mestrando do Programa de Pós-Graduação Mestrado Profissional em Artes
(UNESPAR). Brasil.
2
Doutor em Artes Visuais pela UNICAMP. Pesquisador e docente do Programa de Pós-Graduação Mestrado
Profissional em Artes (UNESPAR). Brasil.
Vivaldo Vieira Neto e Marcos H. Camargo
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Abstract
This article analyzes the relationship between art and technology, its use in the construction of
virtual realities, and how new special effects technologies are changing our perception of
reality. With the advancement of 3D object construction techniques, it is increasingly difficult
to distinguish between what is real and what is fiction. We are living in the age of deepfakes,
where narratives become more and more uncertain.
Keywords: Art-technology; virtual reality; special effects; 3D; deepfakes.
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Introdução
Certo dia me deparei com um vídeo na internet que mostrava um robô humanoide segurando
uma arma, uma cena que parecia um treinamento militar. No decorrer do vídeo, vemos dois
indivíduos vestidos com uniformes laranja e capuz preto, simulando serem reféns: um homem
e um manequim. O robô, após analisar os dois, identifica o manequim e dispara contra sua
cabeça.
Figura 1: Vemos na imagem um robô armado identificando quem é humano e quem é o
manequim
Em outra cena, um homem, possivelmente um instrutor de tiro, aponta uma arma para o robô,
que também está armado e direciona sua arma para o rosto do instrutor. O homem provoca o
robô, disparando vários tiros próximos a ele. O robô titubeia, mas não atira contra o homem.
Quando o instrutor sai da frente do robô, este dispara repetidamente contra um alvo fora do
nosso campo de visão. Em seguida, o robô joga a arma no chão e, num aparente acesso de fúria,
vira uma mesa próxima.
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Figura 2: Instrutor e robô apontando suas armas
O que vemos nas imagens acima é um treinamento militar de robôs humanoides para
identificação e diferenciação entre humanos e manequins. As imagens evocam reflexões
importantes sobre o papel das máquinas como dispositivos de segurança na sociedade. Com o
avanço tecnológico e o uso crescente da inteligência artificial, vemos robôs humanoides com
capacidade de avaliação e tomada de decisão em situações de perigo ou estresse iminente, surge
uma questão fundamental: estaríamos realmente seguros diante dessas máquinas programadas
para o exercício do policiamento social? Até que ponto podemos confiar em algoritmos para
tomar decisões éticas e humanas, especialmente quando se trata de vida ou morte? A
dependência dessas tecnologias também levanta preocupações sobre a desumanização da
segurança e o potencial abuso de poder, além de questões sobre privacidade, liberdade
individual e o controle social em uma sociedade cada vez mais vigiada por máquinas.
Podemos fazer um paralelo dessa nova realidade com o filme RoboCop: O Policial do Futuro”,
dirigido por Paul Verhoeven, em 1987. O enredo gira em torno de Alex J. Murphy, um policial
de Detroit que é assassinado por uma quadrilha e, posteriormente, transformado em um
“policial do futuro metade humano, metade máquina como parte de um experimento.
No começo do filme, vemos outro robô, o modelo ED-209, uma máquina de grande porte
programada para ser um robô-policial. A cena se passa numa sala, uma grande mesa rodeada
por executivos da empresa Omni ConsumerProducts, empresa privada de segurança, a reunião
é convocada para apresentação deste novo protótipo, um dos executivos da empresa pede para
que um dos presentes, como forma de emular uma espécie de assalto, lhe aponte uma arma, o
robô-policial em reação a essa atitude, solicita ao sujeito com a arma apontada para o executivo
da Omni que deixe a arma no chão e levante as mãos para o alto, o sujeito obedece, mas por
algum erro de programação, o protótipo não para a contagem regressiva, um desespero toma
conta da sala, em pouco tempo o sujeito é metralhado pelo protótipo.
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O protótipo Robocop seria uma alternativa “mais humana” na solução para o policiamento, mas
é justamente essa parte “mais humana que colocará em risco o projeto, são as memórias
remanescente de Robocop que irão gerar uma crise existencial na tal máquina programada para
combater a criminalidade. Percebemos em Robocop uma analogia com a doutrina cristã, tal
como Cristo, Robocop foi ressuscitado, se apresenta como uma figura assexuada e sacrificial.
