Carla E. Rodrigues
O VÍDEO-ENSAIO COMO FERRAMENTA DE FORMAÇÃO DO ATOR
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O VÍDEO-ENSAIO COMO FERRAMENTA DE FORMAÇÃO DO ATOR
EL VIDEO-ENSAYO COMO HERRAMIENTA DE FORMACIÓN DEL ACTOR
THE VIDEO ESSAY AS A TOOL FOR ACTOR TRAINING**
Carla E.Rodrigues
1
PPGARTES - UNESPAR
carla.elisabete70@gmail.com
Resumo
Este artigo parte da investigação sobre o uso do vídeo-ensaio como recurso pedagógico nos
processos de formação do ator. A partir da gravação e análise de ensaios teatrais, busca-se
ampliar a propriocepção cênica, vocal e expressiva dos estudantes. Fundamentado em
metodologias tradicionais e contemporâneas de treinamento do ator - desenvolvidas por
Constantin Stanislavski, Sanford Meisner, Jacques Lecoq, Augusto Boal e Jerzy Grotowski,
entre outros -, o estudo propõe o uso do audiovisual como instrumento de autoavaliação crítica
e aprimoramento técnico. A pesquisa tem como base experiências empíricas realizadas em
cursos livres de formação de atores, investigando a interseção entre teatro e audiovisual na
educação artística contemporânea.
Palavras-chave: formação de atores; vídeo-ensaio; teatro; audiovisual; metodologia de ensino.
Resumen
Este artículo parte de una investigación sobre el uso del videoensayo como recurso pedagógico
en los procesos de formación del actor. A través de la grabación y el análisis de ensayos teatrales,
se busca ampliar la propiocepción escénica, vocal y expresiva de los estudiantes. Fundamentado
en metodologías tradicionales y contemporáneas de entrenamiento actoral desarrolladas por
ConstantinStanislavski, SanfordMeisner, Jacques Lecoq, Augusto Boal y JerzyGrotowski,
entre otros , el estudio propone el uso de lo audiovisual como herramienta de autoevaluación
crítica y perfeccionamiento técnico. La investigación se basa en experiencias empíricas
realizadas en cursos libres de formación de actores, explorando la intersección entre el teatro y
lo audiovisual en la educación artística contemporánea.
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Atriz. Diretora de teatro. Bacharel em Artes Cênicas pela UNESPAR. Mestranda do Programa de s-Graduação
Mestrado Profissional em Artes (UNESPAR). Brasil.
Carla E. Rodrigues
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Palabras clave: formación actoral; videoensayo; teatro; audiovisual; metodología de enseñanza.
Abstract
This article stems from an investigation into the use of the video essay as a pedagogical tool in
actor training processes. Through the recording and analysis of theatrical rehearsals, the aim is
to enhance students’ scenic, vocal, and expressive proprioception. Grounded in both traditional
and contemporary actor training methodologies developed by Constantin Stanislavski,
Sanford Meisner, Jacques Lecoq, Augusto Boal, Jerzy Grotowski, among others the study
proposes the use of audiovisual media as an instrument for critical self-assessment and technical
improvement. The research is based on empirical experiences conducted in non-degree acting
courses, exploring the intersection between theater and audiovisual media in contemporary arts
education.
Keywords: actor training; video essay; theater; audiovisual; teaching methodology.
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Introdução
Qual é o impacto da tecnologia na formação poético-estética de estudantes de teatro? A partir
da prática de registrar em vídeo os ensaios e com a observação empíricade seus corpos em
movimento, os estudantes desenvolveram mais propriocepção enquanto se viam de fora,
assistindo a esses vídeos. Assim, surgiu o vídeo-ensaio.
Este artigo faz parte do memorial artístico-crítico-reflexivo desenvolvido para o curso de Pós-
Graduação Mestrado Profissional em Artes, da Universidade Estadual do Paraná: ‘O processo
criativo na formação do ator e o vídeo-ensaio’ no qual se investiga de que maneira a gravação
de ensaios pode contribuir para o aprimoramento técnico e expressivo dos atores em formação,
dialogando com metodologias tradicionais e contemporâneas de ensino teatral.
