Adriano E. Cangombe
NA IMAGEM SIMBÓLICA: FORMAS DE PRESENÇA NAS ARTES VISUAIS NUMA
APROXIMAÇÕES ENTRE INSTALAÇÃO E ESTÍMULO COMPOSTO
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NA IMAGEM SIMBÓLICA: FORMAS DE PRESENÇA NAS ARTES VISUAIS
NUMA APROXIMAÇÕES ENTRE INSTALAÇÃO E ESTÍMULO COMPOSTO
EN LA IMAGEN SIMBÓLICA: FORMAS DE PRESENCIA EN LAS ARTES
VISUALES EN UNA APROXIMACIÓN ENTRE LA INSTALACIÓN Y EL
ESTÍMULO COMPUESTO
IN THE SYMBOLIC IMAGE: FORMS OF PRESENCE IN THE VISUAL ARTS IN
AN APPROACH BETWEEN INSTALLATION AND COMPOSITE STIMULUS
Adriano E.Cangombe
1
PPGARTES-UNESPAR
adrianoaec9393@mail.com
Resumo
A imagem, enquanto conceito e noção, foi durante séculos trabalhada no ocidente, sobretudo
pelo cristianismo, aprisionando a visibilidade das coisas e dos corpos quase de forma exclusiva,
às suas formas historicamente marcadas por infinitas contradições, permissões e proibições de
seu uso, sua edificação e destruição. Contar histórias por meio de imagens é uma prática que
atravessa todas as culturas e tradições, é um traço em que se encontram as evidências de nossa
existência. A arte contemporânea, embora marque um momento de ruptura com os meios
tradicionais, ainda se dentro do tema da representação. A pintura saiu da tela e a escultura
abriu mão dos materiais duros (fundição e entalhe) para conhecer materiais mais leves e frágeis
(característicos do mundo contemporâneo veloz, líquido e efémero). Mas e então as imagens?
O simbolismo das figuras, das cores e de vários elementos convencionais que compõem a
imagem acompanharam essas mudas? A representação é uma ação política. A imagem segue
sendo, um dos maiores instrumentos de poder. No campo da arte, e das representações sociais
não deixa de ser urgente a necessidade de lançar um olhar crítico e confrontador.
Palavras-chaves: Imagem, história, instalação e estímulo composto.
Resumen
La imagen, como concepto y noción, ha sido trabajada durante siglos en Occidente,
especialmente por el cristianismo, aprisionando la visibilidad de las cosas y los cuerpos casi
exclusivamente, a sus formas historicamente marcadas. Contar historias a través de imágenes
es una práctica que atraviesa todas las culturas y tradiciones, es un rasgo en el que se encuentra
1
Artista visual. Professor de Artes Visuais na UNILUANDA. Mestrando do Programa de Pós-Graduação Mestrado
Profissional em Artes (UNESPAR). Angola.
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la evidencia de nuestra existencia. El arte contemporáneo, si bien marca un momento de ruptura
con los medios tradicionales, todavía se ve dentro del tema de la representación. La pintura
abandonó el lienzo y la escultura abandonó los materiales duros (fundición y talla) para conocer
materiales más ligeros y frágiles (característicos del mundo contemporáneo rápido, líquido y
efímero). Pero ¿qué pasa con las imágenes? ¿El simbolismo de las figuras, los colores y los
diversos elementos convencionales que componen la imagen acompañaron estos cambios? La
representación es una acción política. La imagen sigue siendo uno de los mayores instrumentos
de poder. En el campo del arte, y de las representaciones sociales, sigue siendo urgente la
necesidad de proyectar una mirada crítica y confrontativa.
Palabras clave: Imagen, historia, instalación y estímulo compuesto.
Abstract
The image, as both a concept and a notion, has been explored for centuries in the Western
worldespecially by Christianityconfining the visibility of things and bodies almost
exclusively to historically marked forms. Telling stories through images is a practice that
transcends cultures and traditions; it is a trait that reveals the evidence of our existence.
