Robson Nunes da Silva
O CINEMA DOCUMENTAL E AS POSSIBILIDADES DE REPRESENTAÇÃO E ENSINO DA
HISTÓRIA DA REVOLUÇÃO MEXICANA.
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O CINEMA DOCUMENTAL E AS POSSIBILIDADES DE REPRESENTAÇÃO E
ENSINO DA HISTÓRIA DA REVOLUÇÃO MEXICANA
EL CINE DOCUMENTAL Y LAS POSIBILIDADES DE REPRESENTAR Y
ENSEÑAR LA HISTORIA DE LA REVOLUCIÓN MEXICANA
DOCUMENTARY CINEMA AND THE POSSIBILITIES OF REPRESENTING AND
TEACHING THE HISTORY OF THE MEXICAN REVOLUTION
Robson Nunes da Silva
Universidade Federal de Goiás
robsonsilva@discente.ufg.br
Resumo
O artigo aborda a relação entre a representação histórica presente no filme documental e seus
usos no processo de ensino de história. Trata-se de compreender a Revolução Mexicana (1910-
1920) representada nos documentários Los últimos Zapatistas Héroes Olvidadados (2001) e
Pancho Villa: La Revolución no ha Terminado (2006) do cineasta documentarista mexicano
Francesco Taboada Tabone. O texto visa discutir a partir das experiências zapatistas e villistas,
evidenciadas através da perspectiva imagética do cineasta, os contornos da ruptura histórica
revolucionária iniciada em 1910, bem como os elementos de uma sociedade em crise que
apresenta pautas sociais históricas ainda em curso. O foco da análise se volta para as histórias
colocadas em imagens em contraposição à historiografia oficial sobre o tema.
Palavras-chave: Revolução Mexicana, Cinema Documental, Zapatismo, Villismo,
Movimentos Sociais.
Resumen
El artículo aborda la relación entre la representación histórica presente en el cine documental y
sus usos en el proceso de enseñanza de la historia. Se trata de comprender la Revolución
Mexicana (1910-1920) representada en los documentales Los zapatistas Héroes Olvidados
(2001) y Pancho Villa: La Revolución no ha Terminado (2006) del documentalista mexicano
Francesco Taboada Tabone. El texto pretende discutir, a partir de las experiencias zapatistas y
villistas, evidenciadas a través del imaginario del cineasta, los contornos de la ruptura histórica
revolucionaria iniciada en 1910, así como los elementos de una sociedad en crisis que presenta
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agendas sociales históricas aún vigentes en curso. El foco del análisis gira en torno a los relatos
colocados en imágenes en oposición a la historiografía oficial sobre el tema.
Palabras clave: Revolución Mexicana, Cine Documental, Zapatismo, Villismo, Movimientos
Sociales.
Abstract
The article addresses the relationship between the historical representation present in
documentary film and its uses in the history teaching process. It is about understanding the
Mexican Revolution (1910-1920) represented in the documentaries Los las Zapatistas Héroes
Olvidados (2001) and Pancho Villa: La Revolución no ha Terminado (2006) by Mexican
documentary filmmaker Francesco Taboada Tabone. The text aims to discuss, from the
Zapatista and Villista experiences, evidenced through the filmmaker's imagery perspective, the
contours of the revolutionary historical rupture that began in 1910, as well as the elements of a
society in crisis that presents historical social agendas that are still ongoing. The focus of the
analysis turns to the stories placed in images in opposition to the official historiography on the
topic.
Keywords: Mexican Revolution, Documentary Cinema, Zapatismo, Villismo, Social
Movements.
Robson Nunes da Silva
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Introdução
O surgimento do filme documental originou-se do desejo de capturar com uma câmera a
realidade dos indivíduos, as experiências humanas do tempo e no espaço, com o propósito, a
princípio, de informar e envolver o espectador por meio de um discurso direto. Na evolução do
gênero, uma nova abordagem, para este formato de fazer filmes, emergiu com os trabalhos de
Robert Flaherty na década de 1920, o que resultou na criação do que é considerado o primeiro
filme de não ficção, “Nanook, o esquimó” (1922). A partir de então, o conceito de documentário
passou a ser usado para descrever o gênero cinematográfico que retrata eventos do mundo real.
Em outras palavras, o documentário é visto como uma produção audiovisual que documenta
eventos, personagens e situações ancoradas no mundo real (ou histórico), tendo como
protagonistas os próprios ‘sujeitos’ da ação” (Lucena, 2018: 11). Assim, pode-se dizer que o
cinema nasceu como documentário.
Os filmes, ao longo do último século, documentaram e registraram aspectos da vida cotidiana,
como em A Saída da Fábrica Lumière em Lyon e A chegada do trem na estação (1895) dos
irmãos Lumière. Ganhou espaço para a representação da imaginação fílmica ao principiar a
utilização de roteiros, figurinos, atores, cenários e maquiagem, como nos trabalhos de George
Méliès (1861-1938) em Viagem à lua (1902) e A conquista do Pólo (1912). Com D. W. Griffith,
se estabeleceu as bases da uma nova linguagem fílmica ao introduzir elementos como os closes,
a montagem paralela, a alternância de gêneros, o galã e a mocinha indefesa, inaugurando, assim,
nas primeiras décadas do século 20, uma poderosa indústria cinematográfica. Os filmes também
foram utilizados como instrumento de difusor de ideologias dado o seu poder pedagógico de
gerar símbolos junto à sociedade, sobretudo nos momentos de tensões políticas e militares
durante a primeira metade do século passado (Lucena, 2018).
Nessa jornada, o cinema introduziu, para além de ilustrar eventos do cotidiano ou paisagens,
uma linguagem nova com imagens em movimento ao representar e narrar as ações humanas,
resultado de experiências individuais e coletivas, evidenciando suas tensões, paixões,
imaginações, fantasias, rupturas e/ou continuidades históricas. Isso possibilitou, de uma forma
revolucionária, a difusão da informação, da narrativa do fato ocorrido ou imaginado, bem como
a capacidade de produzir problematizações no campo do ensino e do ensino de história.
