Taylon P.Nizer e Robson Rosseto
À PROCURA DE CARACTERIZAÇÕES DO TERMO PERTENCIMENTO EM DIÁLOGO COM O
CONCEITO DE COMUNIDADE
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À PROCURA DE CARACTERIZAÇÕES DO TERMO PERTENCIMENTO EM
DIÁLOGO COM O CONCEITO DE COMUNIDADE
BUSCANDO CARACTERIZACIONES DEL TÉRMINO PERTENENCIA EN
DIÁLOGO CON EL CONCEPTO DE COMUNIDAD
IN SEARCH OF CHARACTERIZATIONS OF THE TERM BELONGING IN
DIALOGUE WITH THE CONCEPT OF COMMUNITY
Taylon P.Nizer
1
PPGARTES-UNESPAR
taylonnizer@gmail.com
Robson Rosseto
2
PPGARTES-UNESPAR
robson.rosseto@unespar.edu.br
Resumo
Este artigo se dispõe a estudar definições sobre o termo pertencimento relacionado ao que
entendemos como comunidade. Elaborado como parte da conclusão da disciplina eletiva “A
Dimensão Política da Colaboração: Revitalizando o Comum”, pertencente ao PPGARTES da
Universidade Estadual do Paraná/Campus de Curitiba II, este estudo se dedica a explorar como
o sentido de se sentir pertencente a algo dialoga com a presença de alguém em uma comunidade,
identificando o papel que a identidade/singularidade de um indivíduo tem nessa construção
entre o ser e os outros. Para tanto, serão referenciados autores que estudam sobre pertença e
sobre o comum, trazendo ponderações que serão colocadas em interlocução com um trabalho
que identifica o Encontro dos Gigantes de Palmas, festividade que faz parte da Festa de
Taquaruçu que acontece em Palmas, no estado do Tocantins. Essa interseção entre concepções
pode auxiliar na compreensão de como um evento que existe para afirmar os vínculos de
pertencimento entre os membros de sua comunidade se associa aos conceitos investigados.
Palavras-chave:
Pertencimento; Comunidade; Identidade; Singularidade; Enraizamento.
1
Professor. Licenciado em Teatro pela UNESPAR. Mestrando do Programa de s-Graduação Mestrado
Profissional em Artes. Brasil.
2
Doutor em Artes da Cena pela UNICAMP. Docente e pesquisador do Programa de Pós-Graduação Mestrado
Profissional em Artes (UNESPAR). Brasil.
Taylon P.Nizer e Robson Rosseto
À PROCURA DE CARACTERIZAÇÕES DO TERMO PERTENCIMENTO EM DIÁLOGO COM O
CONCEITO DE COMUNIDADE
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Resumen
Este artículo tiene como objetivo estudiar las definiciones del término pertenencia relacionadas
con lo que entendemos por comunidad. Elaborado como parte de la conclusión del curso
electivo “La Dimensión Política de la Colaboración: Revitalizando lo Común”, perteneciente
al PPGArtes de la Universidad Estadual de Paraná/Campus de Curitiba II, este estudio está
dedicado a explorar cómo el sentimiento de pertenencia a algo dialoga con la presencia de
alguien en una comunidad, identificando el papel que la identidad/singularidad de un individuo
tiene en esta construcción entre uno mismo y los demás. Para ello, se referenciará a autores que
estudian sobre la pertenencia y lo común, trayendo consideraciones que se pondrán en diálogo
con una obra que identifica el Encuentro de los Gigantes de Palmas, fiesta que forma parte del
Festival de Taquaruçu que se realiza en Palmas, en el estado de Tocantins. Esta intersección
entre concepciones puede ayudar a comprender cómo un evento que existe para afirmar los
vínculos de pertenencia entre miembros de su comunidad se asocia con los conceptos
investigados.
Palabras clave
Pertenencia; Comunidad; Identidad; Singularidad; Enraizamiento.