Mas ao contrário de Cristo, não está do lado dos pobres e oprimidos, pelo contrário, é a
autoridade a combater os marginalizados, incorporando o ideário capitalista que transforma um
sujeito em máquina para continuar trabalhando mesmo após a morte. Tudo isso com um
propósito claro: reprimir a criminalidade, representando a eterna luta do bem contra o mal, onde
“nós”, os “homens de bem”, combatemos “eles”, a “marginalidade” e a decadência humana. A
mídia e o cinema desempenham um papel relevante na construção desse imaginário coletivo
para o público, moldando percepções e reforçando estereótipos.
Temos que levar em conta o contexto da época em que o filme foi feito, era Reagan, é o começo
da implementação do neoliberalismo. A cidade retratada, Detroit, até então uma cidade
industrializada, polo da indústria automotiva de outrora, com o passar do tempo e a mudança
da geopolítica, principalmente com o advento da globalização, a cidade passa por uma séria
crise, acentuada pela desindustrialização, uma cidade em decadência, onde os níveis de pobreza
e criminalidade tem um acentuado aumento. O filme também retrata os objetivos do
neoliberalismo, a substituição de mão de obra humana por robôs; “pois ele não precisa de
salário, não se danifica facilmente, não se cansa, e (pelo menos na teoria) não questiona ordens”
(MENDES; PEDROSO, 2016: 175).
O filme continua atual, mais de trinta anos depois, nos deparamos novamente com máquinas
sendo treinadas para manusear armas em cenários de treinamento militar. Em uma sociedade
neoliberal, onde empresas privadas de segurança exercem controle crescente sobre a segurança
pública, convivemos com uma proliferação de dispositivos de segurança: câmeras, carros
blindados, escoltas armadas e inúmeros outros meios de monitoramento. Assim, abrimos mão
de nossa liberdade e privacidade em troca de uma suposta “segurança” pessoal e patrimonial,
vivemos em uma sociedade de controle (FOUCAULT, 2020).
No caso do vídeo mostrado no começo deste artigo, nos colocam questões importantes da
contemporaneidade como a crescente automação em áreas de alta responsabilidade, a obsessão
por dispositivos de vigilância e combate. Quais os riscos de colocarmos nossa segurança nas
mãos de uma máquina? Ainda mais por ser uma máquina programada por um humano, ou ainda,
quais os limites e eficiência da inteligência artificial? Qual o risco que corremos tirando o poder
do estado com relação a segurança e passando para a iniciativa privada que visa somente o
lucro? Estamos mais seguros? Seria este o caminho? Certo? Errado.
O que vemos nos vídeos não passa de uma peça de ficção. Os vídeos foram produzidos por uma
empresa de efeitos especiais (VFX), a Corridor Digital
3
, que produz vídeos para internet
parodiando certas ações de robôs humanoides construídos pela empresa Boston Dynamic
3
Produtora de filmes e conteúdo digital fundada em 2009 por Sam Gorski e Niko Pueringer. Eles são conhecidos
por criar vídeos inovadores e de alta qualidade no YouTube, muitas vezes envolvendo efeitos visuais (VFX)
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Figura 3: Robôs humanoides desenvolvidos pela Boston Dynamics
O que chama a atenção nos vídeos da Corridor Digital é o realismo dos filmes. Mesmo um olhar
atento pode não identificar imediatamente que o filme foi criado com computação gráfica,
levando-nos a acreditar que estamos vendo um robô humanoide real. No entanto, no decorrer
do filme, identificamos algo estranho, talvez pela atitude do “robô” um comportamento
exagerado ou “humano” demais — como quando ele parece ter um acesso de fúria e vira uma
mesa à sua frente. Observando com mais atenção, é possível ver um frame com uma falha no
efeito especial, revelando a mão do ator simulando um robô.
complexos e cenários criativos. A equipe ficou famosa por suas curtas-metragens de ação, ficção científica e vídeos
de paródia.