Imprimiu o retrato de novas formas de pensar, representar e criar a si próprio, sujeitos e
instituições, fenômenos políticos, sociais, culturais, econômicos e históricos. Assim, os filmes
podem e têm sido utilizados como registro do real, sob a perspectiva do cineasta, como produto
para atender à demanda do setor de entretenimento, e, mais recentemente, para processos
educativos. Não é novidade que o filme produz imagens que educam.
Essa possibilidade de reconstrução histórica através do audiovisual está encontrando seu lugar
nos espaços de formação e educação, fornecendo uma alternativa de aprendizagem como
complemento aos outros instrumentos de aprendizagem histórica, como do livro didático. Por
um lado, os filmes e documentários, alinham suas narrativas com o material didático utilizado
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nas escolas e à cultura dominante de sua época; e por outro, ao refletir o mundo real, entrega,
em imagens, o que a história oficial “esqueceu” de lembrar.
Entendendo que com o filme, em nosso caso o filme documental, é possível promover o
processo de ensino e aprendizagem em história nos mais diversos espaços de educação, trago
para a reflexão neste estudo uma discussão sobre a história, ou as histórias da Revolução
Mexicana (1910-1920) a partir dos documentários Los Últimos Zapatistas Héroes Olvidados
(2001) e Pancho Villa: La Revolución no Terminado (2006), ambos do cineasta
documentarista mexicano Francesco Taboada Tabone (1973). O estudo possui como objetivo,
trazer para a reflexão relatos revolucionários de homens e mulheres que lutaram ou que, de
alguma forma direta ou indireta, participaram das forças insurgentes zapatistas e villistas e que
viveram para contá-las. Sob a perspectiva narrativa do cineasta, apresentar, através da tradição
oral e a memória coletiva capturada pelo olhar mediado pela câmera filmadora, histórias que a
historiografia oficial sobre o tema insiste em não recordar. Como isso, explorar como o uso do
audiovisual pode atuar no processo de educação para repensar de forma crítica a educação
histórica sobre a Revolução Mexicana.
Para alcançar os objetivos propostos, percorro caminhos metodológicos que são construídos no
processo de interpretação das imagens; dessa forma, a metodologia inclui a análise externa e
interna aos documentários. Os filmes são compreendidos como fruto de seu tempo inseridos no
contexto de tensões políticas, econômicas e sociais que atingiram o México na transição do
século 20 para o século 21; em quais condições foram produzidos, se houve censura, qual apoio
recebeu para a execução dos projetos, duração da execução, equipe, instrumentos utilizados,
entre outros fatores externos aos filmes. Para a análise interna, da imagem propriamente dita,
explorar os enquadramentos, as sequências, os cenários, a utilização de audiovisual externo e
as imagens de arquivos para, assim, escutar e ver, por ambas as dimensões (externa e interna)
as histórias sobre a Revolução Mexicana.
A Revolução Mexicana (1910-1920): causas, personagens, fases e consequências
As décadas que antecedem a ruptura da prolongada ditadura do general Porfírio Díaz (1865-
1911) no México, foram de um período de significativo desenvolvimento econômico, bem
como pelo aprofundamento das desigualdades sociais, resultado da crescente concentração de
propriedades e riquezas. Com Díaz, o México integrou-se ao comércio mundial através das
relações estabelecidas com os Estados Unidos. Com essa relação, o México entrou em um
processo de modernização muito impulsionado pela grande malha ferroviária que foi construída
nesse período. Ao mesmo tempo, Díaz promoveu uma centralização política em torno de sua
pessoa, de um restrito número de pessoas mexicanas e de grupos políticos tradicionais. Com a
relação política e econômica estrangeira, beneficiou o capital internacional. Dessa forma, as
elites mexicanas marginalizadas desse processo, começaram a exercer oposição política à Díaz
acompanhadas pelas camadas populares que sofriam com os efeitos desmedidos da exploração
econômica, política e social, fruto do avanço capitalista no campo. É importante destacar, que
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o México desse período era essencialmente rural. Os camponeses, sobretudo os pequenos
proprietários rurais e os povos indígenas tiveram suas terras expropriadas. A modernidade de
Díaz concentrou a riqueza e produziu uma enorme massa de camponeses desprovidos de terras
para a sobrevivência. Foi sob essas condições que, entre 1910 e 1911, eclodiu a Revolução
Mexicana, a primeira grande revolução popular do século 20 (Barbosa, 2008).
Porfírio Díaz se reelegeu, pela sétima vez, para o mandato de 1910-1914, apesar de anunciar
que se aposentaria em 1910. Diante do ocorrido, Francisco Madero, importante político e
membro do Partido Nacional Antirreeleicionista, partido de oposição, foi um candidato
obstinado naquela eleição se opondo ao resultado da eleição. Madero, vindo de uma família
tradicional e rica do Estado de Coahuila, chamou os mexicanos, sob o Plano de San Luis Potosí,
a se rebelarem contra a reeleição e a ditadura de Díaz. A Revolução teve data e hora para
começar: dia 20 de novembro de 1910, às 18 horas. O chamado de Madero, impulsionou a causa
anti reeleição e agregou dois grupos que formaram as tropas Maderistas: um liderado por
Pascual Orozco e outro por Francisco “Pancho” Villa. No rebentar da revolução maderista,
outra revolução se iniciou no Sul, no Estado de Morelos, liderada por Emiliano Zapata, com o
objetivo de restituir as terras comunais expropriadas pelas grandes haciendas da região. Assim,
depois de cinco meses de conflito, no dia 25 de maio de 1911, Porfírio Díaz renunciou à
presidência e em 31 de maio zarpou para a Europa. Francisco León de La Barra assumiu como
interino até que ocorressem novas eleições (Barbosa, 2008).