Neste sentido, a tecnologia das câmeras embutidas nos smartphones
2
pode contribuir
significativamente para com a experimentação estética e o desenvolvimento expressivo de
atores em formação.A investigação proposta busca desenvolver uma metodologia, aqui
nomeada de‘vídeo-ensaio’, como dispositivo pedagógico para o treinamento de atores,
explorando a intersecção entre o teatro e o audiovisual.
O processo de aprendizagem de atores - seja em um curso livre ou acadêmico - desperta a
percepção sobre a amplitude da linguagem cênica
3
e quais competências e habilidades técnicas
devem ser desenvolvidas para que, além de sua intuição artística, a elaboração mental unida à
consciência corporal possibilite que razão e sensibilidade trabalhem sinergicamente. Para tanto,
exige-se uma abordagem que integre competências técnicas, corporais, vocais e expressivas.
Com o avanço das tecnologias audiovisuais, novas possibilidades pedagógicas surgem,
permitindo que estudantes registrem e analisem suas próprias práticas. Neste contexto, o vídeo-
ensaio emerge como ferramenta eficaz de desenvolvimento da autoconsciência cênica.
Considerando ainda, o contexto do Sul Global, onde o acesso a tecnologias sofisticadas ainda
é desigual, o uso de recursos audiovisuais relativamente mais acessíveis, como as gravações
realizadas com smartphones, revela-se uma estratégia democrática de formação artística. Ao
permitir que estudantes registrem e analisem seus próprios processos de criação, o vídeo-ensaio
contribui para o fortalecimento de práticas autônomas e críticas, essenciais para a consolidação
de identidades culturais plurais.
2
O Brasil tem cerca de 1,2 smartphone para cada habitante e um total de 258 milhões de aparelhos em uso, segundo
dados levantados em maio de 2024. Fonte: 35ª Edição da Pesquisa do Uso da TI, conduzida pela FGV.
3
“No teatro, a linguagem nica se constitui por intermédio de processos de comunicação interdisciplinares, como
também por uma multiplicidade de signos e significados, uns mais legitimados do que outros, em determinados
contextos histórico-culturais.” (Teixeira.et al.,2015:118).
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Fundamentação teórica:
Autores como Arlindo Machado e Philippe Dubois destacam o papel do vídeo como ferramenta
de análise e construção de narrativas contemporâneas, enquanto Stuart Hall e Augusto Boal
enfatizam a importância da autonomia crítica e da identidade cultural na formação artística.
Nesse contexto, o vídeo-ensaio emerge não apenas como recurso pedagógico no processo de
formação do ator, mas também como um reflexo crítico e um meio de catalisar a identidade
artística, estabelecendo um diálogo com os conceitos propostos por esses autores, além de se
alinhar aos ensinamentos de Paulo Freire e Constantin Stanislavski.
Embora os autores mencionados não se refiram diretamente ao vídeo-ensaio, suas ideias
oferecem direções e conexões que enriquecem a presente pesquisa.
Vamos explorar essas relações:
Arlindo Machado considera a videoarte como“a primeira forma de expressão no universo das
imagens técnicas, capaz de criar uma iconografia resolutamente contemporânea”(Machado,
1997:231). A partir dessa perspectiva, é plausível que comunidades marginalizadas utilizem o
meio audiovisual como uma ferramenta para construir suas próprias narrativas, desafiando as
representações dominantes e propondo novas formas de visibilidade.
A arte desempenha um papel central na consolidação da identidade cultural de umacoletividade,
especialmente em contextos como o do Brasil, onde as desigualdades históricas e os processos
coloniais ainda impactam as representações culturais. Nesse cenário, as práticas artísticas
assumem uma função de rebeldia, criando narrativas que reinterpretam a história e dão voz a
subjetividades marginalizadas.