Contemporary art, while marking a rupture with traditional media, still operates within the
realm of representation. Painting has left the canvas, and sculpture has moved away from hard
materials (casting and carving) to embrace lighter, more fragile onescharacteristic of a fast,
fluid, and ephemeral contemporary world. But what about images themselves? Have the
symbolism of figures, colors, and various conventional elements that compose the image kept
pace with these changes? Representation is a political act. The image remains one of the most
powerful instruments of power. In the fields of art and social representation, the need to project
a critical and confrontational gaze remains urgent.
Keywords: Image, history, installation, composite stimulus.
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Não é uma resposta, mas ainda é urgente perguntar: o que é a imagem?
Considerando uma rie de fatores que fertilizam o terreno do imaginário (individual ou
coletivo) que, desde a concepção, nos tornamos portadores de imagens de várias ordens: do
código genético, imagens da cosmologia e ancestralidade, rituais e símbolos, representações
sociais etc. Imagens que são acúmulo de informações internalizadas no corpo enquanto ente
físico, sensível e espiritual. Isto porque o corpo é lugar ocupado por imagens(Belting, 2007,
citado por Klein, 2014: 13). É importante pontuar este caráter simbólico das imagens e da sua
formação, do qual retomaremos mais adiante.
Uma teoria da imagem deveria, segundo Klein (2014) considerar três elementos: o lugar
(demarcando um contexto) em que olhamos obriga a redefinição daquilo que seria uma
arqueologia da imagem, considerando a multiplicidade de olhares, o que evidencia a
instabilidade conceitual da imagem ao longo do tempo; a necessidade de um interrogatório
sobre “o ambiente em que estas imagens estão inseridas”. Ambientes estes, que se distanciam
e diferenciam na esfera do sagrado e do oculto, da arte, da medicina, da educação e da
comunicação, levando em consideração a ‘função’ ou papel que desempenham na sociedade
(Klein, 2014: 12); e por último, Klein citando Hans Belting vai pontuar a questão da existência
de dois polos na formação-criação das imagens: as exógenas e endógenas. Estas últimas
(endógenas) profundamente enraizadas nas questões não sensíveis, “(...) provenientes do sonho
ou do simples processo de pensar” (Klein, 2014).
É aceitável dizer, que no mundo em que vivemos, na era dos gestos e ações amplamente
vigiladas e globalmente midiatizadas, um escrutínio sobre a origem e as motivações da criação,
existência ou permanência de determinadas imagens é crucial, uma vez que, enquanto
instrumentos políticos a serviço de estruturas de poderes políticos, religiosos, imperiais e
coloniais, As imagens apresentam-se como objectos que podemos examinar”. (Mondzain,
2009: 8).
Se colocarmos no centro da questão que o fim último destas (ainda sobre a imagem) é o homem,
nas suas transversais relações consigo mesmo enquanto sujeito que se coloca e é colocado no
mundo a partir de substratos coletivos, “a fim de compreender que nela se joga, sem dúvida, o
lugar que atribuímos ao outro” (Mondzain, 2009: 8).
A imagem, enquanto conceito e noção, foi durante séculos trabalhada no ocidente, sobretudo
pelo cristianismo, aprisionando a visibilidade das coisas e dos corpos quase de forma exclusiva,
as suas formas historicamente marcadas por infinitas contradições, permissões e proibições de
seu uso, sua edificação e destruição (Mondzain, 2009). Avanços e recuos marcados por cenários
extremamente violentos e intolerantes, levando forçadamente para outros contextos, lugares e
culturas imagens até então, sem formas potencialmente autoexplicativas sobre a ‘nossa imagem
semelhante à de Deus’.
Aqui reside o traço distintivo mais profundo sobre a história da humanidade, quando caravelas
portuguesas, espanholas e inglesas vão, de maneira acidental, encontrar outras sociedades,
culturas e imagens. A imagem da caravela, colocada na relação com o outro, seria assim, um
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símbolo forjado nos oceanos, cujo sentido e significado fica entre duas narrativas: sobre a forma
de um fantasma branco que lançou uma empreitada violentamente abençoada por Deus,
apagando, destruindo e branqueando imagens, símbolos e todo um sistema cosmológico,
sagrado e espiritual em África, Américas e Ásia; e outra sob forma de celebração de um falso
projeto de salvaçãodo qual uma minoria (em habitantes e território) seria escolhidopara
triunfar por meio do sacrifício. H mais de dez séculos, os pensadores cristãos da imagem
foram os primeiros na histria ocidental a fazer da imagem uma problemticafilosfica e
política(Mondzain, 2009, P. 12).