Em de outubro de 1911, Francisco Madero foi eleito presidente do México pelo Partido
Progressista Constitucional. Madero, com sua curta passagem pela presidência (novembro de
1911 a fevereiro de 1913), enfrentou resistência e oposição. Os zapatistas continuaram em
armas, pois Madero havia traído os acordos firmados com os mesmos do grupo. Os partidários
de Díaz, opositores de Madero, executaram tentativas de golpe e revoltas continuaram
ocorrendo em várias partes do território nacional como a do general Bernardo Reyes e Pascoal
Orozco no Estado de Chihuahua. Após três tentativas de golpe, os golpistas liderados pelos
contrarrevolucionarios Victoriano Huerta, Manuel Mondragón, Félix Díaz e Bernardo Reyes,
destituíram o presidente Madero, que foi forçado a renunciar em 18 de fevereiro de 1913, e na
sequência, assassinado junto com seu vice-presidente José María Pino Suárez na noite de 22 de
fevereiro de 1913. O caminho percorrido pela oposição para a derrubada de Madero foi marcado
por tumultos, prisões e muitas mortes. Os dez dias de intenso combate (19 a 28 de fevereiro de
1913) ficaram conhecidos por Decena Trágica (Barbosa, 2008).
A guerra continuou. Victoriano Huerta, após o golpe que o colocou na Presidência da
República, enfrentou grandes exércitos que haviam se formado até aquele momento de Norte a
Sul. Venustiano Carranza, governador de Coahuila, Álvaro Obregón e Plutarco Elías Calles,
sob a proclamação do Plano de Guadalupe, lideram uma das frentes de resistência à Huerta
orientados pela Constituição de 1857, desrespeitada por Huerta. Carranza foi nomeado chefe
do Exército Constitucionalista. No Sul, as forças zapatistas em Morelos permaneceram em luta
contínua desde o breve governo de Madero. Os zapatistas, um grupo formado por camponeses
e pequenos proprietários possuíam como projeto social o Plano de Ayala que, entre muitos
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temas emergenciais, exigia a imediata devolução das terras expropriadas, sobretudo durante o
governo de az. Ao Norte, a Divisão do Norte, comandada por Pancho Villa, agrupava
aproximadamente 30 mil soldados, entre eles homens e mulheres. Essas, entre outras, as
principais forças de coalizão que opuseram ao governo Huerta e exigiam a dissolução do
exército federal em 1914 (Barbosa, 2008).
Entre agosto de 1914 e outubro de 1915 a Revolução se intensificou e o México viveu um
período de maior intensidade do conflito. Apesar dos revolucionários formarem um grupo
heterogêneo, uma tarefa comum se projetou no horizonte dos revolucionários, derrotar Huerta,
pacificar o país, reorganizar o Estado e promover as reformas econômicas e sociais exigidas
pelas camadas populares. A coalizão de forças venceu Huerta, que no dia 14 de julho de 1914
fugiu da capital. Após a renúncia, a capital foi ocupada pelas forças constitucionalistas. Ao
romper com Carranza, os exércitos comandados por Pancho Villa e Emiliano Zapata, em
dezembro de 1914, ocuparam a Cidade do México como resposta às divergências
revolucionárias com os Constitucionalistas. Essa ocupação, que rendeu a famosa fotografia de
Villa e Zapata no Palácio Presidencial (Barbosa, 2008).
A guerra continuou entre Carranza, villistas e zapatistas. A partir de 1915 as forças camponesas
recuaram ao Sul e ao Norte. Em 1916, Carranza consegue retomar o controle da capital. Em
1917, através de uma Assembleia Constituinte, uma nova carta foi promulgada e Carranza
tomou posse. Foi o triunfo do constitucionalismo. Durante seu governo, Carranza se mostrou
um político muito conservador. Entre novembro de 1918 e junho de 1920 disputou com
Obregón o poder político. Os villistas são derrotados por Obregón da Batalha de Celaya e Villa
“retirou-se” para uma fazenda em Durango; Zapata foi traído e, em uma emboscada, na fazenda
de Chinameca, assassinado em 10 de abril de 1919. A guerra entre as facções finalizou com a
vitória de Álvaro Obregón na eleição presidencial. Obregón tomou posse em de dezembro
de 1920, consolidando o fim do conflito armado (Barbosa, 2008).
Os filmes e a Revolução mexicana
Os eventos ocorridos nos dez anos de insurgência ecoaram nas décadas seguintes e a filmografia
onde a Revolução Mexicana serve de contexto à trama, é vasta. Para o propósito desse estudo,
quero antes mencionar dois momentos da indústria cinematográfica mexicana que produziram
filmes que trouxeram debates críticos sobre os anos de conflito, como os filmes do cineasta
mexicano Fernando de Fuentes, nos anos de 1930, e a filmografia sobre a Revolução
institucionalizada durante e após a consolidação do Estado revolucionário nos anos de 1940. A
institucionalização proporcionou conteúdos nacionalistas propagados pela comunicação de
massas, pela educação, pelo entretenimento e através da criação artística. O cinema foi
instrumento dessa construção, por vezes financiado pelo Estado, ou até, censurado pelo mesmo.
A análise de alguns filmes das décadas de 1930 e 1940, que veremos a seguir, refletem esse
processo.
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Na década de 1930, Fernando de Fuentes se destacou por narrar o passado revolucionário sob
perspectiva crítica. El compadre Mendoza (1933), conta sobre um rico proprietário de terras
(hacendado) que se articula entre os diferentes grupos em batalha. Entre os combatentes que
passam por sua propriedade, sua relação com os zapatistas é mais próxima. No entanto, o
proprietário trai seu amigo zapatista. O filme, uma adaptação da novela de Mauricio
Magdaleno, faz crítica ao regime carranzista
1
que triunfa sobre os zapatistas traindo-os. Em
Vámonos con Pancho Villa! (1935), conta sobre um grupo de amigos, os Leones de San Pablo,
que se juntam ao exército liderado por Pancho Villa. Para esse filme, Fuentes adaptou a primeira
parte da novela de Rafael Felipe Munõz, terminando o filme pouco antes da batalha e da tomada
de Zacatecas por Villa e os villistas. Quando uma epidemia atinge os combatentes villistas, um
dos Leones questiona a decisão tomada pelos superiores de queimar o corpo junto com todos
os seus pertences para evitar a propagação da doença. Após a execução da ordem, o combatente
villista, interpretado por Antonio R. Frausto, é deixado para trás por Villa que parte para batalha
em Zacatecas. O filme é uma crítica à figura heroica de Villa e possui um final alternativo, em
razão da censura. Para Fuentes, a estética de seus filmes deveria substituir o típico final feliz
hollywoodiano. Sobre os dois filmes disse Mraz: El compadre Mendoza desmistifica o
carrancismo como movimento revolucionário, e Vámonos con Pancho Villa! ‘desmistifica’ uma
das grandes lendas do conflito” (2009: 436).