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Figura 4: Vemos uma falha na construção da imagem, é possível ver a mão do ator que faz a
simulação de movimento do robô construído em 3D
Isso não quer dizer que robôs não estão sendo desenvolvidos para segurança, muito pelo
contrário, guerras são feitas com drones, filmadas em tempo real, o olho da mira da arma é
muitas vezes o olho do espectador, desde a Guerra do Iraque, muitas guerras são transmitidas
ao vivo, o cinema de guerra, a guerra tecnológica (VIRILIO, 2005). A violência angaria
audiência, constrói uma cadeia de lucro, tanto para os comerciantes de armas quanto para os
canais de TV e jornais, a violência é entretenimento.
O que vemos nos vídeos da Corridor que são disponibilizados no Youtube não passam disso;
entretenimento. Mas isso não quer dizer que não tenha em seus vídeos um teor crítico com
relação a nossa sociedade cada vez mais vigiada e dependente da tecnologia. A construção
desses efeitos especiais é possível graças a sensores de movimento que captam os movimentos
corporais do ator e os transformam em animações 3D, dando mais veracidade ao movimento
do robô virtual. Esse realismo, à primeira vista, nos causa perplexidade e espanto, imaginando
que robôs humanoides estão sendo treinados para policiamento. Contudo, outras questões são
levantadas: com o avanço tecnológico, como saberemos quando uma imagem apresentada é
verdadeira ou falsa? Como essa construção imagética será usada como ferramenta em guerras
de narrativas?
Os efeitos especiais no cinema surgiram nos seus primórdios, como nos filmes de Georges
Méliès, em que vemos suas habilidades de gico transportados para o cinema, vemos ali as
primeiras trucagens do cinema, um dos pioneiros dos efeitos especiais. Cinema e efeitos
especiais sempre andaram juntos, é através desses efeitos que o cinema cria seu mundo
particular, podemos pensar desde os filmes de ficção científica até os filmes surrealistas, é
graças aos efeitos especiais e deslocamento de contextos que o cinema se constrói como uma
ficção, mesmo o filme que se coloca como sendo um filme realista, mesmo esses, não deixam
de ter seu teor ficcional, é o olhar do diretor sobre a realidade, ou melhor, é o enquadramento,
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um recorte de realidade que é transportado para tela plana do cinema, de certa forma, não deixa
de ser uma ficção. Para o público daquela época, era difícil compreender como aquilo era
possível, por não conhecerem as questões técnicas e de edição a que os filmes são submetidos.
No entanto, com o avanço da tecnologia e da computação gráfica, e o advento do 3D, tornou-
se mais difícil detectar essas manipulações, quase impossível, como é o caso dos vídeos da
Corridor. Nas imagens abaixo podemos ver um pouco de como as cenas são construídas,
primeiro um ator simula os movimentos do robô, esses movimentos são captados por sensores
acoplados ao corpo do ator, e depois essas imagens são construídas em 3D e inseridas
novamente no filme com a forma do pretenso robô.
Figura 5: Nas imagens à esquerda vemos o ator simulando os movimentos do robô virtual, nas
imagens da direita vemos a imagem com os efeitos especiais, com o robô construído em 3D
inserido ao filme.
Se antes os meios técnicos como a fotografia e o vídeo precisavam de uma captação da
realidade, a incidência de luz sobre uma base sensível, a queima da película através da luz, hoje
não precisamos mais da realidade como base, saímos de um meio físico para o meio digital, as
imagens são construídas através de números, algoritmos, podemos construir imagens com
softwares de construção em 3D.
“Com as tecnologias numéricas, a lógica muda radicalmente e com ela
o modelo geral da figuração. Ao contrário do que se poderia prever, o
pixel, sendo um instrumento de controle total, torna a verdade bem
mais difícil que a morfogênese da imagem. Enquanto para cada ponto
da imagem ótica corresponde um ponto do objeto real, nenhum ponto
de qualquer objeto real preexistente corresponde ao pixel. O pixel é a
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expressão visual, materializada na tela, de um cálculo efetuado pelo
computador, conforme as instruções de um programa. Se alguma coisa
preexiste ao pixel e à imagem é o programa, isto é, linguagem e
números, e não mais o real. Eis porque a imagem numérica não
representa mais o mundo real, ela o simula. Ela o reconstrói, fragmento
por fragmento, propondo dele uma visualização numérica que não
mantém mais nenhuma relação direta com o real, nem física, nem
energética. A imagem o é mais projetada, mas ejetada pelo real, com
força bastante para que se liberte do campo de atração do Real e da
Representação. A realidade que a imagem numérica a ver é uma
outra realidade: uma realidade sintetizada, artificial, sem substrato
material além da nuvem eletrônica de bilhões de micro impulsos que
percorrem os circuitos eletrônicos do computador, uma realidade cuja
única realidade é virtual”.
