Entretanto, é perceptível como, ainda que traga a figura do Mestre Wertemberg Nunes como
central ao discorrer sobre a Festa, o estudo discute sobre a importância do evento para com toda
a Aldeia, não somente com relação a Nunes. Isto é, além de sublinhar a singularidade de um
indivíduo associado às brincadeiras da festividade como um todo, essa posição ainda transpassa
ideias como às de Blanchot (2013, p. 17) que, ao dialogar sobre o princípio da incompletude
em um ser, destaca que “a existência de um ser chama o outro, ou uma pluralidade de outros
[...] Ele faz apelo, desse modo, a uma comunidade: comunidade finita, pois que ela tem, por
seu turno, seu princípio na finitude dos seres que a compõe [...]”. Esse pensamento se cruza
com afirmações do próprio Mestre Nunes, que traz para a Festa dos Bonecos Gigantes
comportamentos bastante particulares de si mesmo e, principalmente, daqueles com quem
convive: “Tanto que alguns pressupostos que eu tô te contando você pode ver que tem algumas
coisas que são bem íntimas nossa, tá ligado a meu filho, tá ligado ao que eu pensei, tá ligado
a minha forma de pensar, não tá ligado ah ideia de ah eu criei pra tal coisa” (Nunes, apud
Santos; Veloso, 2021, p. 17). A Festa não é definida somente pela figura de Nunes, nem tão
somente daqueles que a inspiraram. Ela se constitui enquanto representação da identidade
desses sujeitos, da pluralidade de costumes, modos e maneiras dos seres desta comunidade que
as usam para estabelecer um local de pertencimento em comum. Essa “existência de um que
chama o outro”, portanto, é um exemplo de comunidade que se oferece “como tendência a uma
comunhão, [...] uma supraindividualidade que se exporia às mesmas objeções que a simples
consideração de um único indivíduo, enclausurado em sua imanência” (Blanchot, 2013, p. 18).
Ainda aduzindo as compreensões expostas por Blanchot, outra reflexão encontra na Festa dos
Bonecos Gigantes um exemplo. Discorrendo sobre Comunidade e Desdobramento, entendemos
que a comunidade “é a apresentação a seus ‘membros’ de sua verdade mortal (é o mesmo que
dizer que não há comunidade formada de seres imortais...)” (Blanchot, 2013, p. 23). Partindo
deste princípio, é fundamental perceber que, por este viés, uma comunidade nem sempre é
inevitável ou necessária, ao contrário de uma célula social, já que não tem por fim um valor de
produção – ela não “serve” para nada senão tomar presente o serviço de outrem até na morte
(Id.). Tal percepção encontra o questionamento que alguns fazem à Aldeia de TabokaGrande,
que insistem em conhecer não só a origem das festividades características da região, mas
também o seu propósito, encontrando dificuldades para assimilar com facilidade a “simples”
resposta que recebem:
“Chega um repórter que vem de fora, aí pergunta o que é isso, aí a
gente explica que é o Tabokão, os bonecos. Aí o cara começa a
endoidar, a dizer que é milenar, que é coisa de comunidade e perguntar
quem inventou isso? Foi a gente. Ninguém acredita que foi a gente que
inventou”.
Nunes apud Santos; Veloso, 2021: 17.
Como referenciado ao início deste estudo, aqui não estamos “presos” à obrigação de procurar
todos os significados de estar em comunidade. Dessa maneira, mesmo que possam existir outras
concepções, há de se apontar que as brincadeiras da Aldeia estão livres de significados