Nos anos de 1940, os filmes sobre a Revolução se afastaram desse caráter crítico que se fez
presente na década anterior. A filmografia dessa década ficou conhecida por Época de Oro do
cinema mexicano, em razão das grandes produções e do alinhamento da indústria à Revolução
institucionalizada com a chegada ao poder de Manuel Ávila Camacho, presidente do México
entre 1940 e 1946. A narrativa fílmica das principais obras, se afasta da representação do
sentido de triunfo da traição para dar lugar à ideia de luta desgarrada que origem a uma nação
unida e a um país de instituições. Com isso, a ideia do conceito de mexicanidade e
homogeneidade começou a ser desenhada pela doutrina governista objetivando uma “unidade
nacional” em torno da Revolução. Por essa razão, fica evidente que os filmes realizados depois
de 1940 quase sempre se localizam no contexto do período de 1913 e 1914, quando as forças
revolucionárias se uniram para combater a usurpação de Victoriano Huerta” (Mraz, 2009:
434).
John Mraz definiu aqueles que participaram com entusiasmo na busca governista pela
identidade nacional como “orgia da uniformidade nacionalista financiada pelo Estado” (2009:
439). A equipe do cineasta Emilio Fernández e do fotógrafo Gabriel Figueroa produziram
alguns filmes de significativo destaque nos anos 1940 contribuindo para uma poderosa
articulação estética mexicana. Está claro que Fernández estava particularmente alinhado à
ideologia dominante. Ele disse:
“Meus próprios filmes se baseiam nas experiências da minha vida
com meu próprio povo. Pertenço à uma família muito humilde. Em
1
Partidários de Venustiano Carranza.
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um nível social, todos formamos uma só classe no México, graças aos
benefícios da Revolução. A todos nos unifica um pensamento: o
México. Penso que em uns poucos anos teremos um país maravilhoso
e muito sólido”.
Monsiváis apud Mraz, 2009: 439-440.
As grandes produções de Fernández Figueroa sobre o tema da Revolução são: Flor silvestre
(1943) e Enamorada (1946). Flor silvestre conta a história do filho de um homem rico que se
apaixona por uma mulher pobre. Ele decide juntar-se com ela e unir-se à Revolução. No
entanto, o relacionamento do casal é interrompido quando bandidos disfarçados de
revolucionários capturam sua esposa e filho e o obrigam a se entregar. Ele é executado. Sua
esposa fica com o filho que representa o Estado Revolucionário. Enamorada é basicamente um
remake de A Megera Domada, de Shakespeare. O general José Juan Reyes captura a cidade de
Cholula e conhece Beatrice, a filha rebelde de um velho rico da cidade. O relacionamento
deles é turbulento, mas depois de muitos escândalos, Beatrice deixa no altar o gringo, com
quem planejava se casar, e perseguiu José Juan, que cavalga para a batalha (Mraz, 2009).
Elencar as produções cinematográficas dessas gerações é importante, ainda que parte delas não
sejam filmes documentais, porque suas histórias e relatos visuais demonstram como parte dos
cineastas da geração de 1930 apontaram críticas e desencantos relacionados aos anos de conflito
armado e como a representação do passado revolucionário, após a consolidação da indústria
cinematográfica nos anos de 1940, participou do processo de formação da identidade
revolucionária se afastando do olhar crítico da década anterior. Fica evidente que o filme
representou e ainda representa a diversidade dos espaços vivenciais e gamas de expectativas
dos diferentes grupos sociais envolvidos direta ou indiretamente na insurreição armada de um
momento decisivo da história mexicana, salvo quando ocorre censura estatal. Mencionar as
tendências cinematográficas dos anos de 1930 e 1940, nos fornece suporte para analisar a
narrativa fílmica de Tabone e situá-la no debate sobre a Revolução de 1910 no contexto
histórico da primeira década do século 21.
Los Últimos Zapatistas, Héroes Olvidados e Pancho Villa, la Revolución no ha Terminado
Os dois documentários trazidos para essa pesquisa, reuniu testemunhos de homens e mulheres
que participaram da Revolução, ou por ela foram atingidos, e viveram para contar. Os filmes
narram os eventos da Revolução Mexicana sob a perspectiva de narradores e narradoras que
destacam os principais eventos da guerra, como: as causas, seus protagonistas, vitórias,
derrotas, traumas e expectativas, através de experiências vividas ao lado dois líderes da
insurgência camponesa mexicana: Emiliano Zapata e Francisco Villa. E, através desses relatos,
presentes na tradição oral e na memória coletiva, desvela e evidencia experiências de zapatistas
e villistas ainda vivos no início da primeira década do culo 21, promovendo uma imersão
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sobre o passado e o presente da história da Revolução do México no contexto de ascensão do
neoliberalismo dos anos de 1990 e em suas consequências na década seguinte.
