Éderson J. de Vasconcelos
ABÁSSIDAS E OMÍADAS - UMA PENÍNSULA IBÉRICA CONECTADA ENTRE O ORIENTE E O
OCIDENTE
217
ABÁSSIDAS E OMÍADAS - UMA PENÍNSULA IBÉRICA CONECTADA ENTRE O
ORIENTE E O OCIDENTE
ABBASIDAS Y OMISIDA: UNA PENÍNSULA IBÉRICA CONECTADA ENTRE
ESTE Y OESTE
ABBASIDS AND UMAYYADS: AN IBERIAN PENINSULA CONNECTED
BETWEEN EAST AND WEST
Éderson J. de Vasconcelos
1
UFSC
ederson_vasconcelos@hotmail.com
Resumo
Durante o contexto medieval-ibérico tivemos a transformação do emirado de Cordoba em
califado. Este evento foi possível devido a conexão entre oriente e ocidente - surgido em
Bagdá no ano de 750 EC - originou uma nova vertente política e cultural muçulmana
denominada de Abássidas, que teve como objetivo dizimar as estruturas políticas Omíada, cujos
membros da corte foram presseguidos e assassinado sobrevivendo alguns poucos - dentre os
quais destacamos o jovem Abd al-Rahman. Como fruto deste conflito de dinastias o
sobrevivente da corte Omíada migrou para a Península Ibérica, e fundou nesta localidade um
novo califado. A justificativa para o presente trabalho é apresentar como por meio dos conflitos
internos islâmicos podemos pensar uma Idade Média Global. O nosso objetivo abrir o debate
sobre essas questões e trazer a história islâmica para o escopo de análise Global.
Palavras-chave: Abássidadas, Omíadas, Idade Média Global, Abd al-Rahman, Al-Andalus.
Resumen
Durante el contexto medieval-ibérico asistimos a la transformación del emirato de Córdoba en
califato. Este acontecimiento sólo fue posible debido a que la conexión entre Oriente y
Occidente -surgida en Bagdad en el año 750 d.C.- dio lugar a una nueva rama política y cultural
musulmana llamada los abasíes, que pretendía diezmar las estructuras políticas omeyas, cuyos
miembros de la corte fueron perseguidos y asesinados, de los que sobrevivieron unos pocos -
entre los que destacamos al joven Abd al-Rahman-. Como resultado de este conflicto entre
1
Mestre em História pela Universidade Federal deAlfenas (UNIFAL). Doutorando em História Global pela UFSC.
Bolsista CAPES. Brasil.
Éderson J. de Vasconcelos
ABÁSSIDAS E OMÍADAS - UMA PENÍNSULA IBÉRICA CONECTADA ENTRE O ORIENTE E O
OCIDENTE
218
dinastías, los supervivientes de la corte omeya emigró a la Península Ibérica, y fundó allí un
nuevo califato. La justificación de este trabajo es presentar cómo a través de los conflictos
islámicos internos podemos pensar en una Edad Media Global. Nuestro objetivo es abrir el
debate sobre estos temas y llevar la historia islámica al ámbito del análisis global.
Palabras clave: Abasíes, Omeyas, Edad Media global, Abd al-Rahman, Al-Andalus.
Abstract
During the medieval Iberian context, we witnessed the transformation of the Emirate of
Córdoba into a Caliphate. This event was only possible due to the connection between East and
West, which emerged in Baghdad in 750 CE and gave rise to a new Muslim political and
cultural branch known as the Abbasids. Their objective was to dismantle the Umayyad political
structures, leading to the persecution and assassination of many members of the Umayyad court,
with only a few survivingmost notably the young Abd al-Rahman. As a result of this dynastic
conflict, a surviving member of the Umayyad court migrated to the Iberian Peninsula and
founded a new Caliphate in the region.
The purpose of this study is to present how, through internal Islamic conflicts, we can rethink
the concept of a Global Middle Ages. Our objective is to open the debate on these issues and
bring Islamic history into the scope of global analysis.
Keywords: Abbasids, Umayyads, Global Middle Ages, Abd al-Rahman, Al-Andalus.
Éderson J. de Vasconcelos
ABÁSSIDAS E OMÍADAS - UMA PENÍNSULA IBÉRICA CONECTADA ENTRE O ORIENTE E O
OCIDENTE
219
Introdução
O islamismo é uma religião monoteísta que se desenvolveu na Península Arábica, tendo como
fundador o profeta Mohamed. Segundo Hourani, “o nome dado a Deus era ‘Alá’, já em uso
para um dos deuses locais (e hoje usado por judeus e cristãos de língua árabe como o nome de
Deus). Os que se submeteram à vontade d’Ele acabaram tornando-se conhecidos como
muçulmanos; o nome da religião, Islã” (HOURANI, 2006: 28). Para Bernard Lewis, em Os
Árabes na História, a relação deve-se à presença de comunidades tanto judaicas como cristãs,
“numerosas colônias de Judeus e de Cristãos fixaram-se em diversos pontos da Arábia,
divulgando a cultura aramaica e helenista” (LEWIS, 1983: 38).
O desenvolvimento do islã no período medieval pode ser pensado como fenômeno de uma
história conectada, transcultural e global. Essa compreensão pode se dar por duas perspectivas:
a) no primeiro campo de análise, podemos compreender o desenvolvimento do iscomo um
entrelaçamento da cultura local da Península Arábica, politeísta, juntamente com a combinação
e influência das religiões monoteístas (judaísmo, cristianismo e zoroastrismo). Esse
desenvolvimento será causado pelo fato de Mohamed ser um comerciante e viver em constante
movimento. Devido às relações comerciais, ele teve contatos com outras culturas e outras
religiões. Para Aline Dias da Silveira, “é bem possível que Maomé, filho de comerciantes,
tivesse contatos com toda essa diversidade cultural. Uma convivência ambígua e relativamente
pacífica entre religiosidades clânicas e confluências religiosas cristãs, judaicas e
zoroastristas” (SILVEIRA, 2019: 144); b) devemos levar em consideração o desenvolvimento
expansionista do islã, que buscou se mesclar com as culturas em contato. Para Farias, “agências
locais trabalham com a intenção de monopolizar os idiomas novos ou as mercadorias novas,
que se tornam disponíveis através desses processos, como fonte de poder próprio” (FARIAS,
2004: 8).
Como nos coloca Aline Dias da Silveira e Paulo Fernando de Moraes Faria, percebemos que o
islamismo se desenvolveu e teve sucesso devido à combinação dos dois pilares de compreensão.
Isso porque, o islã irá receber influências locais, bem como intercontinentais. Desse modo,
podemos pensar diferentes islãs entre o Oriente Médio, norte da África e Península Ibérica, pois
cada localidade apresenta suas especificidades que se mesclam com o islamismo.