Philippe Dubois afirma que “o vídeo se apresenta como uma imagem que pensa outras imagens”
(Dubois, 2004:45), ressaltando o potencial do vídeo como ferramenta crítica e reflexiva na
construção de discursos culturais alternativos. Esse conceito reforça a ideia de que o vídeo-
ensaio pode servir como um instrumento de análise crítica na formação do ator, incentivando
uma reflexão mais profunda sobre as práticas cênicas e seus contextos socioculturais.
A formação do ator contemporâneo exige mais do que a simples aquisição de técnicas
tradicionais de atuação. É fundamental que o ator desenvolva a capacidade de refletir
criticamente sobre sua prática. Nesse contexto, o vídeo-ensaio surge como uma abordagem
pedagógica que permite ao ator aprimorar sua consciência cênica e seu desempenho, facilitando
a autoavaliação e o aprimoramento contínuo.
Stuart Hall argumenta que a identidade cultural é um processo em constante transformação,
moldado pelas condições históricas e sociais. A gravação de ensaios oferece ao ator uma
oportunidade única de refletir sobre sua identidade cênica, conectando-a com uma rede mais
ampla de influências culturais e sociais. “A identidade cultural não é algo fixo, mas um
posicionamento que está sempre em movimento e em construção” (Hall, 2006:67).
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Assim, o registro audiovisual por meio do vídeo-ensaio se torna um recurso valioso, permitindo
que o ator acompanhe seu desenvolvimento e identifique as influências culturais e artísticas que
contribuem para a formação de sua identidade artística.
Augusto Boal sugere que o espectador deve assumir um papel ativo em sua própria mudança,
o que é igualmente relevante para o ator em treinamento. Ao assistir as gravações de seus
ensaios, o ator passa a ser um “espectador de sua própria atuação”, reconhecendo padrões,
falhas e habilidades que podem ser aprimoradas.Em O Teatro do Oprimido, Boal afirma: “O
Teatro do Oprimido quer que o espectador assuma o papel do protagonista, que crie e ensaie
alternativas para transformar sua realidade” (Boal, 1974:120).
Ao tornar-se espectador de si mesmo durante o processo de aprendizado e treinamento, o ator
é estimulado a desenvolver autocrítica e autonomia em suas escolhas estético-poéticas.Essa
perspectiva valoriza a independência do intérprete, permitindo-lhe assumir um papel ativo no
processo criativo, por meio da reflexão crítica sobre sua própria atuação. O vídeo-ensaio, nesse
contexto, fortalece a autonomia interpretativa ao possibilitar que o ator observe, analise e
reelabore suas escolhas cênicas, tornando-se coautor consciente de seu próprio percurso
formativo.
Sobre a arte de ensinar, Paulo Freire afirma: “Ensinar não é transferir conhecimento, mas criar
as possibilidades para a sua própria produção ou a sua construção” (Freire, 1996:21).
Ao propor uma abordagem educacional dialógica, Freire destaca a importância da análise crítica
das ações como caminho para a autonomia e a libertação do indivíduo.Nesse sentido, a
utilização do vídeo-ensaio na formação do ator oferece a possibilidade de observar suas próprias
atuações com distanciamento crítico, promovendo um intercâmbio entre a realização da cena e
sua posterior interpretação reflexiva. A análise desse material permite ao estudante
compreender, de forma crítica, suas expressões corporais, vocais e emocionais, contribuindo
para o aprimoramento técnico e o enriquecimento de seu repertório interpretativo.A criação
da vida física equivale à metade do trabalho desenvolvido na criação de um papel, pois este
último tem, como nós, duas naturezas: uma física e outra espiritual” (Stanislavski, 1997:3).
Constantin Stanislavski destaca a importância de o ator desenvolver consciência sobre suas
ações e emoções em cena por meio da autoanálise e do domínio progressivo do processo
criativo. Ao defender que o intérprete deve ser capaz de se ver e ouvir durante a atuação, o autor
propõe que a construção da cena parta da fisicalidade, de modo que ação e emoção estejam
intrinsecamente conectadas.