COUCHOT, Imagem máquina: 42.
Tínhamos na fotografia e no vídeo, como um documento da realidade, muitas vezes uma prova
de um acontecimento, fotografias eram usadas como provas de um fato ocorrido. Mesmo a
fotografia analógica, uma fotografia construída através de reações químicas e que
consequentemente gera um negativo, uma prova material da realidade, mesmo a fotografia
analógica, mesmo sendo mais difícil, ainda sim, pode ser adulterada, mais do que isso, a cena
registrada pode ser alterada, a realidade é volatilizável. Susan Sontag (1977), em seus estudos
filosóficos sobre a fotografia descreve o caso em que fotografias de guerra não tinham seus
negativos adulterados, mas a própria cena do crime. Quando os fotógrafos, por questões
estéticas e na procura por um melhor enquadramento, mudavam a posição dos corpos no campo
de batalha, na busca por uma foto mais “harmoniosa”, por uma composição “perfeita”. Desde
os tempos remotos da fotografia, a veracidade das imagens sempre fora contestada, se não,
ficcionada. A realidade do fato sempre foi colocada em questão, o que seria o enquadramento
do fotógrafo para uma foto se não um recorte dessa realidade, já a princípio, uma ficção.
No começo do livro A Câmara Clara de Roland Barthes, o autor diz:
Um dia, muito tempo, dei com uma fotografia do último irmão de
Napoleão, Jerônimo (1852). Eu me disse então, com um espanto que
jamais pude reduzir: ‘Vejo os olhos que viram o Imperador.’ Vez ou
outra, eu falava desse espanto, mas como ninguém parecia
compartilhá-lo, nem mesmo compreendê-lo (a vida é, assim, feita a
golpes de pequenas solidões), eu o esqueci”. BARTHES, 2015: 11
No livro, o autor analisa as questões sobre a fotografia como memória e registro. O que era
antes um privilégio destinado aos artistas, o registro de determinadas épocas através da pintura,
com o advento da fotografia o registro se democratiza, não sendo mais a construção da imagem
destinada apenas aos pintores. O texto de Barthes explicita essa passagem do tempo, de como
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novos dispositivos de construção da imagem mudam nosso olhar e a forma como criamos
imagens. Nossos antepassados tinham acesso a certos tipos de imagem; fotografias em preto e
branco, depois a fotografia colorida e tvs de tudo. Hoje em dia temos as televisões com imagens
em 8k de alta definição, projetores, internet, sem dúvida, a nossa relação com a imagem e com
sua construção mudou completamente nos últimos anos com o surgimento dessas novas
tecnologias. Com os novos softwares de edição de imagens, a “verdade” se torna ainda mais
incerta; deep fakes, efeitos especiais, manipulação de toda espécie. O que traz incertezas,
também traz a possibilidade de construção de mundos imaginários através da animação em 3D,
a possibilidade da construção de novas visualidades.
Com o advento da computação gráfica essas questões de ficcionalidade se potencializam ainda
mais, como bem lembra Queau “A fronteira entre o verdadeiro e o falso torna-se cada vez mais
impalpável, e as balizas que permitem distinguir os diversos níveis de verdade das
representações e de avaliar a sua credibilidade tornam-se cada vez mais difíceis de controlar.”
(1993: 96).
Os filmes feitos pela Corridor são paródias de robôs fabricados pela Boston Dynamic, uma
empresa americana de engenharia e robótica conhecida por criar robôs avançados que imitam
o movimento de humanos e animais. Fundada em 1992, como uma spin-off do Instituto de
Tecnologia de Massachusetts (MIT), a empresa começou desenvolvendo robôs para simular
locomoção humana e animal. No caso da Boston, temos uma inter-relação entre o software e
hardware para o desenvolvimento dos robôs, seus vídeos são formas de apresentação de seus
produtos. a Corridor é uma empresa de efeitos especiais, no lugar de robôs, são usados atores
e programas de detecção de movimento para que o movimento seja o mais próximo possível do
movimento humano, se no primeiro caso temos a construção de máquinas, no segundo, temos
a construção de imagens de vídeos para internet, enquanto um é físico, o outro, é virtual,
passamos da fisicalidade para a virtualidade.