As influências das distintas localidades, juntamente com a disputa de poder dentro do islã,
geraram fragmentações política, econômica, social e cultural. Uma concepção distinta do que é
apresentada por Henri Pirenne, em Maomé e Carlos Magno: O impacto do Islã sobre a
civilização europeia, o medievalista aborda o mundo islâmico como sendo uma unidade solida
que dominava e impedia o comércio e o trânsito no mar Mediterrâneo. No entanto, quando
buscamos pensar o mundo muçulmano, durante o medievo, percebemos uma realidade muito
complexa e cheia de especificidades, dependendo da localidade em que se estava inserido. O
islã da Península Ibérica não era o mesmo de Magrebe, da Perícia ou, até mesmo, de Bagdá.
Éderson J. de Vasconcelos
ABÁSSIDAS E OMÍADAS - UMA PENÍNSULA IBÉRICA CONECTADA ENTRE O ORIENTE E O
OCIDENTE
220
O islã como agente histórico da Idade Média Global
De acordo com Hugh Kennedy na obra Os Muçulmanos na Península Ibérica: História política
de al-Andalus (1999: 49-51), Os omíadas inicialmente se desenvolveram através de um
membro dos Quraysh, que eram parentes distantes do próprio profeta Maomé
2
.. No princípio
do islamismo, o líder omíada Abu Sufyan, foi o maior opositor ao profeta Maomé, no entanto
isso se alterou por vota de 628 da era comum, após a consolidação do islamismo na península
Arábica. Todavia o seu filho Abu Sufyan, Mu'awiya foi uma das figuras de maior importância
nas primeiras exações muçulmanas, sendo nomeado governador da Síria em 661, após o
assassinato do primo e genro de Maomé, Ali Abu Sufyan. Mu'awiya se tornou o primeiro califa
de todo o domínio muçulmano (661-680). Após a sua morte, se desenvolveu uma guerra civil
entre os omíadas e seu opositores. O califado foi conquistado assim por Mu'awiya, Marwan al-
Hakam (684-685) e seu filho Abd al-Malik (685-705), legitimando e fundando efetivamente a
dinastia omíada. Por meio século a dinastia expandiu seu território desde Sind e Samarcanda
ao leste até os redutos da Península Ibérica, fundando assim Al-Andalus, no extremo oeste.
Todavia, houve oposição aos omíadas, pois o poder não poderia ser herdado por uma família
que havia sido a primeira a se opor ao profeta e ao islamismo, pois os domínios muçulmanos
deveriam ser herdados pelos chefes militares.
Entre os anos 747 até 750 da era comum, aconteceram as revoltas abássidas
3
, que tiraram os
omíadas do poder da Síria. Boa parte dos membros ligados ao governo foi executada, alguns
membros da família conseguiram escapar da perseguição, como Abd al-Rahman. Com a
perseguição, al-Rahaman migrou para o Norte da África. A primeira intenção do sobrevivente
2
Cuando en el año 711 Hispania fue conquistada por los árabes, un califa perteneciente a la dinastía de los Omeyas
gobernada en Damasco. Más de trescientos años después, en el año 1031, un lejano descendiente de ese califa era
expulsado de Córdoba con la prohibición expresa de volver a poner un pie en la ciudad. Se ponía así fin al do
minio de una familia que había forjado un extenso imperio entre los siglos VII y VIII, y que, cuando fue despojada
del califato, pudo encontrar refugio en uno de sus territorios más remoto. [...] Y es que los Omeyas fueron siempre
supervivientes natos. En su ciudad de origen, La Meca, los ancestros del linaje no prestaron al principio mucha
atención al mensaje que un lejano pariente, el profeta Mahoma, comenzó a predicar en las primeras décadas del
siglo VII. Llegaron incluso a combatir al pensar que su alta posición podía verse amenazada por la revelación que
dio vida a la religión que hoy conocemos como islam. Cuando, tras largos avatares, Mahoma consiguió imponer
su autoridad política y religiosa sobre la mayor parte de las poblaciones árabes, la suerte del linaje que había
abanderado la oposición contra él pareció estar sellada. No ocurrió así. Sus miembros acabaron por hacerse con la
herencia dejada por el Profeta, desplazando a otras gentes, con más derechos morales que ellos, pero dotados de
menos habilidad y poder. (MORENO; 2006: 9)
3
Opuseram-se com razão os omíadas aos abássidas, fazendo dos primeiros os campeões do islamismo árabe e dos
segundos os de um islamismo multinacional. (MANTRAN,1977: 119). Abássida: dinastia Os califas abássidas ou
sucessores de Maomé exerceram autoridade sobre grande parte do mundo muçulmano, coincidindo o seu período
de maior triunfo nas artes e na política com o reinado de Harun al-Rachid (786-809), um contemporâneo de Carlos
Magno. Subiram ao poder à frente das facções xiitas que se opunham aos omíadas mas, após suas vitórias no final
da década de 740, quando todo o mundo muçulmano, exceto a Espanha (que permaneceu leal aos omíadas), ficou-
lhes submetido, adotaram os ritos sunitas da maioria e transferiram sua capital de Damasco mais para leste,
construindo a grande e nova cidade de Bagdá. A influência persa, com suas tradições de absolutismo oriental,
tornou-se predominante na administração abássida; os interesses da dinastia concentraram-se cada vez mais no
Oriente, com vistas às grandes rotas comerciais para a Índia e a China. Um califado separado foi estabelecido no
Egito e na Palestina sob o domínio dos fatímidas no século X, e os abássidas viram seu papel reduzido ao de líderes
religiosos e cerimoniais, passando o efetivo poder para os turcos seljúcidas, que conquistaram Bagdá em meados
do século XI e, finalmente, para os mongóis, que aboliram o califado em 1258. (LOYN, 1997: 2)
Éderson J. de Vasconcelos
ABÁSSIDAS E OMÍADAS - UMA PENÍNSULA IBÉRICA CONECTADA ENTRE O ORIENTE E O
OCIDENTE
221
omíada parece ter sido garantir a segurança de Ifriqlya (Tunísia), mas o governador ‘Abd al-
Rahman al-Fihri foi hostil à sua permanência na África. Então, Abd al-Rahman foi obrigado a
buscar refúgio em Al-Andalus. Com isso, ‘Abd al-Rahman buscou se tornar governante, de
modo que ele se voltou para a oposição iemenita em busca de apoio.