Abstract
This article aims to study definitions of the term belonging in relation to what we understand
as community. Developed as part of the concluding work for the elective course “The Political
Dimension of Collaboration: Revitalizing the Commons,” offered by the Graduate Program in
Arts (PPGARTES) at the State University of Paraná / Curitiba II Campus, this study is dedicated
to exploring how the sense of belonging to something dialogues with an individual's presence
in a community. It identifies the role that identity/singularity plays in the construction of the
self in relation to others. To this end, authors who study belonging and the commons are
referenced, providing reflections that will be brought into dialogue with a case study on the
Encontro dos Gigantes de Palmas, a festivity that is part of the Festa de Taquaruçu held in
Palmas, in the state of Tocantins, Brazil. This intersection of concepts may help us understand
how an event that exists to affirm the bonds of belonging among community members connects
with the investigated ideas.
Keywords:
Belonging; Community; Identity; Singularity; Rootedness.
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À PROCURA DE CARACTERIZAÇÕES DO TERMO PERTENCIMENTO EM DIÁLOGO COM O
CONCEITO DE COMUNIDADE
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Pertencendo ao Outro
A investigação sobre a caracterização do termo pertencimento se mostra relevante uma vez em
que esta busca faz parte de um dos objetivos determinados em pesquisa realizada pelo projeto
de mestrado em Teatro pela UNESPAR
3
, o qual pretende, entre outros propósitos, estruturar
ações que visam aflorar ou fortalecer o sentimento de pertença de um grupo de pessoas junto
ao teatro. Para tanto, será necessário um estudo acerca das definições de pertença, espaço e
mediação, pontos importantes que, quando colocados em diálogo, poderão estruturar práticas
que atendam ao objetivo inicial. Assim, a fim de construir uma triangulação entre tais ideias, é
preciso começar entendendo mais sobre cada termo em específico, trazendo diferentes
entendimentos delimitados por outros autores, propondo assim novas premissas que se
tornarão os alicerces da pesquisa. Este artigo, portanto, pretende iniciar as ponderações acerca
do pertencimento, procurando entender como esse conceito pode se relacionar com a ideia de
comunidade. Seria toda comunidade um local de encontro e de pertença entre os indivíduos que
a compõe?
O surgimento do termo comunidade aparece para agregar nessa discussão através de uma das
disciplinas pertencentes ao programa da pós-graduação
4
, e logo se mostra condizente com as
intenções do projeto. Afinal, pode ser comum que, ao pensarmos sobre o que define uma
comunidade, possamos relacionar o tema com a pertença que este conceito atribui às pessoas
pertencentes. A disciplina, então, aparece como uma ocasião oportuna e favorável para que
contrapontos e equivalências dessas caracterizações sejam colocados em discussão. No entanto,
pode ser relevante para este estudo desenvolver um pensamento que não se obrigue a procurar
entender todos os aspectos que caracterizem uma formação em comunidade. Isso porque a
conceituação acerca do tema vem sendo colocada em discussão, na qual uma vasta variedade
de observações sobre o conceito vem sendo debatida. Dessa maneira, esse exercício não se
propõe a investigar todos esses distintos pontos de vista, pois tal estudo demandaria um foco
especial que poderia preterir a interlocução com a concepção de pertencimento. Neste início,
serão referidas as ponderações de Danilo Borges Dias (2011) sobre a vertente teórica do termo
comunidade, reflexões de Maurice Blanchot (2013) em sua obra “A Comunidade Inconfessável”
e os estudos de Márcia Pompeo Nogueira (2008) no campo do Teatro em Comunidades, entre
outros autores. Concomitantemente, o intuito é colocar essas considerações em perspectiva com
o estudo de Santos e Veloso (2021) sobre a Festa dos Bonecos Gigantes, do município de
Taquaruçu, no Tocantins, que busca defender a hipótese de que a celebração se caracteriza
como uma tradição inventada para que os membros da Aldeia TabokaGrande se sintam
pertencentes em comunidade. O trabalho se dedica a apresentar como se identifica esse festejo
e como ele pode ser observado como um estudo de caso sobre pertencimento. Logo, essas ideias,
quando colocadas em contraponto, podem auxiliar na construção da compreensão do que é a
pertença para indivíduos que se unem em comunhão.