Ao integrar novas abordagens a metodologias tradicionais de formação, é possível investigar
estilos interpretativos diversos que favoreçam o desenvolvimento técnico e o fortalecimento da
identidade cultural do ator.
2.1 Formação do ator - perspectivas metodológicas:
Diversos mestres da formação do ator contribuíram para a compreensão da importância da
observação prática e da construção consciente da cena. Constantin Stanislavski, por exemplo,
desenvolveu o chamado “método das ações físicas”, no qual “o ponto principal não está nelas
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mesmas, enquanto tais, e sim no que elas evocam: condições, circunstâncias propostas,
sentimentos” (Stanislavski, 1997:3). Nesse modelo, a emoção está diretamente ligada à ação
concreta, o que torna o vídeo-ensaio um recurso eficaz para avaliar a organicidade e a
intencionalidade das ações em cena.
Nesse escopo, destacam-se ainda os conceitos de “método das ações físicas” e “análise ativa”,
desenvolvidos nos últimos anos da trajetória de Stanislavski e posteriormente aprofundados por
sua discípula Maria Knebel. O método propõe que o processo interpretativo do ator se inicie a
partir da realização de ações físicas, servindo como etapa anterior a abordagens mais
psicológicas ou baseadas na memória afetiva. Essa perspectiva foi fundamental para tornar o
trabalho do ator mais espontâneo e integrado ao seu corpo.
A “análise ativa”, por sua vez, propõe que a compreensão do texto dramático se dê não apenas
por meio de leitura racional, mas pela improvisação e experimentação prática. Essa abordagem
permite ao ator descobrir as emoções e intenções do personagem de forma intuitiva,
promovendo um envolvimento mais dinâmico com a cena.
Outros pedagogos do teatro reforçam a relevância da observação e da escuta como fundamentos
da atuação. Sanford Meisner, por exemplo, enfatiza a escuta ativa e a resposta espontânea ao
parceiro de cena competências que podem ser aprimoradas com a análise das gravações dos
ensaios. Jacques Lecoq, ao destacar a fisicalidade poética do ator, aponta para a importância da
percepção corporal refinada, elemento que o vídeo-ensaio permite documentar e refletir.Jerzy
Grotowski, ao propor um teatro essencial, baseado na expressão corporal intensa e na
eliminação dos artifícios cênicos, também apresenta práticas cuja eficácia pode ser aprofundada
pela auto-observação audiovisual.
Por fim, Michael Chekhov introduz o conceito de “gesto psicológico”, cuja precisão simbólica
se revela de modo mais claro quando registrada em vídeo, permitindo ao ator analisar a
correspondência entre gesto, intenção e energia cênica.
Metodologia e prática:
O conceito de vídeo-ensaio remete a um espaço híbrido de criação, no qual as linguagens cênica
e audiovisual se entrelaçam e se retroalimentam. Essa articulação propicia ao ator uma
experiência formativa ampliada, ao favorecer processos de autoanálise e refinamento técnico-
estético a partir da observação de sua própria performance registrada em vídeo.
A presente pesquisa adotou uma abordagem de natureza exploratória e foi desenvolvida a partir
de experiências pedagógicas realizadas no curso livre do Teatro Barracão Encena, em
Curitiba/PR, entre os anos de 2022 e 2025. Durante esse período, os ensaios foram registrados
por meio de câmeras de smartphones, viabilizando aos estudantes o acesso facilitado ao
material audiovisual de suas próprias cenas.
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Os registros audiovisuais foram utilizados como instrumentos pedagógicos em atividades de
análise coletiva e individual, promovendo a observação crítica da prática e incentivando a
construção de uma consciência interpretativa mais apurada.
As sessões de análise ocorreram em três etapas complementares: (1) observação individual em
silêncio; (2) discussão coletiva mediada pela professora; e (3) autoavaliação orientada.