Para Wickham, “em 755, na Hispânica. Aqui, Abd al-Rahman encontrou apoio tanto das
linhagens berberes [...]. Em um ano, conquista Córdoba. Abd al-Rahman I, então [...] amir [...]
de forma totalmente independente de seus inimigos abássidas, em Bagdá. E seus descendentes
fizeram a mesma coisa a1031” (WICKHAM, 2023: 461-462). A proclamação de Abd al-
Rahman Mu'awiya como Emir na mesquita de Córdoba foi realizada na sexta-feira, 14 de maio
de 756, o que não foi o fim absoluto da tomada do poder pelos omíadas no território ibérico. O
novo Emir buscou desenvolver um poder unanime na Hispana muçulmana, que lhe permitiria
sobreviver e transmitir o legado omíada, de uma forma que nenhum governante islâmico ibérico
anterior havia sido capaz de fazer.
Abd al-Rahman, agora o primeiro emir de Cordoba, buscou estabelecer-se como governante
independente de Bagdá. Ele não apresentava mais ligação com o califado e, muito menos, com
os abássidas. Embora mantivesse uma titulação bastante modesta de Emir, ele não reconhecia
nenhum chefe muçulmano como superior. Ele apresentava uma série de vantagem em relação
a seus rivais, pois era membro da tribo dos Quraysh, descendente direto do Mohamad e da
família dos califas omíadas, além disso, a sua alta descendência não poderia ser negada. No
entanto, havia muitos outros quraysh na Península Ibérica. A ascensão dele foi violenta e
completamente negada por Bagdá, o que poderia ter encorajado a simpatia entre os sírios de al-
Andalus, mas sem muito respeito. Quanto a esses aspectos, a documentação muçulmana
apresenta uma ligação direta dos Almôadas junto a Maomé, demostrando, assim, a conexão
dessa dinastia com os descendentes do profeta. Segundo a documentação,
“Entre ambos hitos se halla un acontecimiento medial que parte los
tiempos y da sentido a la historiaria: el advenimiento del Profeta y la
transmisión del mensaje divino. A partir de ese momento, la tradición
musulmana considera que el alejamiento progressivo de ese punto,
marcado por la pureza primitiva de la fe, conduce indefectiblemente a
la decedentecia, contrarrestada, eso sí, en cada siglo, por renovadores
religioso que vivificarán la religião. La decadencia, no obstante, será
inevitable, como lo será el seguro y definitivo triunfo de Allah”
HADIA, 2008: 35.
Dessa forma, é interessante pensar o desenvolvimento das relações que gerou a formação do
Califado de Cordoba. Inicialmente, após a chegada dos muçulmanos ao território ibérico, houve
um período de instalação do islã nos primeiros anos da chegada (711) até a formação e
desenvolvimento do Emirado de Cordoba, em 756. Na Historia de Al-Andalus: Ibn Al-
Kardabus,são apresentados os primeiros sete emires: Abd Al-Rahmán I (756-788); Hisan I
(788-796); Al-Hakam I (796-822); Abd Al-Rahmán II (822-852); Mohamed I (852-886); Al-
Mundir (886-888); Abd Allah (888-912). Ibn Al-Kardabus relata, pontualmente, os primeiros
cento e cinquenta e seis anos do emirado, dando atenção, principalmente, para Abd Al-Rahmán
Éderson J. de Vasconcelos
ABÁSSIDAS E OMÍADAS - UMA PENÍNSULA IBÉRICA CONECTADA ENTRE O ORIENTE E O
OCIDENTE
222
I, além disso, também são apresentadas relações além do mundo irico. Conforme a Historia
de Al-Andalus: Ibn Al-Kardabus,
“Fue reconocido por soberanos en [el mes de] safar del año 127 (744-
745) y la gentede Siria fue unánime en su aclamación (bay'a) en cambio
se abstuvieron de ella SuleymanibnHisamIb Abd Al-Malik y
outrosBanuomrya. [...] Él fue úlimo de los califas Banu omeya. Cuando
se hizo cargo del califato exhumó los restos de Yazid Ibn al-Waild, y
sacándole lo crucificó. Depuso a Abd al-Malik Qatan del gobierno de
al-Andalus, poniendo su frente a Tawaba Ibn Na'in al-Ansari, Tomó
Hims (Emesa) y destroyó su muralla por la oposición de ellos (de los
habitantes) hacia él. Y eso tuvo lugar en el año 128 (745-746). Se
sublevó contra él Al-DahhakibnQays al-Sari con los que le seguían de
los jariyies (jawariy), y se dirigió contra él, entones Marywan vino
hacia él encontrádose en Kafartuta en el eño 128 en safar y Al-
DahhakibnQays fue muerto; más levantóse en su lugar Al-Jabiri y
Marwan fue derrotado y hubo de retirarse. Los jariyíesconfirieronel
mando a Sauban y sus compañeros volvieron a Mawsil. Marwan
entonces lo persiguió, luchó contra él un mes y Sayban fue derrotado.
Marwan envió tras él a Amir ibnBubar al-Murri. Puso al frente de Iraq
a Yazid Ibn Hubayra al-Fuzari, [éste] se dirigió en línea recta hasta
llegar a Wasit, entonces vino Abd Allah Umar ibn Abd al-
Azizoponiéndose a Marwan, pero Yazid ibn Umar ibnHubayra lo
capturó, amarró y envió a Marwan, durantes su reclusión, con su hijo,
haste que murió en ella. Mientras continuó la agitación de las
provincias contra Marwan y la disolución de su asunto - con todo, él
preparó para la gente la peregrinación del año 130 (747-748) - entoces
apareció Abd al-Ra hman Abu Muslim como partavoz (da'i) de los Banu
omeya. Abu Muslim le atacó sus gentes. Nasr, entonces, se fue huyenda
hasta que murió en la tierra de Sawa de Hamadan. El califato de
Marwan fue de cinco años y diez meses, pero se ha dicho algo distinto
a eso. Murió a comienzos del año ciento treinta y dos en Abu Sir”.
HADIA, 2008: 75-78.