“As representações do mundo podem ser feitas sem recorrer às
técnicas tradicionais de registro por câmeras (foto e cine). Com as
imagens de síntese, inclusive aquelas mais hiper-realistas, se cria uma
nova tipologia que desarticula a relação causal entre imagem e objeto,
pois essas imagens criam outra relação com uma matriz numérica que
é o objeto da imagem, isto é, a imagem em potência. Surgem, assim,
modelos e simulações que permitem criar referentes imaginários ou
inexistentes. A imagem sintética é cocriadora de realidade. Desta
forma, a representação do infinito subatômico ou a infinitude da
representação (eterno retorno do mesmo) podem ser realizadas. Com
esses aspectos, o aumento da capacidade denotativa e cognoscitiva se
torna evidente, assim como também se abrem campos de
indeterminação, leituras variáveis e relações de significação”.
PLAZA, Imagem máquina: 82.
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A análise desenvolvida ao longo deste artigo demonstra que estamos diante de uma
transformação radical na natureza mesma da representação visual. As “realidades improváveis”
criadas pela convergência entre arte e tecnologia não apenas desafiam nossa capacidade de
discernimento entre o real e o fictício, mas reconfiguram os fundamentos epistemológicos de
como conhecemos e interpretamos o mundo visual.
O estudo do caso Corridor Digital revela o paradoxo central de nossa era: quanto mais perfeitas
se tornam as simulações, mais frágeis se mostram nossos instrumentos tradicionais de
verificação. A mesma tecnologia que permite criar robôs virtuais convincentes também
possibilita a manipulação em escala global de narrativas políticas, sociais e históricas. Como
demonstrado, essa problemática não é nova - remonta às primeiras manipulações fotográficas
do século XIX - mas adquire urgência inédita em um contexto de produção e disseminação
massiva de imagens.
As implicações éticas desse fenômeno são profundas. A crescente automação de sistemas de
vigilância e segurança, associada à dificuldade em distinguir demonstrações reais de
simulações, cria um terreno fértil para o que poderíamos chamar de “estados de exceção visual
permanente”.
Contudo, como argumentamos, a solução não está na revolta contra a tecnologia, mas no
desenvolvimento de novas competências críticas. A “alfabetização visual digital” emerge como
exigência educacional fundamental para a cidadania no século XXI. Isso inclui tanto o
entendimento técnico dos processos de criação de imagens quanto a consciência histórica sobre
a longa tradição de construção e manipulação de representações visuais.
Neste sentido, as “realidades improváveis” que analisamos não representam apenas um desafio,
mas também uma oportunidade única para repensar radicalmente nossas categorias de
percepção, representação e interpretação do real. O futuro que se anuncia exigirá não apenas
novas tecnologias, mas sobretudo novas epistemologias - e é nessa fronteira entre arte,
tecnologia e filosofia que as discussões mais produtivas deverão se desenvolver.
Referências
Barthes, R. (2015). A câmara clara: Nota sobre a fotografia (J. C. Guimarães, Trad.). Nova
Fronteira.
Couchot, E. (1993). A imagem-máquina: A era das tecnologias do virtual. Editora 34.
Foucault, M. (2020). Vigiar e punir: Nascimento da prisão (R. Ramalhete, Trad., 2ª ed.).
Vozes.
Parente, A. (2013). Cinemáticos: Tendências do cinema de artista no Brasil. +2 Editora.
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Sontag, S. (1977). Sobre fotografia: Ensaios. Companhia das Letras.
Virilio, P. (2005). Guerra e cinema: Logística da percepção (P. R. Pires, Trad.). Boitempo.
Zanini, W., & Jesus, E. (Orgs.). (2018). Walter Zanini: Vanguardas, desmaterialização,
tecnologias na arte. Editora WMF Martins Fontes.
Mendes, L. M. G., & Pedroso, R. A. A. (n. d.). Entre ficção e realidade: Robocop e a crítica
do colapso da sociedade neoliberal. Cordia. História, Cinema e Política, (16), 149185.
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O currículo deste autor se encontra no rodapé da primeira página de seu artigo no dossier.
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