3
Projeto intitulado “No ato de pertencer: um estudo sobre o espaço teatral e relações de pertencimento com seus
espectadores”, com orientação do Prof. Dr. Robson Rosseto, pertencente ao Programa de Pós-Graduação em Artes
- Mestrado Profissional da Universidade Estadual do Paraná/Campus de Curitiba II PPGARTES, pela linha de
pesquisa em Experiências e Mediações nas Relações Educacionais em Artes.
4
“A Dimensão Política da Colaboração: Revitalizando o Comum”, ministrada pelo Prof. Dr. Giancarlo Martins.
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De um modo abrangente, é comum que entendamos comunidade pela definição geral que a
caracteriza como sendo um local de partilha, onde um grupo de pessoas convive com as mesmas
tradições históricas e/ou culturais, com interesses ou atividades que as permitem viver em
sociedade, muitas vezes assimilando este conceito à mesma região ou organização social que
compartilham (Michaelis, 2015). No entanto, no exercício de pensar sobre a caracterização do
termo comunidade, esse entendimento é considerado superficial por se limitar a alguns critérios
ainda que não sejam vistos como antiquados, viver em comunidade envolve outras acepções.
A começar pelo entendimento convencionado de que o estar em comunidade não
necessariamente se restringe às unidades de tempo e lugar, pois a presença conjunta de
indivíduos em determinado espaço não obrigatoriamente denota a existência de uma
comunidade, sendo esse conceito mais amplo do que somente a reunião de um grupo de pessoas
(Dias, 2011). Desse modo, a discussão sobre comunidade deve iniciar partindo do ponto onde
percebemos que existir em comunidade vai além dos laços geográficos, compreendendo que os
vínculos sentimentais, valores, vivências e modos de comunicação próprios se assimilam de
maneira mais assertiva no que se refere à constituição de uma comunidade (id.). Kershaw citado
por Nogueira (2008, 131) faz essa distinção ao definir: “’Comunidade de local’ é criada por
uma rede de relacionamentos formados por interações face a face, numa área delimitada
geograficamente. [...] ‘comunidades de interesse’ tendem a ser explícitas ideologicamente”.
Tal acepção é referenciada por Nogueira (2008, 2009) que, assim como me aventei a investigar
os diferentes olhares acerca do termo pertencimento, seus estudos remetem às distintas ainda
que, muitas vezes, semelhantes , definições de Teatro em Comunidade. Sendo a teatralidade
o centro das interlocuções aqui propostas, sua pesquisa torna-se significativa para os objetivos
delimitados. Uma de suas diferenciações mais pragmáticas que frequentemente costuma ser
entendida por quem lança-se a pesquisar sobre o tema é o contraponto entre Teatro para, com
e por Comunidades. O Teatro para Comunidades refere-se ao realizado sem que, de antemão,
conheça a realidade dos locais, muitas vezes, periféricos. Tal conceito, que pode ser colocado
em paralelo com o termo Applied Drama
5
, deve ser visto como ultrapassado, uma vez em que,
por este olhar, a comunidade é deixada em segundo plano; divergente do Teatro com
Comunidades, que incorpora linguagens e assuntos, criando vínculos com a comunidade em
específico
6
; e ainda do Teatro por Comunidades, que inclui as pessoas no processo de criação
desde o princípio
7
. A autora conclui, portanto, que:
“De um modo geral, mesmo usando terminologias diferentes, esboça-
se um método baseado em histórias pessoais e locais, desenvolvidas a
5
Por opção da autora, o título é mantido em inglês para realçar sutilezas entre as terminologias: “É sobre o fazer
teatral em diferentes locais, algumas vezes nada glamurosos como por exemplo, asilos de idosos, abrigos de
sem-tetos, escolas e prisões dirigidas por praticantes que têm experiência [...]” (Nicholson apud Nogueira, 2008:
132).