Em Los últimos zapatistas, héroes olvidados (2001), são os zapatistas que detalham a
experiência da guerra contra a opressão do latifúndio e do Estado. Ao promover esse “resgate”,
um tecido entre passado e presente se costura entrelaçando os eventos da Revolução, a vida e
morte de Zapata, e o encontro entre duas gerações de zapatistas. O documentário é composto
por dois grandes temas: Zapata e “Tierra y Libertad”. Na primeira parte, uma série de capturas
evidenciam a relação de encantos, desencantos e denúncias sobre a Revolução Mexicana. Na
Segunda parte, “Tierra y Libertad”, assistimos ao discurso do presidente Carlos Salinas (1988-
1994) que diz: "Juárez y Zapata son inspiradores de nuestro régimen. Por eso modificamos el
artículo 27 de la Constitución, para llevar más recursos al campo" (Los últimos zapatistas,
héroes olvidados). Seu discurso e suas ações de governo para o campo são considerados uma
traição aos ideais de Zapata e dos zapatistas veteranos que denunciam os riscos dessa política e
a condição precária que vivem com a pouca ajuda governamental.
A referida modificação do artigo 27 da Constituição revolucionária de 1917, fez parte do projeto
de adesão do México ao Tratado de Livre Comércio da América do Norte (TLCAN) e é
denunciada pelos entrevistados como uma ameaça à existência e manutenção da autonomia dos
pueblos. Sobre essa modificação escreveu Tabone:
de un instante al otro, el gobierno de México vertió sobre los pueblos
todo el rigor de la economia de mercado en um setor. [...] Como lo
ha declarado el historiador Lorenzo Meyer en distintas entrevistas,
esta reforma en las que la propiedad de la tierra deja de pertenecer
al Estado y pasa a manos de particulares, fue decisiva para la
aprobación del Tratado de Libre Comercio por parte de Estados
Unidos”
Tabone, 2013: 154.
Em Pancho Villa, la revolución no ha terminado, a história oral e a memória coletiva também
foram o caminho escolhido para a representação imagética da experiência revolucionária de
Pancho Villa e dos villistas. Ex-combatentes, testemunhas oculares, filhos e filhas de Villa e
descendentes de combatentes da Divisão do Norte formam o conjunto de narradores e
narradoras que compõem a representação histórica da revolução villista e a atuação decisiva do
mesmo durante os anos de conflito, sobretudo em relação às questões de natureza estrangeiras.
O documentário destaca os feitos de Villa e dos que o seguiram em batalhas e projetos na região
Norte do México. É pelo prisma destas testemunhas que o documentário apresenta a imagem
de um sentimento coletivo de que a revolução villista foi um grande triunfo dos camponeses
pobres em resistência aos grandes proprietários de terras e, que o levante armado, iniciado em
1910, não foi concluído e ainda está em curso.
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Em Los Últimos Zapatistas e em Pancho Villa, relatos e recordações descrevem situações que,
possivelmente, pouco saberíamos através da educação histórica oficial. Assim, quero a seguir,
apresentar alguns dos relatos que descrevem a revolução vista por homens e mulheres alinhados
ao pensamento de reformas sociais zapatista e villista. Aqui, a palavra revolução com “r”
minúsculo é utilizada para diferenciar da versão institucionalizada. Assim, quero ressaltar três
pontos que percorre os dois documentários: o imaginário coletivo sobre a natureza humana e
mítica dos líderes insurgentes Emiliano Zapata e Pancho Villa; os horrores da guerra praticados
por ambos os lados, revolucionários e contrarrevolucionários (forças do governo) e o
sentimento em relação aos resultados do conflito e suas consequências ainda hodiernas na
transição do século passado para este século. Para cumprir o objetivo, tratarei dos dois
documentários concomitantemente, intercalando quando necessário.
Em Los Últimos Zapatistas, o Coronel Emeterio Pantaleón conta como sua a adesão ao
zapatismo foi involuntária. Pantaleón conta que foi contra a sua vontade levado pelo próprio
Emiliano Zapata quando ele estava em uma localidade chamada La Lluvia levando o gado para
beber água. No encontro com Zapata, este lhe prometeu recuperar o que deles foram roubados,
seguindo os ideais de Otílio Montaño
2
. Contudo, a promessa de recuperar a terra, a água e a
justiça são para as gerações futuras, pois quem acompanhasse Zapata nessa luta, morreria por
uma causa justa, afirmou Emiliano. Pantaleón, sentado e envolvido por produtos da terra, conta
sua história mesclando relatos de violência, o caso do seu sequestro, com a natureza da causa e
a necessidade de juntar forças com os revolucionários.
Outro relato de jovens “capturados” para se unirem ao Exército Libertador do Sul vem do
capitão zapatista Baldomero Blanquet. Baldomero detalha como sua mãe, temendo a ação do
governo sobre Morelos, quase sempre muito violentas, forçou ele e seu irmão a se juntarem a
Zapata e aos zapatistas. Blanquet, que conta:
- Mi mamá llorando nos dijo a mí y a mi hermano, yo de 14 y el de 13
años: - Hijos ahí viene el gobierno echando leva! Si se los lleva, jamás
los veo.
Aquí si quiera sé donde andan donde caen. Yo no muy queria pero mi
Hermano dijo: - Vámonos manito! y nos fuimos. Esa fu ela causa, ella
nos mandó a la Revolución; porque el gobierno echaba leva... y las
madres quedaban llorando. El gobierno queria que Morelos cayera,
que ya no tuviera gente Zapata, que el pueblo se fuera acabando. A eso
se debió la leva”.
Los últimos zapatista héroes olvidados, 2001.
2
Coautor do Plan de Ayala.
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As forças do governo aterrorizavam a população camponesa que sobrevivia com medo
constante. Os militares do governo invadiam as casas arrebentando portas e por isso, as mesmas,
possuíam paredes falsas para se esconderem dos ataques. Às vezes, as mães escondiam os filhos
dentro de colchões velhos, como descreve a veterana Dionisia. Quando não havia forma de se
esconder em suas próprias habitações, escapavam, do encontro fatal com o governo,
escondendo-se no campo entre a plantação, já alta, de feijão. Para sobreviverem escondidos no
campo e não padecerem de fome, tiveram que comer animais silvestres, da forma como podiam.