Pelo fragmento da documentação muçulmana, fica evidente que o desenvolvimento da nova
dinastia Abássida começou com uma perseguição sanguinária, na qual os omíadas foram
diminuídos e dizimados politicamente, com exceção do príncipe Abd al-Rahman, que
conseguiu estabelecer a continuidade omíada após uma longa e dolorosa peregrinação e que
conseguiria estabelecer a conservação dos omíadas em al-Andalus, em 756. Para os abássidas,
a história islâmica iria provar uma nova perspectiva em que a unidade do império muçulmano
seria consideravelmente alterada, tanto no aspecto político como nas relações culturais. Na
Historia de Al-Andalus: Ibn Al-Kardabus, são abordados os conflitos entre omíadas e abássidas:
“Mientras, permaneció TawabaibnNa'im al-Ansari como emir en al-
Andaluscuatroaño, hasta que apareció la dinastía de los Abasíes en el
Éderson J. de Vasconcelos
ABÁSSIDAS E OMÍADAS - UMA PENÍNSULA IBÉRICA CONECTADA ENTRE O ORIENTE E O
OCIDENTE
223
Oriente y pereció la dinastía de los Banu Omeya, cuando los Banu
'Abbas se alzaron con el califato; no obstante, el poder en al-Andalus
permaneció soberano toda vez que la gente de al-Andalus acordaron
poner a la cabeza a Yusufibn Abd al-Rahman al-Fihri. Era Córdoba la
sede del emirato, y en ella se instaló como emir hasta que una orden
del califa crease un valí. La orden, sin embargo, se retrasó por el
quehacer de los Banu al-'abbas en el Oriente, porque era más
importante y mayor, y eso durante siete años; pero se ha dicho que Al-
Fihri permaneció como valí diez años, hasta que Abd al-Rahman Ibn
Mu'awiyaibn Hisamibn Abd al-Malik, huyendo de los Banu al-Abbas,
se dirigió a al-Andalus, cuando ellos se apoderaron del califato en el
Oriente. Se unió a él aquel que era [partidario] de los Banu Omeya en
al-Andalus, quien profesaba sus opiniones, y quien estaba resentido
contra Yusuf al-Fihri - por alguna injusticia que le hubieses acontecido,
o por una insuficiencia que le hubiese limitado, o por una dádiva que
le hubiese negabo-inclinose hacia Abd al-Rahman y, [así], se unió a él
una gran muchedumbre; entonces él se dirigió con ella a Córdoba, sede
de gobierno de Al-Fihri. Al-fihri salió a su encuentro con un
inconmensurable ejército y, combatiéndose, se hicieron la guerra
mutuamente durante el periodo de un año, hasta que Al-Fihri fue
derrotado y muerto, ysu ejército exterminado, pues la mayor parte de
él fue aniquilada. Abd al-Rahman entonces entró en Córdoba y al-
Ándalus le obedeció sin excepción, dominándolo treinta y tres años, en
los que se encontró con [57] guerras y hubo de soportar graves
asuntos”. (HADIA, 2008: 79-80).
Na Historia de Al-Andalus: Ibn Al-Kardabus, os conflitos entre os o Omíadas e os Abássidas
são apresentados de uma forma pontual. O cronista medieval não nos fornece maiores detalhes
sobre os conflitos no seio do islã. Porém, Ibn Al-Kardabusnos relata como Abd al-Rahman se
estabeleceu no poder na Península Ibérica. O que fica evidente com a fonte muçulmana é o fato
de o islã, no período medieval, não ter sido uma unidade política unânime. Ela apresentava
divergências, o que provocou diferentes unidades políticas, sociais e culturais muçulmanas no
medievo mediterrânico. Para Sauto Lasala, “Abd al-Rahman intentó sustituir a estos jefes por
sus propios partidarios, cosa que desde luego no logró pacíficamente, ya que hubo de someter,
caso que desde luego no logró pacíficamente, […] cuya rebelión no fue sofocada hasta 774”.
(SAUTO LASALA, 2009: 30)
Inicialmente, com a chegada do islã ao mundo hispânico e o desenvolvimento do emirado,
houve uma conexão do mundo ibérico com outras localidades fora da Europa. Entretanto, essas
conexões iriam se intensificar com a formação do califado Omíada dentro da Península Ibérica.
Para Morena, bajo los califas omeyas de Damasco este territorio fue conquistado, y bajo sus
descendientes, convertidos en emires de esta lejana provincia de su antiguo imperio, la
sociedad andalusí adquirió su indeleble carácter árabe e islámico” (MORENO, 2006: 10). Os
conflitos bélicos e as alianças políticas entre as dinastias abássidas e omíadas são exemplos do
Éderson J. de Vasconcelos
ABÁSSIDAS E OMÍADAS - UMA PENÍNSULA IBÉRICA CONECTADA ENTRE O ORIENTE E O
OCIDENTE
224
cenário, assim como nos demonstram as relações e conexões estudados pela ótica da História
Global.
Imagem VII: Mapa o as conquistas Omiadas. DUBY, Georges. Atlas Histórico Mundial.
Madrid: Larousse, 2007.
Abd al-Rahman I, governante de Al-Andalus, entre os anos de 756-788, foi o único
sobrevivente da dinastia Omíada após a devastadora perseguição
4
abássida. Em 756, ele se
tornou emir independente de Córdoba, na Península Ibérica. Durante seu reinado, houve um
aumento das frentes cristãs castelhanas, lutando para recuperar territórios fronteiriços e também
houve intervenções bélicas realizadas pelos francos. No conflito com os carolíngios, houve a
4
It remained only to put the seal on the ‘Abbasid victory. Ibn Hubayra in Wasit surrendered on terms when news
of Marwan’s death arrived, but the terms were dishonoured and he and the Mudaris in the garrison were all killed.
In Syria the tombs of the Umayyads, with the exception of ‘Umar II, were violated, with particular venom being
shown to the remains of Hisham. In various places members of the Umayyad family were rounded up and killed,
only those who went into hiding escaping. One who did survive was a grandson of Hisham who eventually made
his way to Spain, found support there and established an Umayyad dynasty which was to last until the eleventh
century. In Syria and the east, though, the first dynasty of Islamic history was at an end.HAWTING,G.R. The
First Dynasty of Islam: the umayyad caliphate ad 661-750. New York: Routledge Is An Imprint Of The Taylor
& Francis Group, 2000. (p.118)
Éderson J. de Vasconcelos
ABÁSSIDAS E OMÍADAS - UMA PENÍNSULA IBÉRICA CONECTADA ENTRE O ORIENTE E O
OCIDENTE
225
tentativa de Carlos Magno, em 778, adentrar a Hispania, suportado por alianças com o reino
abássida
5
.
Os latinos liderados por Carlos Magno foram derrotados e sua retaguarda completamente
eliminada nos Pireneus, no desfiladeiro de Roncesvalles. Esse confronto deu origem à Canção
de Rolando.