6
Conceito que se assemelha ao termo Community Theatre, que se refere às práticas realizadas que tomam a
comunidade como ponto de partida e ganham forma teatral coletivamente sob o olhar facilitador de um artista,
profissional ou não (Kershaw; Erven, apud Nogueira, 2008).
7
Com grande influência de Augusto Boal, também pode remeter ao termo Community-basedperformance, que
constitui uma comunidade por meio de uma identidade primária compartilhada (Cohen-Cruz apud Nogueira,
2008).
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partir de improvisação. [...] Do meu ponto de vista podemos, no Brasil,
chamar essas práticas de Teatro em Comunidades.
Nogueira, 2008: 5-6.
Um dos apontamentos trazidos pela autora e que dialoga quanto ao que diz respeito ao termo
pertencimento é o conceito segundo Anthony Cohen:
“[Comunidade] É a entidade à qual as pessoas pertencem, maior que
as relações de parentesco, mas mais imediata do que a abstração a que
chamamos de “sociedade”. É a arena onde as pessoas adquirem suas
experiências mais fundamentais e substanciais da vida social, fora dos
limites do lar.”
Cohen apud Nogueira, 2008: 129.
Essa visão, que afirma que o estar em comunidade não necessariamente tem o mesmo
significado para todos, mas que encontra nos símbolos algo em comum (id.), vai de encontro
com outros olhares que caracterizam as ideias de pertença e individualidade. Advindo deste
princípio, é possível notar proximidades entre o que entendemos sobre estar pertencente a algo
ou algum local com os aspectos que qualificam a presença em comunidade. A argumentação
sobre apropriação entre sujeito e espaço vai de encontro com essas concepções:
“Isto se dá na medida em que as transformações do meio pelo homem
são resultantes de necessidades subjetivas, de emoções, de expectativas,
em suma, de vivências que vão fazendo parte da história pessoal do
sujeito. As ações sobre o espaço não se constituem, portanto, somente
em atos cognitivos ou materiais, mas em atos de investimento
emocional, momento em que o agir e o sentir encontram-se em plena
sintonia.”
Fischer apud Mourão; Cavalcante, 2006: 145.
Ainda que aqui exista um recorte de pesquisa que procura evidenciar a relação indivíduo-meio,
essa busca do ser está presente, seja no local ou na comunidade. Diz Pol citado por Mourão e
Cavalcante (2006, p. 145): a criação e o surgimento de um universo de significados que
constituem a cultura e o entorno do sujeito e que transformam, ao longo do tempo, um espaço
vazio em lugar significativo é o que se pode chamar de apropriação.O apropriar torna-se,
portanto, uma relação mútua entre indivíduo e espaço, onde sobretudo conexões emocionais
têm um papel vital nessa construção de sentidos, originando um sentimento de posse ou
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pertença? , que concebe uma autonomia desse sujeito para com o objeto. Em síntese, assim se
constitui o processo de enraizamento que pode ser observado, embora seja comum que fatores
diversos alterem e sugestionem esse caminho (id.). A partir desta concepção, logo, observa-se
a proximidade destes entendimentos com as acepções sobre comunidade considerando
termos presentes:
“A necessidade de pertencimento à comunidade significa também o seu
enraizamento no quotidiano do outro, bem como o conhecimento de sua
própria existência. Ou seja, (com)partilhar o espaço, existir com o
outro funda a essência do ser, sendo possível perceber-se na medida
em que se descobre pelo olhar de um interlocutor teoricamente igual.
[...] Na relação comunitária, o indivíduo, ao partilhar da existência, se
reconhece na vida do outro”
Paiva apud Dias, 2011: 43-44.