“(...)  necessrio admitir que elas se encontram a meio caminho entre
as coisas e os sonhos, num entre-mundo, num quase-mundo, onde
talvez se joguem as nossas dependncias e as nossas liberdades. Pensar
a imagem segundo esta perspectiva permite interrogar o paradoxo da
sua insignificncia e dos seus poderes. Pois a imagem no existe seno
no fio dos gestos e das palavras, tanto daqueles que a qualificam e a
constroem, como daqueles que a desqualificam e a destroem”.
Mondzain, 2009: 12.
História, Imagem e Representação: aproximações
É possível falar de história sem falar antes da imagem?
Quando Georges Didi Huberman (2017: 9) diz que Diante da imagem, estamos sempre diante
do tempo e na sequência responde perguntando: Mas de que género de tempo? Que
plasticidades e que fraturas, que ritmos e que tempo podem estar implicados nesta abertura da
imagem?”. Nos abre portas para uma reflexão sob e sobre a imagem enquanto dado histrico,
na sua relação com o tempo e o contexto em que se deu esta ou aquela imagem, algo que Peter
Burke (2004) vai lembrar pois que, durante muito tempo ela (imagem) foi colocada à margem
pelos historiadores enquanto texto. Contar histórias por meio de imagens é uma prática que
atravessa todas as culturas e tradições, é um traço em que se encontram as evidências de nossa
existência. Gravar, riscar e manchar foram os primeiros gestos de uma necessidade de história.
Os palimpsestos pré-históricos são até hoje entendidos como as primeiras sobreposições da
história, representando cenas em que animais de grande porte aparecem abatidos ou sendo
domados por um indivíduo ou por um grupo.
Na mentalidade mais primitiva, considerava-se a imagem como um
duplo das coisas presentes no mundo emprico. A imagem, neste
contexto, vampiriza a vida das coisas e assume parte de sua essncia.
Ela , at certo ponto, aquilo que pretende representar, ou melhor,
reapresentar algo ao esprito.
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Klein, 2014: 20.
À medida que o mundo avança (sem necessariamente estar associado ao progresso) com o
desenvolvimento da ciência e das tecnologias, fica evidente que é impossível contar histórias
sem associação à imagem. O advento da internet e o crescimento exponencial dos computadores
domésticos e mais tarde dos smartphones, reafirmam o que teóricos como Umberto Eco e Jorge
Larrosa alertavam na virada do século. Empresas do Vale do Silício fizeram dos smartphones
o instrumento para criar, consumir e difundir histórias e imagens em massa. John Somers, no
seu texto ‘Narrativa, Drama e Estímulo Composto’ traduzido por Beatriz Cabal, elenca três
elementos pelos quais nos servimos para contar e ouvir histrias no sentido de: Organizar
momentaneamente a experincia em uma srie de memrias; Prever um futuro; Vivenciar
atravs da histria de outros, o que nunca experimentamos(Cabral, 2009: 176).