6
Nos relatos cantados pela Canção de Rolando, o monarca Carlos Magno recebe,
pela tradição, o título de um dos fundadores do caminho de Santiago de Compostela, também
um dos monarcas que iniciou o processo de expansão cristão na Península. Segundo a fonte
muçulmana, percebemos que as conexões entre o mundo muçulmano e cristão em diferentes
momentos da crônica. Na documentação cristã, Primera crónica general de España, destacam-
se os conflitos entre islâmicos e latinos, contudo, dá-se visibilidade para a figura de Carlos
5
Se trata, sin duda, de un texto extraordinario. Durante un o culminante, la parte más larga del texto está
dedicada al encuentro con el embajador del Califa abasí y la historia de un elefante. Durante el o siguiente, se
concede el mismo espacio a la paz con la emperatriz Irene que a la llegada del elefante, cuyo nombre se hace
constar. El misterioso judío Isaac también tiene un papel destacado. Toda la historia se parece un poco a una
escena de Ivanhoe, o se trata realmente de material para un guión como Las locas, locas aventuras de Robin
Hood y, de hecho, el suceso se ha convertido en el argumento de una novela reciente para niños, His Majesty’s
Elephant de Judith Tarr, publicada en 1993, en la que también aparece la hasta ahora no demostrada hija de
Carlomagno, Rowan, cuya madre era una bruja. […] Nadie parece haberse parado a pensar por qué Harun al-
Rashid envió un elefante a Carlomagno. Roger Collins sugiere que Abul Abaz era una “curiosidad” para los
francos, el elefante constituía “un símbolo importante y consolidado de autoridad en Oriente Próximo, desde los
tiempos helenísticos en adelante”. Por desgracia, Collins no ofrece ninguna referencia con la que respaldar su
propuesta, lo cual no es un dato demasiado común, al menos para mí. que conozco una moneda de Ptolomeo
IV en la que se le ve con una cabeza de elefante, incluso con colmillos, y con una apariencia poderosamente
extraña, o bien la de un hombre muy grande o bien la de un elefante adulto muy pequeño, pero la comparación
no parece estar demasiado relacionada con el presente de Harun al Rashid. Tanto si los elefantes tuvieron o no
un significado especial para los gobernantes helenísticos, no conozco ninguna prueba que avale que tenían un
significado especial para los primeros califas islámicos. Me da la impresión de que existe una laguna entre los
gobernantes helenísticos y los califas abasíes, salvo, claro está, que los reunamos en la categoría de “oriental”.
Nees, Lawrence EL ELEFANTE DE CARLOMAGNO Quintana. Revista de Estudos do Departamento de
Historia da Arte, núm. 5, 2006: 13-49 Universidad de Santiago de Compostela Santiago de Compostela, España
(p.16-17)
6
Embora existam muitos textos medievais sobre a história de Rolando, o manuscrito mais antigo e o mais
artisticamente literário é o que foi descoberto na biblioteca de Oxford, redigido em dialeto anglo-normando e
pertencendo ao ciclo do Rei ou ciclo de Carlos Magno, um dos mais prolíficos. Contém 4.002 versos decassílabos
assonânticos, distribuídos em 291 estrofes de extensão desigual as laisses e dividido em quatro partes: “A
Traição” (versos 1 a 1016), “A Batalha” (versos 1017 a 2396), “O Castigo dos Pagãos” (versos 2397 a 3674), “O
Castigo de Ganelão” (versos 3675 a 4002). Pela ideologia do texto e pelo estado da língua, acredita-se que tenha
sido escrito entre o final do século XI e meados do século XII, depois que a ideia de cruzada contra os pagãos
vicejava na Europa cristã. Admite-se, no entanto, que o manuscrito de Rolando seja o remanejamento de versões
anteriores. Ignora-se a autoria do texto apesar da menção a Turoldus no último verso (“Cifaltla geste que
Turoldusdeclinet”), porque o sentido de declinet permanece obscuro, podendo ser compor, transcrever, recitar ou
copiar. O enredo da canção repousa sobre um fato real ocorrido no reinado de Carlos Magno (768 814), a batalha
de Roncesvales (15/8/778), quando o rei (742-814), que só se tornará imperador em 800, tinha apenas 36 anos. O
exército franco havia ido a Saragoça por solicitação do governador de Barcelona, Sulayman Ben Al Arab,
revoltado contra o emir de rdoba, seu superior. O desentendimento entre os chefes árabes e uma revolta de
saxões ao norte levaram Carlos a retornar em poucas semanas e não após os sete anos do poema: é quando bascos
cristãos dizimam sua retaguarda, perecendo no combate sobrinhos do rei, como Rolando, e o bispo Turpino entre
outros. A CANÇÃO de Rolando. Tradução, notas e prefácio de Lígia Vassalo. Rio de Janeiro: F. Alves, 1988.
(p.8)
Éderson J. de Vasconcelos
ABÁSSIDAS E OMÍADAS - UMA PENÍNSULA IBÉRICA CONECTADA ENTRE O ORIENTE E O
OCIDENTE
226
Magno e sua intervenção na Península. O conflito bélico entre Carlos Magno e Abd al-Rahman
I é abordado na Primera crónica general de España:
“Andados quatro annos del regnado del rey don Alffonso el Catholico,
que fue en la era de sietecientos et setenta et cinco,
quandoandauaellanno de la Encarnaci en siete cientos et treynta et
siete, et el dellimperio de Leo en ueyntiquatro, Abderrahmen, seyen do
mui alegre et lozano por la victoria que ouiera contra los franceses por
el su grand poder, ouo muy a coraqon de destroyr toda a tierra de
Francia, et passo estos rios: Amnes, Garona et Dordonia. El ducEudo
quan do lo sopo, uino contra ell la segunda uez con muy grand hueste,
et lidio con ell; más mala uentura que ouiera de la otra uez non se par
ira aun aqui del, et ouosse de uencer, et fuxo; et tantos fueron los que
y moriron de los franceses que non a omne que los contas se.