Por meio do registro audiovisual, o ator pode analisar seu próprio desempenho, ampliando sua
percepção sobre aspectos como presença cênica, uso do corpo e da voz, ritmo e composição
espacial.
A revisão das gravações permitiu aos estudantes:
- Observar a relação entre ação física e emoção (Stanislávski, 1997; Meisner, 1987);
- Identificar gestos e movimentos passíveis de refinamento (Chekhov, 2002; Lecoq, 1997;
Meyerhold, 1995);
- Analisar a projeção vocal e a fluidez na fala (Molik, 1985; Acuña, 2008; Babaya, 2010);
- Desenvolver escuta ativa e senso de timing cênico a partir da revisão de improvisações (Spolin,
1999; Johnstone, 1979; Boal, 1974).
Durante o período da pesquisa, observou-se que os estudantes que assistiram e analisaram seus
próprios registros apresentaram melhorias significativas na gestão do espaço cênico, na
projeção vocal e na clareza dos gestos.
Alunos que inicialmente mantinham uma postura corporal retraída conseguiram ampliar sua
expressividade após identificar esses bloqueios nas gravações.Da mesma forma, dificuldades
na articulação vocal e no ritmo das falas foram percebidas com maior nitidez, permitindo
intervenções mais precisas durante o processo de ensino-aprendizagem.
A prática do vídeo-ensaio favoreceu a construção de uma consciência crítica coletiva,
estimulando o debate entre os estudantes sobre soluções cênicas mais eficazes e estratégias de
atuação.Essa abordagem, ao proporcionar o registro e a revisão de performances, contribuiu
para o desenvolvimento de uma análise mais aprofundada sobre as escolhas artísticas dos
participantes, permitindo ajustes que antes poderiam passar despercebidos.
A relevância do estudo reside na necessidade de desenvolver metodologias de ensino que
integrem novas tecnologias e práticas artísticas contemporâneas, proporcionando aos
estudantes de teatro uma formação mais alinhada às transformações do meio artístico.
Como afirma Desgranges (2015:125),“O ensino do teatro precisa ser pensado em tensão com
as experiências artísticas de seu tempo, vinculando o processo de aprendizagem às realizações
cênicas contemporâneas”.A formação de atores exige uma abordagem multifacetada que
integra técnicas tradicionais com práticas contemporâneas. A inserção do vídeo-ensaio neste
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processo formativo possibilita a ampliação das perspectivas criativas dos estudantes,
promovendo a experimentação e a reflexão crítica, elementos essenciais para o
desenvolvimento de um intérprete que esteja em sintonia com as demandas do teatro
contemporâneo.
4. Como criar conexões entre as metodologias tradicionais para o treinamento do ator e a
utilização do vídeo-ensaio:
As práticas utilizadas em um curso voltado para a formação de atores giram em torno de
metodologias amplamente divulgadas e consagradas pelo tempo e também pela competência,
generosidade e afinco daqueles que as desenvolveram; o estudante passa então a ter contato
com técnicas tradicionais de ensino.
Sua formação poética e estética é baseada na experimentação prática e no acompanhamento de
processos de criação.São metodologias aplicadas para o desenvolvimento de competências
físicas, psicofísicas, expressivas, vocais e rítmicas que nesta pesquisa investiga sua aplicação e
potencialização pelo uso do vídeo-ensaio.
A seguir exemplificamos algumas possíveis aplicações do vídeo-ensaio no treinamento do
estudante/ator:
4.1. Técnicas baseadas na fisicalidade e psicologia do ator:
Através do vídeo-ensaio, o ator tem a oportunidade de analisar suas emoções e reações com
distanciamento, o que possibilita ajustes mais conscientes na construção do personagem.
Ao assistir à gravação de seu ensaio, que, nesta pesquisa, é denominado como vídeo-ensaio, o
estudante desenvolve uma percepção mais aguçada sobre sua escuta e reatividade, além de
perceber o quanto suas ações físicas estão coerentes com as emoções do personagem.