Como seria uma história sem imagens? E como é que as imagens povoam o imaginário coletivo
da história? Acontecimentos, memória e história formam o tripé do qual se coloca os alicerces
da nossa existência no mundo. A história da arte nos ajuda entender esse fenômeno de duas
maneiras:
A primeira nos leva a analisar, dentro do contexto ocidental, como a pintura e a escultura
estiveram a serviço de regimes religiosos, políticos e ideológicos, representando de forma
idealizada seres terrenos, humanos, carnais e mortais próximos àquilo que se entende como
“divindade”. No renascimento vemos alguns mecenas sendo retratados em pinturas de cenas
religiosas, como se fossem, deidades assim como Cristo e nossa senhora. Ainda dentro da
história da arte, vemos que a arte paleocristã marca, no ocidente, o momento chave de séculos
de tradições da imagem e da “representação" a serviço da ideologia e da política. A imagem foi
para o império cristão-católico-romano, o maior e mais importante instrumento doutrinal de
massa, por meio de ícones e símbolos das narrativas bíblicas. A imagem foi o veículo de
transmissão das histórias do velho testamento, da profecia de João Batista, da pregação de um
reino de infinita “bondade” e da “misericrdia” de Deus. Este dado é determinante, pois que:
No âmbito religioso (...) os ícones não são apenas imagens, mas tomam parte do próprio
sagrado. Não guardam apenas uma relação semântica, mas exprimem uma natureza
metonímica” (Klein, 2014: 17). Como podemos ver em Lafont (2023: 73-76)
“A exemplo do reino de Nzinga, o do Kongo funcionava no seio do
mundo cristão, entidade transnacional e progressivamente trans-
continental, indo até o Japão e à China, onde circulavam ideias e
objetos. Assim, os crucifixos congoleses [figura 7], como explicou a
historiadora da arte CécileFromont, provêm de uma iconografia local
antiga, da cruz ligada à comunicação entre o mundo dos vivos e dos
mortos. Essa iconografia teria facilitado a adoção da imagem cristã da
encarnação de Deus pelos convertidos africanos* Muito antes da
entrada do Kongo no mundo católico - que, aliás, ocorreu no mesmo
período em que os europeus alcançaram as Américas pela primeira vez
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-, uma outra aventura cristã e africana se produzia no outro lado do
continente.”
A história foi, durante muitos séculos, um dos maiores temas na história da arte e
principalmente da pintura, com cenas celebrando heróis, retratando guerras e outros conflitos,
documentando acontecimentos etc. Vários conceitos e gêneros chaves da história da pintura
foram criados, como: retrato, pintura equestre (exaltando o poder e valentia do rei ou imperador),
pintura alegórica e pintura com tema central da mitologia; os bustos psicodramáticos de
imperadores romanos etc. Todo esse imaginário criou uma série de imagens que se tornaram
convencionais, e até então, inquestionáveis, se instalando em outras sociedades e culturas que,
diferente da Europa, possuíam suas outras formas de representar a realidade e o sagrado. Se
pode dizer que estas imagens instalaram, talvez, o primeiro regime da imagem.
A segunda nos coloca frente-a-frente com um fenômeno histórico que, não apenas negou o
direito à imagem, mas criou um projeto iconoclástico e cultural aos povos originários das
antigas colônias ocupadas colonizadas. As imagens e formas de representação, bem como todo
um sistema cultural foram saqueados, expropriados, destruídos, reinterpretados e
reintroduzidos com outras características e nomes. Exemplo disso são as várias esfinges com o
nariz destruído, ou toda uma estrutura de embranquecimento por via da cultura de massa
cinematográfica hollywoodiana. Daqui é importante reter uma contradição que parte do mesmo
princípio. A imagem do qual se serviu na construção de uma civilização, idealizando o real e
dissolvendo o sagrado na imagem da trindade, é a mesma (imagem) que permitiu que “os outros”
não ocidentais, fossem transformados em corpos, costumes e culturas exotizadas, demonizadas
e reprimidas. Em outras palavras é dizer: pela salvação à morte e pela morte a salvação. A
imagem foi nesse contexto, instaurada como instrumento de extinção existencial em massa.
A história da arte enquanto disciplina não apenas excluiu culturas, geografias, personagens e
representações. ‘Negou’ durante séculos, o direito à imagem, pois estas são a substância das
narrativas coletivas e individuais, de uma determinada sociedade, cultura e temporalidades.
Imagens do qual a humanidade se serve para marcar, no tempo e no espaço, formas de existência
e resistência desde os ‘Mythos’ fundadores das civilizações, imagens em que reside a essência
das identidades desses prismas de histórias.
histrias de identidade nacional, da identidade silenciada de nossa
famlia, dos padres de comportamento que absorvemos. Algumas so
consensuais; outras soconstrudas com um objetivo particular em
mente - demonizar outra nao, apoiar um ponto de vista poltico,
vender algo. Somos inevitavelmente afetados pelas histrias que
encontramos. Aquelas que reforam nossa histria pessoal possuem um
estado de intertextualidade, uma interao ativa de duas ou mais
histrias”.