Abderrahmen, cuedando que este bien nol uinie de Dios, sinon del su
poder mismo, cresciolsoberuia et quiso entrar masadelan te por tierra
de Francia por seguir al ducEudo et non se partir del fasta quelmatasse;
et paso por Petragorica et Santonna et Pictauia, crebantando et
quemando quantas cibdades et eglesias et castiellosfallaua. Et destruxo
et quemo la cíbdad de Tors, et la eglesia de sant Martín, et los palacios
del rey. Mas Dios, a qui pesa con la soberuia, cerrol los puertos de la
mar, esto es los días de la uida. Eudo el ducfuessepora Carlos, que era
rey et c sul de Francia et de Germania, a demostrarle el crebanto et el
mal que Abderrahmenauie fe cho a los franceses. Carlos, como era
omne guerrero et muy sabidor darmas, quandooyo lo que el duc le dizie
llego todos tos germanos et los gepidas, et leuolosdessouno con
aquellos franceses que escaparan de la batalla, et fue lidiar con
Abderrahmen. Et duro la fazien da siete dias que se non podienuencer
los unos a los otros; pero al cabo, por que la yent de Austria et los de
Germania eran mas fuer tes et mayores de cuerpos et de miembros et
mucho masualientes, fueron los moros uenudos, et moriron y muchos
dellos con aquellAbderrahmen su sennor. Et duro aquella ba talla
desde la manna fasta la noche; et desi los franceses tornáronsepora sus
posadas. Et otro diamannaquando ellos uiron las tien das de los moros
fincadas assi como las uiran ante noche, cuedaron que querien los
moros otra uez comentar la batalla; masquando so pieron por ueedores
que enuiaronalia que non estaua en las tiendas ninguno, fueron por
tomar quanto y estaua. Pero ouieron miedo que les tenien los moros
celados en el camino et en los puertos por o auten de passar; et
dexaronsedaquello, et fueronsepora sus tieterras. Et los moros que
escaparon tornáronseotrossipora la GalliaGothica. Otrossiesseanno
lidio Carlos con Eudo el duc en Gas conna, et uenciol, et tolliol el
sennorio, et al cabo matol por quel metiera los moros en la tierra. En
esseannomuriell emperador Leo, et regnoempos el su fijo Costantin el
quartotreynta et cinco annos. Otrossi en este anno, pues que Carlos
Éderson J. de Vasconcelos
ABÁSSIDAS E OMÍADAS - UMA PENÍNSULA IBÉRICA CONECTADA ENTRE O ORIENTE E O
OCIDENTE
227
Martel el grand lidia dorouoassessegado et mucho acrescentado. el
regno de Igs franceses, muri, et dexo en su logar a sus fijos Carlos
Magno et Pepino. Pero Carlos Magno, que era mayor, tomo el regno
et duro en el sennorionueueannos. Mas agoradexa la estoria de fablar
de los moros et desto al, et torna a contar del rey don Alffonsso. […]
Ocha luego a Qaragoija a grandpriessa; e ell estando y, llegáronle
cartas de tierra de Affrica que los moros de Espanna que se trabaiauan
de aleársele. E el luego que ouo ley as las cartas,
fuesseporaCordouaquantomas pudo, et entro en la uílla de partes de la
sierra a escuso, de guisa que nunqua lo sopo ninguno. Desienuioallend
mar por ues; et luego quel llegaron, entro en ellas et fuese pora Affrica.
E pues que ouo llegada muy grand hueste de moros, uinossepora
Cordoua, et mato todos aquellos que sopo quel eran contraltos et que
se le querien al ar, demostrando! amizdaddelant et ge la non sstenien
después. E assiassesegando el tod el bollicio que era aleuantado et
enderes ando su tierra, mantouo el regno mui bien et onrradamientre.
EsseannodexoCarlos Magno, rey de Francia, el regno a su hermano
Pepino et fuesse el pora Roma al papa Zacarias, queldiesse el habito
de la orden de sant Beneyto. Et el papa fizolo. Et Carlos Magno moro
luego de primero en el monesterio que es en el monte Siprati que se
fiziera el et fizo y muy sancta uida. Después fuesseporal monesterio de
Mont Cassin et allí acabo su uida en ser uicio de Dios”.
PCGE, 2021: 358-359-360
Como alicerce da Primera crónica general de España, compreendemos, neste momento, uma
concepção global presente na crônica cristã medieval. Os conflitos internos da unidade política
islâmica forjaram um novo califado, o de Córdoba, assim como um promoveram o surgimento
de uma nova dinastia muçulmana (os abássidas) no oriente médio. Essa relação evidencia-se ao
se pensar as conexões entre os omíadas do mundo ibérico e o Império Bizantino, além dos
abássidas de Bagdá e o império franco.
Para Juan A. Souto Lasala (2009: 30), os abássidas do oriente pediram ajuda ao imperador
carolíngio, Carlos Magno, contra Córdoba, devido a tal relação com os francos, em 778,
Saragoça recebeu auxílio de Magno. Todavia, mesmo com recursos e o cerco dos francos, não
foi o suficiente para uma vitória cristã no território ibérico. O exército franco ao retornar para
o seu território de origem acabou sofrendo uma emboscada nos Pireneus.
A manutenção dos califados omíada e abássida se manteve através das relações de poder e de
alianças políticas. Essa perspectiva fica mais clara a partir das fontes ibéricas, uma vez que o
califado omíada ibérico fez alianças com o Império Bizantino
7
e o califado abássida estreitou
laços com os francos.
7
O papel de Bizâncio na evolução da civilização islâmica foi enorme. Os árabes que vinham do deserto eram um
povo simples, muitos deles analfabetos, respirando ascetismo. Quase todos os requintes que adquiriram
Éderson J. de Vasconcelos
ABÁSSIDAS E OMÍADAS - UMA PENÍNSULA IBÉRICA CONECTADA ENTRE O ORIENTE E O
OCIDENTE
228
Juntamente com a vitória omíada contra Carlos Magno, foi possível o desenvolvimento do
Emirado de Córdoba, em que o primeiro emir foi Abd al-Rahman I. A partir dessas conexões,
percebemos uma teia de poder que se desenvolveu entre muçulmanos e cristãos. Segundo Souto
Lasala (2009: 43-44), os Omíadas de al-Andalus descendiam dos califas de Damasco e foram,
portanto, os últimos representantes da primeira dinastia do Islão. Isto foi sempre tido em conta
pelos emires andaluzes, cuja legitimidade era evidente. No entanto, também é verdade que após
o golpe de 750, foi estabelecida outra dinastia califal, a dos Abássidas, sendo doutrinariamente
impossível que houvesse dois califas ou sucessores do Profeta ao mesmo tempo. Os primeiros
omíadas de al-Andalus, conscientes destas verdades, teriam então de se contentar com o título
de “emir”, caso não reconhecessem a supremacia abássida.
Nesse sentido, o mundo medieval apresenta diferentes ligações e conexões, não sendo somente
um espaço de conflitos e divisões entre cristãos e muçulmanos. Por essa chave de leitura,
podemos pensar um mundo medieval conectado em que havia relações de poderes entre
diversos grupos cristãos e islâmicos também, indo muito além do campo de batalha.
