Para entender o contexto do neoliberalismo nos anos 1970, Foucault recorre à história de dois
ramos fundamentais do pensamento neoliberal, a saber a corrente austro-americana,
representada por Friedrich A. Hayek e Ludwig von Mises, e a corrente ordoliberal alemã, cujos
principais expoentes foram Walter Eucken e Wilhelm Röpke.: 1) o ordoliberalismo alemão da
escola de Friburgo, com autores que assumem que a prosperidade do mercado e sua lógica
concorrencial garantem a legitimidade do Estado; 2) o neoliberalismo estadunidense da escola
de Chicago (por exemplo, a teoria do capital humano), o responsável pela consolidação da
lógica de que todos os indivíduos podem ser empreendedores e responsáveis por si mesmos.
Laval explica que o refinamento disso é, por um lado, a articulação de uma construção jurídico-
política da concorrência e, por outro, uma construção indivíduo- -empresa da autovalorização.
Para Laval, é por esse caminho que Foucault explica a coerência política do neoliberalismo.
Desta forma, Dardot e Laval e retomam o debate aberto por Michel Foucault nos cursos do
Collège de France de 1977-1978 e 1978-1979, expostos respectivamente nos livros Segurança,
Território, População e O nascimento da biopolítica, apontando como se forma o
neoliberalismo, como nova racionalidade do capitalismo contemporâneo. O ponto de partida da
investigação dos autores é a crise do liberalismo, ou crise da governamentalidade liberal, nos
termos de Michel Foucault, que dura entre 1880 e 1930.
O objetivo é mostrar que o neoliberalismo não é uma simples continuidade das ideias liberais,
mas, antes, marca um rompimento com a versão dogmática do liberalismo, que via no laissez-
faire uma verdade inalienável. Enquanto o liberalismo clássico passava por uma profunda crise,
a Revolução Russa, o avanço do socialismo e a disseminação das ideias de esquerda por toda
Europa ameaçavam os liberais, impondo-lhes a necessidade de reformulação teórica do
liberalismo. É nessa conjuntura de crise política, econômica e teórica que surge a principal
tentativa de refundação do liberalismo: o Colóquio Walter Lippmann, em 1938.
Laval (ibid, o. 131) explica ainda que o curso sobre o nascimento da biopolítica é uma parte
componente de um fenômeno histórico mais amplo, a saber, a razão liberal. Foucault ataca todo
tipo de economicismo em suas análises, presente tanto entre os liberais como entre os marxistas.
Com Foucault, o neoliberalismo ganha uma conotação de arte de governar, indo muito além,
portanto, de uma transformação ou um desdobramento do capitalismo. Foucault trata da questão
neoliberal sob diferentes prismas, ainda que sempre ancorado em um aparelho conceitual
estável e coerente, segundo a avaliação de Laval(ibid, p 138) Ele explica que, ao longo da obra
do grandprofesseursobre o assunto, a questão neoliberal é investigada de maneiras variadas: a)
pelos seus efeitos sociais; b) como núcleo cognitivo da ciência econômica mainstream ou nova
mentalidade dominante das elites políticas; c) como uma estratégia de ataque, no campo de
poder, da mão direita (isto é, oligarquias convertidas aos ideais do capitalismo internacional) à
mão esquerda (isto é, todo tipo de serviço público de saúde, educação, justiça).
De forma mais unívoca, a perspectiva foucaultiana vê o neoliberalismo como um modo de
governamentalidade. É relevante explicar que as análises de Foucault sobre a
governamentalidade se baseiam na investigação da relação estabelecida entre a ideia de meio –
derivada, segundo Laval, da noção de milieu de Canguilhem somada à ideia de poder imanente
a toda relação humana derivada de Bentham – e o sujeito. O caso do neoliberalismo permitiu a
Foucault mostrar o jogo entre a liberdade individual e as condições impostas pelo meio. A