Cabral, 2011: 176.
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Peter Burke, ao examinar o modo como historiadores se colocam em relação ao objeto
historiogrfico, vai propor que se expanda o tema da ‘fonte’ que até então, privilegiava as
chamadas “fontes primrias” com forte tradição no documento escrito. A escrita é uma das
práticas humanas mais importantes, pois nela e por meio dela são descritas, preservadas e
destruídas imagens suspensas num grafema, que tem na fonética sua outra dimensão da imagem.
Nesse sentido, é impossível ter uma história, ou estudar o passado baseado no documento sem
a participação de uma série de intermediários, incluindo além dos historiadores, como também
arquivistas, os escribas e as testemunhas das quais as palavras foram registradas (Burke, 2004).
A imagem é um rastro de evidência histórica, tão relevante quanto o arquivo escrito, mais
potente e poderoso porque é a fagulha da explosão imaginativa e criativa. Burke, citando o
historiador Gustaf Renier, vai propor na primeira metade do século XX que seria útil substituir
a ideia de fontes pela de indícios do passado no presente(Burke, 2004: 16). O termo indício
é curioso porque pressupõe uma abertura de possibilidades, de coisas e objetos que, na visão
do autor, são merecedores de atenção e consideração do historiador ao buscar-procurar estudar
o passado. Como o mesmo enfatiza: O termo ‘indcios’ refere-se a manuscritos, livros
impressos, prédios, paisagem (como modificada pela exploração humana), bem como a muitos
tipos diferentes de imagens: pinturas, estátuas, gravuras, fotografias”. (Burke, 2004: 16)
A representação da figura humana como tema nas artes plásticas remonta a milênios, tradições
e culturas. Representação seria o momento em que a imagem é transmutada do imaginário
simbólico para a visualidade, é o momento em que um pensamento é abstraído, ganhando
estrutura e materialidade pelo desenho, pela pintura, pela escultura, pela cerâmica, pela
vestimenta, pelos objetos ritualísticos, adornos entre outros. Essa passagem se dá por meio de
um imaginário coletivo que existe e reside nas histórias, na identidade coletiva, na cosmovisão
de uma sociedade e no sistema de crenças.
A representação é uma ação política. Quando a artista RajkamalKahlon diz: “Minha arte é uma
forma de redistribuir a beleza e devolver a humanidade à estas pessoas representadas sem alma
em fotografias de livros de antropologia e etnografia do século XIX e XX”
2
, ela está antes de
tudo, tratando da questão da representação como ato político. Este pensamento corrobora com
o que Jacques Ranciere coloca ao dizer que na arte contemporânea é impossível pensar a obra
de arte e a experiência estética fora do prisma da política. Kahlon e Ranciere se cruzam, pensado
tanto no sistema da arte de forma global como na imagem enquanto dado pelo qual a
representação se nas artes visuais, seja pelo naturalismo e realismo, seja por abstrações como
aconteceu com o expressionismo do Die Blaue Reiter com Wassily Kandinsky e Paul Klee e
nos E.U.A como o expressionismo abstrato de Jackson Polock, ou ainda a pintura de campo de
cor de Mark Rothko. Abordar o tema da representação não apenas, nos coloca frente a frente
com um banco de imagens visuais criadas ao longo de vários séculos dentro da pintura, da
fotografia documental no contexto de ocupação colonial e outros estereótipos em volta de
corpos não ocidentais. Nos desafia a uma confrontação com um universo linguístico e
2
“A Europa Ps-colonial: não futuro sem histria”. DW Brasil. Camarote 21. 2022. Disponível
em:https://www.youtube.com/watch?v=HqMOHyC-5rY
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semântico construído com violência simbólica e sistêmica, com palavras das quais se dão as
imagens, se criam obras de arte, narrativas e discursos e se estabelecem relações.