Tais relações com os francos e os muçulmanos na Península Ibérica não são abordadas na
Historia de Al-Andalus: Ibn Al-Kardabus,uma vez que o foco da documentação é narrar os
feitos muçulmanos em Al-Andalus. Com isso, a documentação não aborda as fragilidades
islâmicas dentro do mundo ibérico. Explanando o trabalho de Souto Lasala (2009: 30), de
acordo com os historiadores, “No final do emirado de Abd al-Rahman I, ficou claro que o novo
Estado Omíada dominava o país a partir da sua capital, Córdoba. Abd al-Rahman I foi o
responsável pela fundação do Estado Omíada da Andaluzia (uma ação que deve ser entendida
como o estabelecimento de um Estado oriental com vocação de continuidade em todos os
sentidos) no extremo ocidental do Império Islâmico”.
posteriormente foram aprendidos com os povos que lhes eram vassalos, alguns com os persas e muitos outros com
a civilização helênica, semita e cristã da Síria e do Egito. Essa civilização, bizantina, era continuamente
revitalizada por influência de Constantinopla, mesmo depois da Conquista. Não só os cristãos que viviam na Síria,
como o autor dos Troféus de Damasco de fios de século VII, consideravam-se súditos do imperador, como os
califas omíadas de Damasco se viram obrigados a empregar arquitetos, artistas e até estadistas gregos, cristãos tão
conhecidos como o próprio João Damasceno. Os antigos edifícios muçulmanos, a mesquita dos Omíadas em
Damasco ou o palácio campestre de Q’alat eram de linhas bizantinas e, na medida que a religião o permitia,
bizantina era também a sua decoração. Mas não isso: os registros senatoriais do califado eram mantidos em
grego até princípios do século VIII. A transferência da capital muçulmana para Bagdá aumentou a influência persa,
fazendo decrescer a influência bizantina, embora até mesmo Bagdá tivesse sido parcialmente construída por
arquitetos e pedreiros gregos. O movimento iconoclasta mostrou os efeitos do Islã sobre Bizâncio, e no século IX
o Imperador Teófilo foi sem dúvida estimulado pelas histórias da magnificência da corte dos Abácidas. Mas seu
reinado foi também a época de um renascimento intelectual era Constantinopla, pressurosamente copiado em
Bagdá. Os grandes geômetras bizantinos, como João, o Gramático, não atenderam aos apelos para que instruíssem
os sábios muçulmanos. A partir de então, as escolas de Constantinopla eram a Estrela Polar da intelligentsia do
Islã. Dois séculos mais tarde, Psellos relacionava entre seus alunos vários árabes e mesmo um babilônio.
RUNCIMAN, Steven. A Civilização Bizantina. Rio de Janeiro: Zahar, 1961. (p.201-202)
Éderson J. de Vasconcelos
ABÁSSIDAS E OMÍADAS - UMA PENÍNSULA IBÉRICA CONECTADA ENTRE O ORIENTE E O
OCIDENTE
229
Imagem VIII: SYPECK, Jeff. Becoming Charlemagne: Europe, Baghdad and the Empires of A.D
800. Copyright, Inglaterra, 2006. (p.7-8)
Após a morte de Abd al-Rahman e o processo de guerra civil omíada que irá acontecer devido
ao processo de sucessão ao trono, eclodiu-se novamente, no reinado de seu filho Hisham I (788-
796), prosseguindo durante quase um culo. Temos um hiato dentro da documentação islâmica
após a morte de Abd al-Rahman I, pois o cronista Ibn Al-Kardabus apresenta um recorte
temporal, passando a narrar os feitos do primeiro califa Abd al-Rahman III, mencionando
pequenos feitos antes da chegada do período do califado.
A Primera crónica general de España passa a abordar, neste contexto, algumas batalhas
referentes ao processo de expansão territorial cristão. O que podemos pensar referente ao triunfo
cristão no campo de batalha contra os muçulmanos é que as vitórias latinas no campo de batalha
são inversamente proporcionais aos conflitos internos nas frentes políticas islâmicas no
território hispânico. Isso significa que o avanço cristão acontece em contextos em que a
unidade política muçulmana está enfraquecida. Iremos abordar essas relações no capítulo
seguinte.
Ambas as documentações apresentam acontecimentos ocorridos após a formação do emirado
com Abd al-Rahman I. Relatos de conflitos entre cristãos e muçulmanos podem ser pensados
como uma consequência de disputa e fragilidade políticas por poder dentro do emirado de
Córdoba. Ibn Al-Kardabus descreve tais combates entre cristãos e muçulmanos da seguinte
forma:
Éderson J. de Vasconcelos
ABÁSSIDAS E OMÍADAS - UMA PENÍNSULA IBÉRICA CONECTADA ENTRE O ORIENTE E O
OCIDENTE
230
“Su hijo Abd al-Rahman al-Nasiribn 'Abd Allah gobernó cuando tenía
veinticinco años, y permaneció reinando cincuenta años, de ellos [pasó]
veinticinco en incursiones y guerras, hasta que todos los cristianos se
le sometieron, tras haber retgrocedido a los confines de su país y haber
muerto en gran número. Los otros veinticinco años [los pasó] en el ocio,
la tranquilidad y la licencua (mayun), ordenando a la sazón la
construcción de Al-zahra, que se terminó tras veinticico años. [...] Los
impuestos que eran recaudados en el año, llegaban a cincom millones
de dinares y se dividían en tercios: un tercio iba al erario (bayt al-mal),
[otro] tercio se gastaba en elos ejércitos, y el [otro], se daba a los
poetas, predicadores (jutba') y mendigos (quassad)”.
HADIA, 2008: 81-82.
Outro aspecto importante a ser considerado no contexto são os relatos em ambas as
documentações, ou seja, devido à fragilidade do reino de Córdoba, houve alguns avanços na
expansão territorial cristã ibérica. Podemos pensar que a fragilidade da unidade islâmica foi o
que proporcionou o avanço latino, isto é, as crises dinásticas dentro do islã ibérico são
inversamente proporcionais aos avanços e as conquistas cristãs dentro do mundo ibérico.
Por consequência, podemos contrapor as documentações e perceber as peculiaridades presentes
em ambas as narrativas. Para os cristãos que possuíam o objetivo de legitimar o processo de
expansão diante do islã na Península Hispânica, a Primera crónica general de España relata
com destaque as primeiras vitórias latinas contra os islâmicos, muitos desses triunfos militares
são apresentados através da presença de santos e mártires da igreja. Em outros termos, os
cronistas cristãos, muçulmanos e judeus que coexistiam na corte do Rei Sábio ajudaram na
compilação da obra de Alfonso X. Eles buscavam demonstrar que o processo expansionista
latino estava atrelado à vontade divina e, por isso, havia a presença e a participação efetiva de
divindades cristãs frente ao campo de batalha.
Para o islã, a compreensão de que os fatos históricos estão relacionados à vontade divina
também é muito forte. O cronista Ibn Al-Kardabus desenvolve a sua obra pensando inicialmente
nas raízes dos almóadas e buscando encontrar as origens com o profeta Maomé. Por essa ótica,
os feitos dos almóadas eram justificados e legitimados por sua relação direta com o profeta e
também com Alá.
A partir da vontade divina, aborda-se com esplendor a chegada dos muçulmanos à Península.
Posteriormente, o cronista busca relatar o apogeu e o período áureo da presença islâmica no
mundo ibérico, como, por exemplo, o emirado e o califado do Cordoba. O objetivo central da
narrativa é legitimar o processo de expansão territorial pretendido pelos almóadas, os quais
tinham a meta de recuperar a unidade política islâmica no mundo Ibérico. Melhor dizendo, a
crônica de Ibn Al-Kardabus apresenta como finalidade a busca pela conquista da Península
Ibérica novamente, restaurando, assim, o califado de Córdoba.