Dionisia conta que muitas famílias temendo a violência fugiram, já outras, alistaram às forças
revolucionárias de Zapata. Ademais dos relatos acima que contam como jovens e suas famílias
sofriam o terror da presença iminente das forças do governo entre os zapatistas e como foram
forçados (sequestrado, no caso já mencionado do Coronel Emeterio Pantaleón) a seguir em luta
com o Exército Libertador do Sul, Zapata é visto como o líder que surge como homem do
campo, comprometido com as necessidades daqueles quem vive no campo, como terra, água,
liberdade, justiça, lei, distribuição de terras.
Zapata não desprezava e não tratava mal os camponeses. “Não prejudicavam”. É descrito como
um homem moralmente muito bom, muito amável, sereno e muito calado. Gostava de touros,
galos e mulheres. “Era mulherengo”, mas não violavam as mulheres. Após esse relato descrito
por um narrador homem, Tabone ordena a sequência de imagens e, a seguinte, é da senhora
Constancia Reyes que, filmada desde abajo, uma técnica de filmagem que eleva a pessoa
capturada pela câmera, responde que “os zapatistas não faziam nada, não prejudicava”,
diferente do governo. Nesse ponto, o cineasta, em uma de suas poucas intervenções, pergunta
à Constancia Reyes sobre o governo e ela responde: “o governo é o governo”. Sua repetição
rápida da palavra governo, revela o potencial para a barbárie exercida pelos soldados do
governo.
Imagem 1. Coronel Emeterio Pantaleón em
Los Últimos Zapatistas Héroes Olvidados
(2001)
Imagem 2. Capitão Baldomero Blanquet
em Los Últimos Zapatistas Héroes
Olvidados (2001)
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HISTÓRIA DA REVOLUÇÃO MEXICANA.
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Zapata foi morto em uma emboscada preparada para ele na hacienda Chinameca, Morelos, em
10 de abril de 1909. A execução foi organizada por soldados constitucionalistas que seguiam
ordens de Venustiano Carranza. Após a morte de Zapata, inevitavelmente nasce o mito. No
imaginário coletivo versões distintas sobre a morte, ou para onde fugiu ou foi levado Zapata,
que vão desde a negação confiante no fato de que Zapata não morreu, à fuga para Arábia ou
para Itália. Entre aqueles que afirmam que Zapata morreu na emboscada na fazenda Chinameca,
há o relato de que Zapata não morreu porque quem morreu em seu lugar foi seu compadre; que
foi para Arábia e lá teve dois filhos; e outro relato que diz que Zapata foi levado por italianos.
Aqui os depoentes revelam a forte presença do Caudillo del Sur, ainda que sua manifestação
física tenha deixado de existir em abril de 1909. Há, para aqueles que não reconhecem o evento
em Chinameca, a imagem onipresente de uma luta atemporal que se manifesta na imortalidade
do mito.
Emiliano Zapata morto ou não, representa para os zapatistas entrevistados uma força política e
social atemporal. O sentimento de traição e injustiça é reclamado por don Manuel Carranza. Já
o veterano Audiaz Anzurez Soto reclama sobre o que lhes serviu a revolução que fez Zapata e,
na sequência, afirma que não lhes serviu de nada. Em seguida faz denúncias afirmando que vive
mais injustiças do que no tempo da inquisição dos gachupines. O tenente Galo Pacheco
completa o relato de Soto e diz que serviu se referindo aos questionamentos de Soto sobre de
nada lhes serviu a revolução de Zapata mas foi abolida pelos novos traidores. Os novos
traidores aqui são os governos local e nacional das décadas de 1990 e 2000. Por isso, completa
Pacheco, reina a injustiça, a ambição, a tirania e a opressão. Para os narradores citados acima,
as ideias de Tierra y Libertad, Justicia y Lei, oficializadas no Plan de Ayala pela luta zapatista,
um sentimento maior de frustração e de traição do que de consolidação das justiças sociais
pelas quais lutaram.
Imagem 3. Soldadera Dona Dionisia
em Los Últimos Zapatistas Héroes
Olvidados (2001)
Imagem 4. Soldadera Constancia
Reyes, viúva de Neri em Los Últimos
Zapatistas Héroes Olvidados (2001)
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HISTÓRIA DA REVOLUÇÃO MEXICANA.
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É por isso que, diante do contexto de novas traições, Galo Pacheco, empunhando sua arma de
guerra, observa que a violência é que mudará para uma nova era. Sua advertência se explica
pelo fato de apenas com o diálogo, em seu caso nem isso ocorreu segundo seu testemunho, não
é o suficiente. Nesse ponto, após o cineasta intercalar imagens de Carlos Salinas discursando
sobre uma reforma da Revolução Mexicana invocando os nomes de Juárez e Zapata, com os
veteranos diante de uma pequena plateia denunciando o governo, entramos na última parte da
terceira e última parte do documentário, “El Pueblo en Armas”. Nesse momento, há o histórico
encontro entre os veteranos zapatistas de Morelos com o Exército Zapatista de Libertação
Nacional (EZLN) em Chiapas, México. A pequena, mas significativa participação de membros
do EZLN estabelece conexão com os relatos e sentimentos dos veteranos zapatistas que
invocam mais uma vez o espectro de Zapata em resposta ao contexto histórico do México em
processo de adesão às práticas globalizantes, políticas e econômicas do recém-criado Tratado
de Livre Comércio da América do Norte (TLCAN).
O relato do Capitão Don Manuel Carranza Corona (1898-1999), Último Capitan del Ejército
Libertador del Sur”, foi, lamentavelmente, interrompido pelo seu falecimento durante as
gravações impedindo-o de constar suas experiências revolucionárias. Contudo, o pequeno
registro revela um sentimento de tristeza profunda com os resultados da Revolução Mexicana.
Trago na íntegra suas palavras: no se ha cumplido nada... Seguimos igual, todavia... Seguimos
igual... Vamos mal con este gobierno” (Los Últimos Zapatistas, Héroes Olvidados).
Imagem 5. Capitão Manuel Carranza
Corona em Los Últimos Zapatistas
Héroes Olvidados (2001)
Imagem 6. Tenente Galo Pacheco Valle
em Los Últimos Zapatistas Héroes
Olvidados (2001)
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HISTÓRIA DA REVOLUÇÃO MEXICANA.