A arte contemporânea, embora marque um momento de ruptura com os meios tradicionais,
ainda se vê dentro do tema da representação. A pintura saiu da tela e a escultura abriu mão dos
materiais duris (fundição e entalhe) para conhecer materiais mais leves e frágeis (característicos
do mundo contemporâneo veloz, líquido e efémero). Mas e então as imagens? O simbolismo
das figuras, das cores e de vários elementos convencionais que compõem a imagem
acompanharam essas mudas? Contudo fica evidente que: Diante da imagem - por muito antiga
que seja - o presente nunca cessa de se reconfigurar, mesmo que o desapossamento do olhar
tenha completamente cedido o lugar ao hbitoenfadado do ‘especialista’(Huberman, 2017:
10). Klein, como mencionado anteriormente, fala (embora sem aprofundamento) de “re-
apresentação” como forma pelo qual esse movimento de trazer uma representação, uma imagem
dada histórica e culturalmente, suspensa no tempo e eterna na memória que se estende
temporalmente.
Re-apresentar seria, nessa necessidade ainda gritante no mundo contemporâneo, um caminho
possível para mudanças no regime da imagem na contemporaneidade, encarando os riscos que
tal empreitada implica, como é a questão dos “anacronismos da imagem” que Didi Huberman
coloca. Já que:
“Diante de uma imagem - por muito recente ou contemporânea que
seja -, também o passado nunca cessa de se reconfigurar, que essa
imagem se torna possível numa construção da memória, senão
mesmo do assombro. Diante de uma imagem, afinal, temos de
reconhecer humildemente o seguinte: é possível que sobreviva a nossa
existência, diante dela somos nós o elemento frágil, o elemento
passageiro, e diante de nós é ela o elemento do futuro, o elemento da
duração. A imagem tem frequentemente mais memória e mais futuro do
que o ente que a olha”.
Didi-Huberman, 2017: 10.
Imagem Como Representação Simbólica: Instalação e Estímulo Composto
Nesse subtema, nos propomos estabelecer relações entre a dimensão simbólica da imagem e a
teoria do estímulo composto, procurando atravessamentos entre duas formas distintas de
entender e criar imagens. E por fim, observar na instalação enquanto meio artístico, formas de
visibilização dos dois, trazendo o tema da história, do sagrado e do ritual.
A palavra Mythos é muito sugestiva para começar esta abordagem. O pensamento simbólico se
inscreve na categoria de Mythos, que tem origem no grego, que significa discurso, narrativa.
Sendo o oposto da palavra Logos que embora signifique também discurso, mas aqui no lugar
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da experiência da palavra racional, unívoca, despida de magia (Klein, 2014). O Mythosse
instala no universo do discurso simbólico, articulado e tendo seus fundamentos cuja lógica
escapa à racionalidade objetiva das coisas, dos fenômenos e dos objetos. Carrega na sua
estrutura o tom do real e da ‘verdade’ (Klein, 2014). Ele se relaciona com as pessoas de uma
dada cultura ou sociedade como algo imanente, inerente a si enquanto grupo que encarna pela
vivência traços daquilo que define ou os caracteriza em termos identitários, históricos, religioso
e político. “O Mythos é real, ele nos lança a uma realidade mais profunda.
O Mythosnão é um discurso falso como supõe o vocbulo mito em uma de suas
acepçõescontemporâneas(Klein, 2014: 19). Klein segue, citando Eliade que é no campo do
mito em que os símbolos “respondem a uma necessidade e preenchem uma função”, sendo
reveladora das mais profundas e secretas questões do ser. O símbolo coloca-se num espaço cuja
projeção da luz científicanãoalcança. (Klein. 2014).
“Se grande parte das imagens produto da luz, reivindica uma
transparência lógica, um sentido onírico (...), ou mesmo estético,
oferecendo-se mais aos sentidos do que para à mente, o símbolo
repousa na sombra, refrata a luz e nos exige um modo de pensar mítico
e um modo de ao mgica”.
Klein, 2014: 17.