Se até então o enraizamento poderia ser compreendido na profunda associação entre indivíduo
e o seu meio que ocupa, aqui esta percepção encontra também o comum, afetando de forma
semelhante no como a presença de um modifica a existência do outro, tecendo uma rede que
nos aproxima mais do que buscamos estudar na comunidade. É possível, então, relacionarmos
o enraizamento então não somente quanto ao espaço no qual o indivíduo pertence, mas também
à presença do outro.
À vista disso, quando Mourão e Cavalcante (2006, p. 145) afirmam que Esse processo de
pertencimento e apropriação associado a um lugar é formador da identidade dos sujeitos,
tanto quanto suas relações familiares e sociais (grifo do autor), torna-se evidente a
incorporação entre as definições da identidade de um ser, seus laços de pertencimento entre ele
e os outros e sua vivência em comunidade. E, ao pensar sobre o que define a identidade de um
ser para com os outros, esse raciocínio pode permear a ideia de singularidade de um indivíduo,
já que essa identidade não pode ser qualificada por si só, dependendo de suas relações entre os
demais para ser determinada.
Retomando ideia de Cohen citada por Nogueira (2008: 129), “[os símbolos] podem, portanto,
prover um meio através do qual indivíduos podem experimentar e expressar seus vínculos com
uma sociedade sem comprometer suas individualidades”. Ao defender o ponto de que são as
pessoas que permitem que os símbolos da comunidade façam sentido, a autora afirma que esse
entendimento pode contribuir para definir o que seria o fazer teatro em comunidades, como
uma contribuição permanente na construção de sentido em determinado local. Já para Negri
(2005), que elucida uma distinção entre individualidades e singularidades, o que conhecemos
em uma multidão são singularidades cooperantes em conjunto, e não individualidades (conceito
que, aqui, se define por algo separado da totalidade), pois a multidão se constitui como o
reconhecimento para com o outro, algo que não pode ser entendido em si mesmo, definindo
uma singularidade que, a partir dela, se entende o comum. A identidade de lugar, de acordo
com Proshanskyet al. e trazida por Mourão e Cavalcante (2006, p. 146), é uma subestrutura
da identidade profunda da pessoa e é constituída por cognições sobre o mundo físico, relativas
à variedade e complexidade dos lugares nos quais ela vive e satisfaz suas necessidades
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biológicas, psicológicas, sociais e culturais. Ou seja, entendemos que o pertencer está
intrinsicamente conectado ao enraizamento do indivíduo para com a existência daqueles em
comum, tendo sua identidade construída a partir dos outros e para com os outros. Afinal,
consigo entender minha identidade e toda sua complexidade excluindo minha circunstância no
que diz respeito aos outros? Para se estudar o pertencimento de alguém em relação a algo, torna-
se necessário entender, além da história desse indivíduo, seus modos de agir em comunhão
sua identidade. Estudar uma comunidade, desse modo, pode requerer um olhar acerca da
singularidade de seus membros e de como ela atua na construção desse local em comum,
independente do objeto de pesquisa.
De Onde Vem a Festa dos Bonecos Gigantes?
Figura 1: Festa Gigantes de Palmas
Fonte: Divulgação Aldeia TabokaGrande, 2023
O Ponto de Cultura Aldeia TabokaGrande foi idealizado pelo Mestre Wertemberg Nunes,
teatrólogo, compositor, produtor e pesquisador cultural, para celebrar e preservar valores
ambientais e saberes das misturas de culturas tupi-afro-brasileiras do distrito de Taquaruçu, a
28 km do centro de Palmas, no estado do Tocantins. O Encontro dos Gigantes de Palmas, desfile
que ocorre desde 2001, é o mote principal da Festa TabokaGrande
8
, festividade anual que
promove atividades culturais que englobam cantorias, danças, trilhas e encontros diversos com
8
Uma festividade que poderia ser categorizada como uma das seis modalidades de teatro em comunidades segundo
Nogueira: “Existem também práticas teatrais comunitárias que se vinculam a comunidades de local, buscando
financiamentos diversos, mas existindo independente deles.” (2008: 135).
