afetuosa”, queremos dizer que a família é muito amorosa e carinhosa. No entanto, o conceito
de afeto, além do senso comum, não se restringe à ideia de receber ou dar carinho à alguém.
Trata-se, antes, da capacidade de afetar e ser afetado por algo ou alguém, uma interação que
não está necessariamente atrelada a emoções positivas, mas abrange uma ampla gama de
experiências e intensidades. Portanto, ser afetado por algo é, para além do sentimento em
relação àquilo, a alteração no meu “eu” e na minha maneira de me relacionar com o mundo. Ao
tratar deste afeto, ressalto a definição apresentada por Jeanne Favret-Saada em seu texto
traduzido por Marcio Goldman (2005), onde afirma: “Não de afeto no sentido da emoção que
escapa da razão, mas de afeto no sentido do resultado de um processo de afetar, aquém ou
além da representação” (Goldman et al., 2005: 150).
Entender os afetos como algo diferente das emoções é importante para entender por que eles
podem estar presentes em procedimentos artísticos. Sob essa perspectiva da autora, o afeto é
definido como a ação de afetar-se por um processo e, simultaneamente, de afetar por meio dele.
Jean-Luc Moriceau aprofunda essa distinção ao traçar um panorama sobre as diferenças entre
afeto e emoção:
“Os afetos, vocês sabem, vou mencionar rapidamente aqui, os afetos
são diferentes de emoções. A emoção é algo que eu conheço, eu
reconheço, eu posso nomear, eu posso dizer que tem uma significação,
é familiar. Por exemplo, eu estou vendo uma criança chorando, porque
o brinquedo está quebrado, eu a entendo, eu vou ficar triste, mas eu sei
o que é. Essa situação está comunicando uma lembrança em mim, é
familiar, eu a conheço”.
Moriceau, 2020: 25.
Nota-se, diante do exposto, que a emoção é algo gerado pela empatia ao ver a situação e sentir
aquilo por reconhecer o sentimento. O afeto está em algo que não reconheço. Afetar-se por uma
situação não está ligado a sentir empatia por essa situação ou por alguém. A empatia surge dessa
identificação, e não é isso que buscamos com o afeto.
“O afeto é algo que é mais estranho, ou estrangeiro, que não sei o que
significa imediatamente. É algo que é de fora, não é de dentro de mim,
ele vai me obrigar a pensar, a mudar. Muitas vezes o afeto está
misturado, atua desfamiliarizando o já conhecido, fazendo com que ele
se abra ao devir”
Moriceau, 2020, p: 25.
Ou seja, o afeto não está relacionado com a empatia, nem com as emoções que sentimos, mas
trata do poder que temos de afetar e ser afetados em determinada situação, trata de como o meu
“eu” é modificado por meio desses afetos, partindo de situações específicas e que não se
repetem, pois cada situação traz à tona determinados afetos que me modificam, sem, contudo,
me informar sobre como atravessa o outro. Ao contrário, ocupar determinado lugar “não me
informa nada sobre os afetos do outro; ocupar tal lugar afeta-me, quer dizer, mobiliza ou
modifica meu próprio estoque de imagens, sem, contudo, instruir-me sobre aquele dos meus