A imagem simbólica, aquela que, residindo nas profundezas do ser, no inconsciente coletivo
como um arquétipo, ela tem na arte o lugar onde, com uma certa naturalidade é impregnada,
materializada, tornada presença na pintura, na fotografia ou numa instalação. Essa imagem que
é criada por vários estímulos, internos ou externos entre acontecimentos e vivências, objetos e
memrias são reorganizadas e “re-apresentadas” como sugere Klein.
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Figura 1. O Barco - Grada Kilomba - Dimensões variadas - Inhotim. Foto: Ícaro Moreno/Divulgão
A obra de Grada Kilomba é uma proposta profundamente simbólica, a imagem é impregnada
de vrios símbolos. A obra atravessa vrias questões, “reconstroi” a estrutura interna flutuante
que deu origem a um objeto e uma história de muita violência e extinção. O barco de Kilomba
enquanto “reapresentação” de um objeto simblico cujoimaginrios, em que os sujeitos têm
suas relações enraizadas na violência e na opressão, ou seja, a imagem simbólica de uma
caravela nesse contexto estético e político é tão potente porque consegue reorganizar num
objeto disposto por blocos de madeira queimada e com inscrições douradas, infinitas imagens
que têm no mar e na história seu lugar de memória e confrontação.
Não é uma caixa contendo objetos que estimulam a criação, como forma de manutenção e
permanência de memória; não é um baú onde podemos encontrar peças de roupa da avó, o
cachimbo e o cheiro de tabaco do avô, não tem nem uma fotografia sequer em pretro e branco
ou em sépia; não tem a certidão de batismo e muito menos a declaração de venda ou carta de
alforria de um ancestral como escravizado.
Adentrar o sagrado exige o alto preo do ritual, cuja forma prescreve
o lugar do homem no mundo e as regras para uma jornada psquica a
uma outra zona simblica: as origens, a fonte das foras naturais, os
deuses, o alm da morte”.
Klein, 2014: 18.
Como seria pensar uma obra das artes visuais dentro da teoria do estímulo composto? É possível
pensá-la como imagem-estímulo composto sem necessariamente ter que ver com o drama
enquanto fim, no campo das representações do drama? Ou seria redundante esta associação,
visto que “O Barco” enquanto obra e imagem são quase autoexplicativas por carregar e fazer o
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espectador sair do barco, analisar suas rotas, desatar o nó na garganta, e conhecer o caminho de
volta nesse universo de imagens simbólicas e históricas?
Ao romper com a pintura, retirando-a da parede e do cavalete, a primeira metade do século XX
é marcada por uma série de experimentações que vão encontrar nos objetos do cotidiano, uma
linguagem que abria espaço para uma nova forma de experimentar estética e artisticamente uma
obra de arte. Apropriação e montagem vão ser, nesse contexto, dois grandes procedimentos
operacionais de criação bem como dispositivos semânticos na relação com o sistema e com o
público. Embora não tenha sido o primeiro a se apropriar de um objeto do cotidiano e
ressignificá-lo no campo artístico, Marcel Duchamp vai propor com a maior indiferença e
provocação, um mictório retirado de uma loja de material de construção e levá-lo ao lugar de
exposição. Esse movimento de transposição de objetos vai fazer da instalação e da montagem,
prticas quase “omnipresentes” na arte conceitual, no minimalismo, ou seja, na trajetria da
arte contemporânea pós-anos 1960 e 1970.
Buscando uma aproximação, a instalação enquanto meio e linguagem nas artes visuais seria
entendida como uma “caixa”-estímulo composto que se estabelece por uma série de objetos e
materiais distribuídos e montados em função de um significado, de uma narrativa e de um
discurso que a sustenta como obra. Impregnadas de imagens que, fora do cânone da
representação, e próximas ao que seria re-apresentação.
Figura 2. Adriano Cangombe, Título: Nação Coragem: 16.18.30, Dimensões variadas, 2018
O estímulo composto é uma metodologia, um recurso didático no contexto do drama em que
vários objetos são apresentados para criar uma história, uma narrativa e uma experiência (com
história real ou ficcionada). A seleção dos objetos sugere traços da pessoa que constroi o
“pacote-caixa” de estímulo ou do personagem que é criado ou revelado à medida que estes
objetos são apresentados. O estmulo composto inclui diferentes artefatos objetos,
fotografias, cartas e outros documentos, includos em um container apropriado.(Cabral, 2011:
179).