As técnicas de Sanford Meisner e Konstantin Stanislavski se conectam diretamente com essa
pesquisa ao reforçar a importância da presença nica e da escuta ativa, habilidades que podem
ser aprimoradas por meio da análise reflexiva proporcionada pelo vídeo-ensaio.
Segundo Stanislavski (1997), a ação física do ator deve ser genuinamente conectada às emoções
do personagem, e Meisner (1987) enfatiza que a escuta ativa e a capacidade de reagir de maneira
espontânea são essenciais para uma atuação autêntica.
Ambas as abordagens destacam a necessidade do ator de estar plenamente presente no momento
cênico, reagindo de forma autêntica e em sintonia com o contexto da cena. O vídeo-ensaio
facilita esse processo ao permitir que o ator observe suas próprias performances e ajuste sua
presença cênica e reatividade.
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4.2. Técnicas físicas e expressivas:
O vídeo-ensaio possibilita ao estudante observar detalhes do movimento, gestos e
expressividade corporal que podem passar despercebidos durante o ensaio.
Em métodos como os de Lecoq (1997) e Meyerhold (1995), que enfatizam o corpo, o vídeo-
ensaio facilita a percepção de ritmo, fluidez e bloqueios físicos que podem ser ajustados.
Michael Chekhov (2002) explorou o gesto psicológico do ator, utilizando imaginação,
incorporação de imagens e gestos expressivos para acessar estados emocionais e energéticos.
O vídeo-ensaio pode auxiliar na análise gestual, permitindo que o ator refine a intenção e a
clareza de seus movimentos.
Jacques Lecoq (1997) enfatizava a relação entre o corpo e o espaço, com foco no jogo, na
máscara e na mímica. A gravação dos ensaios possibilita ao ator observar a fluidez do
movimento, o ritmo e os bloqueios físicos, aprimorando sua fisicalidade e consciência espacial.
Vsevolod Meyerhold (1995), com a biomecânica, destacava a precisão e a expressividade dos
gestos, buscando um treinamento físico rigoroso. O vídeo-ensaio serve como um instrumento
para capturar a dinâmica corporal, permitindo ao ator perceber a exatidão e a eficiência de seus
movimentos.
Jerzy Grotowski (1968), ao reduzir o teatro ao essencial, propôs um ator fisicamente disponível
e expressivo, explorando o corpo como principal meio de comunicação. O vídeo-ensaio
possibilita a observação detalhada da organicidade e da energia corporal, auxiliando na
lapidação do trabalho físico.
Ao longo dos encontros, observou-se que os estudantes mais engajados no processo de análise
do vídeo-ensaio demonstraram avanços significativos na consciência corporal, controle vocal e
precisão interpretativa.
A possibilidade de analisar sistematicamente sua atuação durante os ensaios favoreceu a
transição de um “ator intuitivo” para um “ator reflexivo”, capaz de realizar escolhas expressivas
de forma consciente.
4.3. Técnicas vocais e de ritmo:
O vídeo-ensaio emerge como um recurso valioso na análise de aspectos vocais como projeção,
dicção, prosódia e ritmo.
Esse processo possibilita ao estudante identificar áreas de melhoria na fala e observar as
variações nos registros vocais ao longo do tempo.
Zygmunt Molik (2012), integrante do Teatro Laboratório de Grotowski, desenvolveu um
método de trabalho vocal focado na ressonância e na liberação do som a partir do corpo.Através
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do vídeo-ensaio, é possível analisar como a voz se projeta no espaço, assim como as tensões
físicas que influenciam sua qualidade.
EudósiaAcuña (2008), fonoaudióloga especializada em voz cênica, enfatizava a importância da
clareza na articulação e da prosódia para o trabalho do ator. Gravações possibilitam a
comparação de registros vocais, permitindo a identificação de avanços na dicção e na fluidez
do discurso cênico.