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temáticas sobre autoconhecimento, saúde e educação. A Aldeia TabokaGrande também realiza
práticas ritualísticas, como a Queima dos Tambores, ritual de purificação que acontece ao som
do ritmo criado Capoeboicongo mistura de raízes da Capoeira, Boi e Congo. Entre os bonecos
dos cortejos dos Gigantes de Palmas, cada um simboliza elementos significativos que
caracterizam o intuito da brincadeira, com representações acerca do povo tocantinense, da flora
e da fauna do local, havendo também a figura dos cinco Galos de Palmas, bonecos que
correspondem a cinco regiões da cidade. Nada disso surge do acaso:
“Nota-se que os elementos dos bonecos da aldeia são uma construção
cultural que envolve muitos elementos e processos de leitura de mundo
e de pessoalidades. Em vista disso, esse processo de aglutinar muitas
diferentes culturas em uma nova é tido como uma transculturação das
tradições.”
Santos; Veloso, 2021: 15.
Em sua pesquisa sobre a Festa dos Bonecos Gigantes, Santos e Veloso (2021) defendem a ideia
de que esta celebração deve ser reconhecida como uma tradição inventada, a partir de uma
necessidade de pertencimento em comunidade dos habitantes do local. A festividade possui
uma mística, uma dramaturgia e uma forma de bem-fazer muito próprio, seja por uma questão
estética dos bonecos, seja por toda a mística e significado por detrás de cada um dos
personagens da festa(Id, p. 13). O trabalho ainda contextualiza os elementos do evento e a
aponta como uma tradição inventada, possuindo regras
9
e particularidades próprias específicas
das vivências da aldeia. Ao associar este estudo de caso com pertencimento, o estudo conclui:
“Passa-se aqui a discutir a Aldeia e suas manifestações como esta
tradição inventada, que foi pensada como um espaço/lugar novo, com
a finalidade de seu fazedor conseguir se expressar e se identificar, ou
seja, se sentir pertencente. [...] Esse espaço, que foi inventado pelo
Mestre Wertemberg, permite entender e afirmar a hipótese inicial de
que a festa dos Bonecos Gigantes foi inventada para propiciar a seus
fazedores um espaço de pertencimento, simbólico e espacial. Há,
portanto, a necessidade de reunir-se em tribos, alterar o ambiente para
dele apropriar-se como seu espaço de aquilombamento”.
Santos; Veloso, 2021: 17-19.
9
“Os Bonecos Gigantes m personagens fixos, que seguem organizações muito fechadas, sendo, inclusive,
necessárias permissões para poder substituir uma cabeça ou uma roupa de algum boneco. Existem regras que foram
construídas pelos criadores da festa, as quais devem ser seguidas e respeitadas por aqueles que com ela se
relacionam.” (Santos; Veloso, 2021, p. 16).
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Entretanto, é perceptível como, ainda que traga a figura do Mestre Wertemberg Nunes como
central ao discorrer sobre a Festa, o estudo discute sobre a importância do evento para com toda
a Aldeia, não somente com relação a Nunes. Isto é, além de sublinhar a singularidade de um
indivíduo associado às brincadeiras da festividade como um todo, essa posição ainda transpassa
ideias como às de Blanchot (2013, p. 17) que, ao dialogar sobre o princípio da incompletude
em um ser, destaca que a existência de um ser chama o outro, ou uma pluralidade de outros
[...] Ele faz apelo, desse modo, a uma comunidade: comunidade finita, pois que ela tem, por
seu turno, seu princípio na finitude dos seres que a compõe [...]”. Esse pensamento se cruza
com afirmações do próprio Mestre Nunes, que traz para a Festa dos Bonecos Gigantes
comportamentos bastante particulares de si mesmo e, principalmente, daqueles com quem
convive: Tanto que alguns pressupostos que eu te contando você pode ver que tem algumas
coisas que são bem íntimas nossa, ligado a meu filho, ligado ao que eu pensei, ligado
a minha forma de pensar, não ligado ah ideia de ah eu criei pra tal coisa(Nunes, apud
Santos; Veloso, 2021, p. 17). A Festa não é definida somente pela figura de Nunes, nem tão
somente daqueles que a inspiraram. Ela se constitui enquanto representação da identidade
desses sujeitos, da pluralidade de costumes, modos e maneiras dos seres desta comunidade que
as usam para estabelecer um local de pertencimento em comum. Essa “existência de um que
chama o outro”, portanto, é um exemplo de comunidade que se oferece como tendência a uma
comunhão, [...] uma supraindividualidade que se exporia às mesmas objeções que a simples
consideração de um único indivíduo, enclausurado em sua imanência” (Blanchot, 2013, p. 18).
