acumulativa, marcada pela recitação de eventos fundadores e pelo retorno ritual ao tempo da
Escritura. Assim, quando Benjamin visita Jerusalém, a cidade não é descrita apenas como um
lugar físico devastado, mas como um locus mnemônico, impregnado pela presença ausente do
Templo, uma “ruína ativa” que ancora a esperança messiânica. Cada cidade, cada comunidade
mencionada, transforma-se em fragmento de um corpo disperso — o corpo de Israel —
reconstituído pela escrita. Essa estrutura narrativa faz do texto um espaço de confluência entre
história, memória e rito. Michel de Certeau, ao analisar o estatuto da escrita histórica, observa
que “toda narração é já um gesto ritual, um modo de tornar presente o ausente” (A escrita da
história, 1975). Em Benjamin, esse gesto assume caráter litúrgico: ao enumerar nomes,
quantificar judeus, descrever sinagogas e sepulturas, ele realiza uma “contagem sagrada”, uma
espécie de inventário espiritual da dispersão. A lista, aparentemente neutra, converte-se em
forma de oração. A introdução do Itinerário registra que: “em cada lugar que entrou, fez um
registro de tudo que viu, ou que lhe foi contado por pessoas de digna confiança – coisas que
nunca se ouviu falar anteriormente na terra de Sefarad (Eapanha). Ele também menciona alguns
dos sábios e homens ilustres residentes em cada lugar. (Benjamin de Tudela, p. 37). O texto não
apenas documenta o mundo, mas o reorganiza simbolicamente, criando uma continuidade entre
o exilado e seus ancestrais.
A escolha de Benjamin por uma organização paratática, tal como observa Spiegel, dispensa
articulações causais ou progressões teleológicas: o relato se faz por justaposições, em que o
significado emerge menos da linearidade do enredo e mais da constelação de sentidos
acumulados. Essa estrutura favorece o que Spiegel e Koselleck denominam de “simultaneidade
do não simultâneo”, possibilitando que o presente da diáspora reverbere como nova encarnação
de exílios passados — o egípcio, o babilônico, o romano. A narrativa se torna, assim, um gesto
de atualização simbólica e teológica da experiência coletiva, em que o tempo sagrado se impõe
sobre o tempo histórico. Essa forma de escrita aproxima o Itinerário daquilo que Paul Ricoeur
denominou “tempo narrado”, em oposição ao tempo cronológico. Para Ricoeur (Tempo e
narrativa, 1983), a narrativa é o lugar onde o tempo humano se torna inteligível, e o ato de
contar cria uma ponte entre o vivido e o lembrado. Em Benjamin, o tempo narrado é também
tempo ritual: cada fragmento de memória é reinscrito como se fosse novo, e o passado torna-se
continuamente presente por meio da leitura.
A perspectiva de Patrick Geary sobre a memória como instrumento de reconstrução identitária
também é fecunda para entender a lógica do Itinerário. Para Geary, a memória social não é um
repositório passivo, mas um sistema seletivo, orientado pelas demandas do presente e pelo
desejo de permanência. Nesse quadro, Benjamin atua como agente de preservação e
reorganização de uma identidade dispersa, atribuindo inteligibilidade às comunidades visitadas
não por seu papel na história universal, mas por seu vínculo com um passado fundador, um
tempo mítico que ressurge na escrita. Em outras palavras, sua obra tensiona os limites entre
documento e monumento, entre crônica e midrash. O Itinerário, sob essa perspectiva, é mais
do que testemunho — é ato de seleção e reordenação simbólica. Benjamin organiza o espaço
segundo uma lógica espiritual: não busca coerência geográfica, mas coesão identitária. O mapa
é substituído pela memória. Em termos metodológicos, isso confirma a tese de Estevão de
Rezende Martins de que o documento histórico não deve ser tomado como reflexo do real, mas
como forma de produção de sentido. Ao mobilizar o “realismo mitigado” e a “plausibilidade