Babaya Morais (2020), renomada preparadora vocal brasileira, destaca o canto falado e a
interpretação musical como formas de expressividade do ator.Ao utilizar o vídeo-ensaio, o
estudante pode observar a relação entre emoção e vocalização, refinando a naturalidade de seu
trabalho.
O sistema Viewpoints, desenvolvido por Anne Bogart e Tina Landau (2017), integra a voz
como um dos elementos fundamentais da cena. A gravação de ensaios facilita a percepção de
ritmos vocais, variações de intensidade e pausas, além de evidenciar a interação da voz com os
demais elementos do espaço cênico.
4.4. Improvisação e jogo teatral:
A gravação das improvisações oferece ao ator a oportunidade de refletir sobre os momentos
mais eficazes e as reações mais espontâneas e autênticas.Esse processo contribui para a
construção da escuta ativa e a percepção da dinâmica da cena com os parceiros.
Viola Spolin (1999), pioneira dos jogos teatrais, valorizava a espontaneidade e a escuta ativa
como fundamentos essenciais para a atuação.O vídeo-ensaio permite que o ator revise suas
improvisações, identificando os momentos de maior autenticidade e as estratégias mais eficazes
para manter a dinâmica cênica envolvente.
Keith Johnstone (1979), criador do Theatresports, destacava a importância do risco e da
resposta intuitiva no improviso. O vídeo-ensaio possibilita a análise da interação entre os atores,
revelando padrões de aceitação e bloqueio, além de permitir o estudo do timing cômico e da
fluidez narrativa.
Augusto Boal (1974), por meio do Teatro do Oprimido, propôs uma abordagem interativa e
política para o teatro, onde o espectador se torna um participante ativo. O vídeo-ensaio pode
ser utilizado como uma ferramenta reflexiva para os atores e espectadores que participam das
cenas, permitindo observar o impacto das intervenções e a eficácia dos diálogos cênicos na
construção de narrativas engajadas.
Ao incorporar o vídeo-ensaio na formação do ator, o estudante pode examinar detalhadamente
sua performance, aprimorando aspectos físicos e expressivos essenciais nas abordagens
mencionadas.Este recurso enriquece a consciência corporal e favorece um treinamento mais
focado e intencional.
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5.0. Conclusão:
O vídeo-ensaio revela-se como uma ferramenta poderosa na formação do ator contemporâneo,
ao integrar reflexão crítica, percepção corporal, vocálica e experimentação estética.
Ao promover o distanciamento analítico do ator em relação à sua própria prática, o vídeo-ensaio
contribui para o fortalecimento da identidade artística e da autonomia criativa. E o diálogo entre
o teatro e o audiovisual, proporcionado pelo vídeo-ensaio, aponta novos caminhos para
metodologias de ensino que acompanham as transformações tecnológicas e sociais das artes
cênicas.
No contexto do Sul Global, práticas como o vídeo-ensaio ressaltam o potencial da tecnologia
como ferramenta de emancipação artística e fortalecimento das culturas locais.A partir dos
resultados iniciais dessa pesquisa, sugere-se a continuidade de investigações sobre o uso de
recursos audiovisuais em diferentes etapas da formação do ator, incluindo aperfeiçoamento
vocal, composição de personagens e experimentação dramatúrgica.
O vídeo-ensaio, assim, pode se consolidar como uma prática essencial nos processos de ensino
e criação artística contemporânea.A relevância deste estudo reside na necessidade de
desenvolver metodologias de ensino que integrem novas tecnologias e práticas artísticas
contemporâneas, proporcionando aos estudantes de teatro uma formação alinhada às
transformações do meio artístico.
Referencias Bibliografías
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Morais, B. (2025, maio 1). Série de exercícios para aquecimento vocal [Curso on-line].
Hotmart. https://www.hotmart.com
Spolin, V. (1999). Improvisation for the theater. Northwestern University Press.
Stanislavski, C. (1997). A preparação do ator. Civilização Brasileira.
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O currículo deste autor se encontra no rodapé da primeira página de seu artigo no dossier