É importante dizer que o foco nessa associação com a instalação está na imagem, que são
criadas por uma e por outra. Na sua execução (dentro do drama) uma liderança é fundamental
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para a condução do sentido que se quer construir e da história que se quer contar por meio dos
objetos que estimulam a imaginação e trazem ao “jogo” a memria (individual e coletiva) como
bagagens. A signicncia dada pela justaposio cuidadosa de seu contedo - o
relacionamento entre eles e o detalhe dos objetos sugere motivao e ao humana.(Cabral,
2011: 179).
A figura acima é uma instalação que tem como tema central a memória, partindo de um contexto
histórico de guerra civil em Angola. É composta por dezoito caixas de armamento dispostas
entre abertas e fechadas subentendendo uma formatura militar. Dentro das caixas foram
colocados diversos objetos que o artista foi recolhendo duram sua pesquisa, objetos pessoas
como uma farda doada por um amigo cujo pai foi militar e esteve em combate; uma bota militar
que foi encontrada no quintal do antigo centro de produção do programa “Nação Coragem” no
âmbito do reencontro de pessoas desaparecidas com o país em paz; uma revista da cruz
vermelha; vários utensílios de cozinha, entre outros objetos que funcionam na instalação como
dispositivos de memória do qual várias histórias, cenários e imagens são recriadas,
reconstruidas e re-apresentadas pelo espectador que vê na obra, uma série de estímulos que lhe
permitem participar de sua ressignificação.
O espectador não é um ator e não está em um jogo dramático (mesmo que contexto da obra
seja), mas à semelhança deste, se vê dentro de várias histórias que a obra carrega bem como as
tantas outras histrias que por ele (espectador) serão criadas. Todos os objetos inanimados
designados para uso pessoal so impregnados pelos seus donos. Uma ferramenta pode sugerir
o trabalho e o trabalhador; um item de vesturio o seu usurio e seu comportamento; uma
carta o motivo de sua escrita e um relacionamento.” (Cabral, 2011: 178).
Considerações Finais
A imagem segue sendo, um dos maiores instrumentos de poder. No campo da arte, e das
representações sociais não deixa de ser urgente a necessidade de lançar um olhar crítico e
confrontador. A reformulação de certos conceitos no campo científico é tão necessária quanto
o simples gesto de juntar as os para tomar água no leito do rio. Mais importante ainda do
que conceituar ou definir, é lançar um questionamento sobre a maneira como as imagens foram
dadas, sob quais condições historicamente reproduzidas e mantidas. Esse texto é incapaz de dar
conta da grandiosidade do tema, sua complexidade e controvérsias, mas pode eventualmente
ser parte de movimento-gesto urgente de descortinar e adentrar nestas profundas camadas de
significados históricos, culturais, políticos, económico, ficcional, artístico, religioso e nas suas
infinitas relações com o sagrado.
Adriano E. Cangombe
NA IMAGEM SIMBÓLICA: FORMAS DE PRESENÇA NAS ARTES VISUAIS NUMA
APROXIMAÇÕES ENTRE INSTALAÇÃO E ESTÍMULO COMPOSTO
200
Referências Bibliográficas
Burke, P. (2004). Testemunha ocular: História e imagem. Edusc.
Cabral, B. (Trad.). (2011, setembro). Narrativa, drama e estímulo composto, (17).
Didi-Huberman, G. (2017). Diante do tempo: História da arte e anacronismo das imagens.
Orfeu Negro.
Klein, A. (2024). A dimensão simbólica da imagem e sua sobrevida na sociedade midiática.
In D. C. Araújo & M. S. Contrera (Orgs.), Teorias da imagem e do imaginário. Ed. Compós.
Lafont, A. (2023). A arte dos mundos negros: História, teoria e crítica (1ª ed.). Bazar do
Tempo.
Mondzain, M. J. (2009). A imagem pode matar? Editora Vaga.