Ainda aduzindo as compreensões expostas por Blanchot, outra reflexão encontra na Festa dos
Bonecos Gigantes um exemplo. Discorrendo sobre Comunidade e Desdobramento, entendemos
que a comunidade “é a apresentação a seus ‘membros’ de sua verdade mortal (é o mesmo que
dizer que não comunidade formada de seres imortais...)(Blanchot, 2013, p. 23). Partindo
deste princípio, é fundamental perceber que, por este viés, uma comunidade nem sempre é
inevitável ou necessária, ao contrário de uma célula social, já que não tem por fim um valor de
produção ela não “serve” para nada senão tomar presente o serviço de outrem até na morte
(Id.). Tal percepção encontra o questionamento que alguns fazem à Aldeia de TabokaGrande,
que insistem em conhecer não a origem das festividades características da região, mas
também o seu propósito, encontrando dificuldades para assimilar com facilidade a “simples”
resposta que recebem:
“Chega um repórter que vem de fora, pergunta o que é isso, a
gente explica que é o Tabokão, os bonecos. o cara começa a
endoidar, a dizer que é milenar, que é coisa de comunidade e perguntar
quem inventou isso? Foi a gente. Ninguém acredita que foi a gente que
inventou”.
Nunes apud Santos; Veloso, 2021: 17.
Como referenciado ao início deste estudo, aqui não estamos “presos” à obrigação de procurar
todos os significados de estar em comunidade. Dessa maneira, mesmo que possam existir outras
concepções, de se apontar que as brincadeiras da Aldeia estão livres de significados
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consideráveis, complexos e, sobretudo, ancestrais segundo um de seus próprios fazedores ,
e que isso não apenas o a deixa de ser caracterizada como um exercício de existir entre os
demais, mas que também a afirma como comunidade: podemos desejar pôr à parte alguns
desses termos em sua conotação (grandeza, altura), pois a comunidade que não é comunidade
de deuses não o é muito menos de heróis, nem de soberanos [...]” (Blanchot, 2013, p. 24). O
pertencimento do ser no que se refere aos outros e a sua identidade, assim sendo, deve existir
enquanto comunidade mesmo privado de interpretações e finalidades. A programação da edição
de 2024 da Festa TabokaGrande evidencia essa reflexão, pois, além dos tradicionais Gigantes
de Palmas, trilhas e cantorias em Capoeboicongo, incluiu práticas corporais como yoga e
ginástica para crianças, arteterapia, práticas sobre autoconhecimento feminino, entre outros
encontros, na chamada Semana Encontro Saudável. A importância dessa comunhão seria menor
por ter origem pouco mais de duas décadas? Essas atividades, dessa maneira, destacam-se
para além das celebrações “ancestrais”: afirmam-se como modos de compartilhamento de
experiências, saberes e convívio, entrelaçando singularidades e formando uma rede de
identidades que definem a razão de ser da Festa e da Aldeia.
Considerações finais
Tais observações podem nos demonstrar, assim sendo, que o pertencer deve estar presente em
toda relação que envolva a singularidade/identidade de uns para com os outros em comunidade.