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Em Los Últimos Zapatistas, os ideais de justiça social foram traídos e, no contexto da transição
do século, as velhas ameaças internas mascaradas de novas, são as causas para a continuidade
pela consolidação da revolução zapatista. Não muito diferente, os relatos obtidos em Pancho
Villa revelam as proximidades entre zapatistas e villistas em relação a Revolução, Zapata e
Villa e os resultados do conflito.
Pancho Villa, la Revolución no ha Terminado, apresenta Villa e o villismo como uma força
revolucionária também atemporal que dos muitos atos revolucionários que merecem destaque,
a guerra travada entre villistas e soldados estadunidenses, após Villa invadir o pequeno povoado
de Columbus, Novo México, em 09 de março de 1916, configura o villismo, como uma força
revolucionária que lutou, também, contra as injustiças internas e sobre aquelas advindas para
além das fronteiras mexicanas. As primeiras imagens do documentário, são tomadas no deserto
atravessado pela fronteira entre Estados Unidos e México.
Assim como em Los Últimos Zapatistas, os veteranos e veteranas villistas relatam experiências
que descrevem histórias de violências praticadas durante os anos de conflito. É sabido que
muitos camponeses ingressaram na insurgência por livre e espontânea vontade. Contudo,
muitos foram levados para a batalha contra o próprio desejo. Foram sequestrados de suas
famílias e lugares. Dos casos de homens e mulheres raptados, conhecemos o de último coronel
da Divisão do Norte, Alejandro Rodríguez Medina, entrevistado no Asilo Bocado del Pueblo,
em Chihuahua. Medina diz que Villa o recrutou para a Revolução, porém ele não desejou ir
pois não sabia nada sobre guerra, como também não sabia manusear uma arma. Villa prometeu
que ele aprenderia. “Ele me levou à força”, afirmou Medina.
Outro caso de adesão involuntária é descrito por Guadalupe Villa Quezada, filha de Pancho
Villa com Aurelia Severina Quezada Romero, conhecida por Charrita”. Quezada nasceu em
Parral, Chihuahua em 12 de dezembro de 1915. Sua mãe, uma adelita, que vivia em Nonoaba,
Chihuahua, foi levada por Villa durante a noite contra sua vontade. Sobre meninas e mulheres
raptadas por Villa para serem suas esposas, Juana María Villa Torres, filha de Pancho Villa e
Juana Torres. Torres conta que sua mãe, quando foi raptada de sua família, tinha apenas 15 anos
de idade. Villa a conheceu na loja de tecidos e uniformes militares de seu pai. Pediu a mão da
garota ao seu pai, porém ele não permitiu. Ameaçou sequestrá-la. Casou com ela quando ainda
tinha apenas 15 anos. Ela morreu 3 anos depois de infarto e foi sepultada em uma vala comum.
“Dizem que ele maltratou sua mãe e que ela não o amava”, afirma Torres.
O relato de Esther Andrade García, entrevistada em Delicias, Chihuahua, expõe sua dupla
tragédia familiar com a Revolução Mexicana. Conta que os orozquistas
3
, levaram sua irmã
chamada Ruperta. “Muitas jovens foram levadas embora”, afirma García. Após o acontecido,
sua mãe sofreu muito chegando ao ponto de deixar de comer, tamanho a dor por saber que a
filha andava na Revolução. García mostra a espada que pertenceu ao seu esposo, Isabel. Isabel
foi para a Revolução junto com Villa. Chegaram para roubar seu cavalo e ele disse que se
3
Partidarios de Pascual Orozco Vázquez.
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HISTÓRIA DA REVOLUÇÃO MEXICANA.
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levassem o cavalo ele iria junto. Assim, andou com Villa na Revolução. O relato de Esther
Andrade García revela seus múltiplos sentimentos. Mesmo que seu esposo a tenha deixado na
ruína, sem nada, ela o perdoa e a Villa também, pois acredita que ambos fizeram o bem para o
México, mesmo, repito, deixando-a em ruínas.
Villa foi um benfeitor e possuía interesse pela educação. María Esther Gutiérrez Nieto, veterana
da Revolução Mexicana, conta que Villa se ofereceu para pagar pelos gastos com sua educação
escolar quando era criança, e cumpriu, diz María Esther. Passado o período mais intenso da
Revolução, Villa, a partir de 1920 dedicou-se à fazenda Canutillo, Durango. Construiu e
reconstruiu casas, levantou uma escola e trouxe professores para alfabetizar e educar as crianças
e famílias. Anacleto Rentería Díaz, ex-aluno da escola construída por Villa em Canutillo,
mostra as ruínas da escola, a sala de aula que estudava e enfatiza a importância do projeto de
educação para o campo e de Villa para a educação e a construção de um México melhor.
Villa foi morto em uma emboscada armada para ele em 20 de junho de 1923 em Parral,
Chihuahua. Ele tinha 45 anos. Villa é lembrado como o mexicano que defendeu os mexicanos
até da exploração dos estrangeiros; fez bem ao México, disse Esther Andrade García,
interrogada pelo cineasta sobre se Villa havia feito mal ou bem para o México e os mexicanos,
em uma das poucas intervenções em voz off. Para Bernarda Corona González, que guarda com
muito apreço e proteção uma pequena estátua de Villa, “Pancho Villa foi um bom homem”.
Para Guadalupe Villa Quezada, filha de Pancho Villa, “se Villa estivesse vivo, ou ressuscitasse,
o México teria futuro e deixaria de andar para trás, ajudaria os pobres”. Julián López Macías
Imagem 8. Esther Andrade García
em Pancho Villa: La Revolución no
ha Terminado (2006
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HISTÓRIA DA REVOLUÇÃO MEXICANA.
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diz: “para que melhore o México, Villa necessita ressuscitar, pois hoje, o México necessita de
Villa mais do que nunca” (Pancho Villa: La Revolución no há Terminado, 2006).