Éderson J. de Vasconcelos
ABÁSSIDAS E OMÍADAS - UMA PENÍNSULA IBÉRICA CONECTADA ENTRE O ORIENTE E O
OCIDENTE
231
Referências bibliográficas
Albarrán, J. (Org.). (2024). Al-Andalus y la guerra. Larousse.
Albarrán, J. (2020). Ejércitos benditos: yihad y memoria en al-Andalus (siglos XXIII).
Editorial Universidad de Granada.
Albarrán, J. (2013). La cruz en la media luna: los cristianos en Al-Andalus: realidades y
percepciones (siglos VIIIXIII). Sociedad Española de Estudios Medievales.
Alcantud, J. A. G. (2014). El mito de Al Ándalus: orígenes y actualidad de un ideal cultural.
Almuzara.
Baloup, D. (2023). La reconquête: un projet politique entre chrétienté et islam. Armand
Colin.
Barbero, A., & Vigil, M. (1984). Sobre los orígenes sociales de la Reconquista. Ariel.
Barkai, R. (1984). Cristianos y musulmanes en la España medieval: el enemigo en el espejo.
Rialp.
Barthélemy, D. (2010). A cavalaria: da Germânia antiga à França do século XII. Editora
Unicamp.
Bédier, J. (1923). La Chanson de Roland (Manuscrit d’Oxford). L’Édicion d’Arts.
Carrasco, D. M., & Rodríguez, M. Á. M. (Orgs.). (2019). Al-Andalus y el Magreb: miradas
trasatlánticas. Trae.
Castro, A. (1948). España en su historia: cristianos, moros y judíos. Losada.
Castro, A. (1983). España en su historia: cristianos, moros y judíos. Grijalbo Mondadori.
Castro, A. (1985). Sobre el nombre y el quién de los españoles. Sarpe.
Catalán, D. (Ed.). (1975). La Crónica del moro Rasis: versión del Ajbar mulk al-Andalus de
al-Razi, romanzada hacia 1300. Cóndor.
Fierro, M. (2005). 'Abd al-Rahman III: The first Cordoban Caliph. Oneworld Academic.
Fierro, M. (2011). Abderramán III y el califato omeya de Córdoba. Editorial Nerea.
Fierro, M. (2024). ¿Qué sabemos de?: Al-Andalus. Catarata-CSIC.
Éderson J. de Vasconcelos
ABÁSSIDAS E OMÍADAS - UMA PENÍNSULA IBÉRICA CONECTADA ENTRE O ORIENTE E O
OCIDENTE
232
Fierro, M., & García-Sanjuán, A. (Eds.). (2020). Hispania, al-Ándalus y España: identidad y
nacionalismo en la historia peninsular. Marcial Pons Ediciones de Historia.
Fitz, F. G. (1998). Castilla y León frente al Islam: estrategias de expansión y tácticas
militares (siglos XIXIII). Universidad de Sevilla.
Fitz, F. G. (2001). La Reconquista. Editorial Universidad de Granada.
Fitz, F. G. (2003). La Edad Media: guerra e ideología: justificaciones religiosas y jurídicas.
Silex.
Fitz, F. G. (2019). La guerra contra el islam peninsular en la Edad Media. Síntesis.
Fitz, F. G. (2008). Las Navas de Tolosa. Ariel.
Fitz, F. G. (2024). Las Navas de Tolosa: la batalla del castigo. Desperta Ferro Ediciones.
Fitz, F. G. (2002). Relaciones políticas y guerra: la experiencia castellano-leonesa frente al
islam, siglos XIXIII. Universidad de Sevilla.
Fitz, F. G., & Portela, F. N. (2015). La Reconquista. Marcial Pons Ediciones de Historia.
Flori, J. (2020). Cavalaria: a origem dos nobres guerreiros da Idade Média. Madras Editora.
Flori, J. (2004). Guerra santa, yihad, cruzada: violencia y religión en el cristianismo y el
islam. Editorial Universidad de Granada.
Flori, J. (2010). El islam y el fin de los tiempos: la interpretación profética de las invasiones
musulmanas en la cristiandad medieval. Akal.
Flori, J. (2011). Las cruzadas. Editorial Universidad de Granada.
Guimarães, M. L. (Org.). (2013). Por São Jorge! Por São Tiago! Batalhas e narrativas
ibéricas medievais. UFPR.
Manzanares, A. M. R. (Ed.). (2024). La Crónica del moro Rasis. Iberoamericana.
Pidal, R. M. (Ed.). (2022). Primera Crónica General: Estoria de España. Agencia Estatal
Boletín Oficial del Estado.
Salgado, F. M. (Ed.). (2008). Historia de Al-Andalus de Ibn al-Kardabus. Akal.
Saloma, M. F. R. (2013). La Reconquista en la historiografía española contemporánea.
Preyfot.
Éderson J. de Vasconcelos
ABÁSSIDAS E OMÍADAS - UMA PENÍNSULA IBÉRICA CONECTADA ENTRE O ORIENTE E O
OCIDENTE
233
Saloma, M. F. R. (2011). La Reconquista: una construcción historiográfica (siglos XVIXIX).
Marcial Pons Ediciones de Historia.
Sánchez-Albornoz, C. (1974). El islam de España y el Occidente. Espasa-Calpe.
Sánchez-Albornoz, C. (1985). Orígenes de la nación española: el reino de Asturias. Sarpe.
Sánchez-Albornoz, C. (2007). De la Andalucía islámica a la de hoy (3ª ed.). Rialp.
Sánchez-Albornoz, C., & Viñas, A. (1981). Lecturas históricas españolas. Rialp.
Sanjuán, A. G. (2022). Medieval Iberia, essentialist narratives and globalization. RIME
(Rivista dell’Istituto di Storia dell’Europa Mediterranea), (11), 1333.
Schuback, M. S. C. (2000). Para ler os medievais: ensaio de hermenêutica imaginativa.
Vozes.
Seland, E. H. (2022). A global history of the ancient world: Asia, Europe and Africa before
Islam. Routledge.
Tyerman, C. (2005). The Crusades: A very short introduction. Oxford University Press.
Tyerman, C. (2007). Las guerras de Dios: una nueva historia de las cruzadas. Editorial
Crítica.
Vasconcelos, É. J. de. (2019). A Reconquista: pesquisa e ensino da história medieval ibérica
por meio de objeto educacional (Dissertação de mestrado). Universidade Federal de Alfenas
(Unifal-MG).