Um dos caminhos para a pesquisa, desse modo, poderia se dedicar a entender como a identidade
de um ou mais indivíduos afeta na constituição do comum em um estudo de caso, por exemplo.
Tomando como objetivo o estudo da pertença entre pessoas e o fazer teatral, esse recorte deve
se fazer presente, mesmo que o estudo sobre o pertencimento possa abranger outras áreas de
forma tão favorável quanto. Continuando no tema referido, um dos sentidos possíveis poderia
inclusive salientar a importância das diversas singularidades presentes na Festa de Taquaruçu,
não somente a de Mestre Nunes, uma vez em que a celebração acontece devido a uma união de
saberes de múltiplas identidades. Os termos considerados apontam para uma direção que
permite uma investigação que se permita explorar possibilidades nesse sentido.
Entendendo então que, correlacionando pertencimento e comunidade, podemos compreender a
pertinência de um estudo sobre enraizamento e como o vínculo de um ser afeta na existência
do outro na qualidade de pessoas que compartilham um comum, tomando como essencial a
investigação acerca de singularidades/identidades. Da mesma maneira que iniciar um estudo
sobre a Festa dos Bonecos Gigantes requer conhecer mais sobre o Mestre Nunes e os membros
da Aldeia TabokaGrande, sabendo que suas vivências, relatos e posições são inerentes à
festividade, uma pesquisa sobre o sentimento de pertencimento de um grupo de pessoas para
com o teatro deve exigir que essas singularidades sejam reconhecidas e que façam parte do
princípio do estudo, reconhecendo que este grupo, enquanto se situe, partilha entre seus seres
um comum. Com identidades que são inerentes à comunidade que assim se estabelece, além de
sedimentar o estudo científico, trazer essas considerações também é uma maneira de se respeitar
e cada ser, entendendo-o como essencial e inerente na construção desse coletivo.
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47
Referências:
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Comunidade. In Michaelis: Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa. (2015). Editora
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portugues/busca/portugues-brasileiro/comunidade/. Acesso em: 16 jul. 2024.
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Mourão, A. R. T., & Cavalcante, S. (2006). O processo de construção do lugar e da identidade
dos moradores de uma cidade reinventada. Estudos de Psicologia (Natal), 11(2), 143151.
Disponível em:
https://www.scielo.br/j/epsic/a/dy5CDPGTYfLLqGtDysDwLnS/abstract/?lang=pt#. Acesso
em: 19 jul. 2024.
Santos, A. C. dos, & Veloso, J. das G. (2021). Tradições inventadas e criação de espaço de
pertencimento: Uma revisão de literatura. Urdimento Revista de Estudos em Artes Cênicas,
3(42).
Taylon P.Nizer e Robson Rosseto
À PROCURA DE CARACTERIZAÇÕES DO TERMO PERTENCIMENTO EM DIÁLOGO COM O
CONCEITO DE COMUNIDADE
48
Taylon P.Nizer
Graduado em Licenciatura em Teatro pela Universidade Estadual do Paraná (UNESPAR-
2022). Mestrando em Artes pelo Programa de Pós-Graduação em Artes da Universidade
Estadual do Paraná (PPGARTES/UNESPAR-2024-2026). Atua como instrutor de artes cênicas
na Secretaria de Cultura, Esporte e Lazer (SEMEL) pela Prefeitura de Pinhais
Robson Rosseto
Ator, diretor teatral e docente do Programa de Pós-Graduação em Artes (PPGARTES) e do
Curso de Licenciatura em Teatro da Universidade Estadual do Paraná (UNESPAR), campus de
Curitiba II - Faculdade de Artes do Paraná. Atualmente, exerce o cargo de Diretor do Centro
de Artes do campus de Curitiba II. É líder do Grupo de Pesquisa Arte, Educação e Formação
Docente (CNPq/UNESPAR) e coordenador do Grupo de Trabalho Pedagogia das Artes Cênicas
da Associação Brasileira de Pesquisa e Pós-Graduação em Artes Cênicas (ABRACE) no biênio
2024-2025.