O México necessita de Villa mais do que nunca, ouvimos Julián López Macías falar. Julián
ainda ressalta que “a falta de conhecimento de nossa história, permite que nossos governantes
se aproveitem de nós, igual como ocorreu quando os espanhois invadiram o México” (Pancho
Villa: La Revolución no Terminado, 2006). Enquanto Macías descreve essa realidade,
Tabone soma à narrativa dos veteranos villistas um conjunto de imagens dos protestos de
camponeses e de povos indígenas no México nos anos 1990, invocando frases como: viva Villa!
Viva Zapata!, queimando bandeiras dos EUA, contra o governo da época, de Carlos Salinas,
seguisse atendendo aos interesses dos estrangeiros, no caso, os EUA.
Nos documentários, Zapata representa a luta interna contra as injustiças e a tirania, Villa e sua
luta, representa a resistência contra os domínios estrangeiros sobre as terras, águas e recursos
do povo mexicano. Assim como para os zapatistas, para os Villistas, as decisões do governo
Salinas de adesão ao TLCAN, traem os ideais de Zapata e Villa e conduz o México à condição
de colônia afetando, sobretudo os camponeses e os povos indígenas. Ernesto Nava, diante da
estátua de Villa, seu pai, afirma que não foi em vão e acredita em um futuro melhor e livre para
o México. “A luta de meu pai não terminou e não terminará”, frase que acompanha o título do
documentário, aparece nas palavras de Navas. Continua afirmando que as “pessoas estão
começando a entender e acreditar que as coisas podem mudar e vão mudar” (Pancho Villa: La
Revolución no há Terminado, 2006).
Considerações finais
Imagem 9. Julián López Macías em
Pancho Villa: La Revolución no há
Terminado (2006)
Imagem 10. Guadalupe Villa Quezada
em Pancho Villa: La Revolución no há
Terminado (2006)
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HISTÓRIA DA REVOLUÇÃO MEXICANA.
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Recorrendo a narrativa imagética documental, Tabone desvela histórias de homens e mulheres
cujas vidas foram profundamente transformadas pela Revolução Mexicana. São histórias que
revelam experiências e expectativas por uma realidade social justa que reclamaram nos tempos
da guerra no século passado e reivindicam seu lugar na história da revolução de seu país diante
dos acontecimentos históricos da primeira década deste século. Assim, os documentários
questionam a história constitucionalizada da Revolução Mexicana e fornecem elementos para
uma educação histórica compreendida por zapatistas e villistas. Dessa forma, ao perscrutar a
tradição oral, os documentários produzem imagens que educam. Isso ocorre em razão do
conteúdo sobre o passado revolucionário mexicano exposto que exige seu lugar junto à
historiografia oficial homogênea. Com o cinema documental é possível aprender e ensinar de
forma crítica sobre a história da Revolução Mexicana, e das revoluções mexicanas. A educação
guiada pelo conhecimento histórico, possível através do documentário, permite o
desenvolvimento do ensino e do aprendizado crítico sobre o passado e o presente.
Los últimos zapatistas, héroes olvidados e Pancho Villa, la revolución no ha terminado ao tecer
um diálogo crítico com o passado revolucionário, revelam experiências e, expõem, também, as
inquietações políticas, econômicas e sociais históricas experienciados no cenário político,
econômico e social da primeira década do século 21. Os documentários percorrem espaços de
lembranças e de esquecimentos ao mostrar que a revolução ainda está em curso e ameaçada de
avançar, de trilhar seu curso. Os documentários de Francesco Taboada Tabone, na senda de
Fernando de Fuentes, trazem, através do audiovisual, o passado vivenciado e o presente
revolucionário de zapatistas e villistas em resistência para o centro da reflexão crítica,
proporcionando compreensões ao conhecimento histórico.
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Filmografia
Los últimos zapatistas, Héroes Olvidados. Direção: Francesco Taboada Tabone. Produção:
Universidad Autónoma del Estado de Morelos, Francesco Taboada, Sarah Perrig, Manuel
Peñafiel e Fondo Estatal para la Cultura y las Artes de Morelos. Roteiro original: Francesco
Taboada Tabone. Música Original de Ángel Mosqueda e Jesús Baez (Zoé). Corridos: Don
Francisco Olea. Fotografia: Manuel Peñafiel. Câmera: Fidel Avilés e Francesco Taboada.
Desenho de Arte: Sarah Perrig. Edição: Francesco Taboada Tabone e Sarah Perrig. Investigação
de Francesco Taboada Tabone e Aldo Tabone. Participam os veteranos do lendário Exército
Libertador do Sul e membros do EZLN. México, 2001. 1 DVD (70 min), son., color.
Pancho Villa, La Revolución no ha terminado. Direção: Francesco Taboada Tabone. Produção:
Manuel Peñafiel, com o apoio do Fondo Nacional Para la Cultura y las Artes e do Fondo Estatal
Para la Cultura y las Artes de Morelos. Roteiro: Francesco Taboada Tabone. sica Original:
Maximino Chávez “El gatillero de Durango”. Diretor de Fotografia: Manuel Peñafiel. Câmera:
Francesco Taboada Tabone e Manuel Peñafiel. Assistente de Edição: Aldo Jiménez Tabone.
Assistente de Produção: Irma García Pérez. Assistente de pós-produção: Fernanda Robinson.
Edição: Francesco Taboada Tabone. Investigação de Francesco Taboada Tabone. México,
2006. 1 DVD (95 min), son., color.
Robson Nunes da Silva
O CINEMA DOCUMENTAL E AS POSSIBILIDADES DE REPRESENTAÇÃO E ENSINO DA
HISTÓRIA DA REVOLUÇÃO MEXICANA.
185
Ms. Robson Nunes da Silva
Doutorando em História pela Universidade Federal de Goiás. Aprovado em Programa de
Doutorado Sanduíche no México/2024. Mestre em História pela Universidade de Brasília
(2012). Áreas de interesse: história e cinema, história e memória, Revolução Mexicana.
Membro do Grupo de Estudos de História e Imagem (GEHIM).