Elson Faxina e Luiz G. Barros
A INFLUÊNCIA DAS FILMADORAS VX NO IMAGINÁRIO SKATISTA
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A INFLUÊNCIA DAS FILMADORAS VX NO IMAGINÁRIO SKATISTA
LA INFLUENCIA DE LA VIDEOCÁMARA VX EN LA IMAGINACIÓN DEL
SKATEBOARD
THE INFLUENCE OF VX CAMCORDERS ON SKATEBOARDING IMAGERY
Elson Faxina
PPGARTES-UNESPAR
elfaxina@gmail.com
Luiz G. Barros
UFPR.
luiz_gustavobs@outlook.com
Resumo
A Filmadora Sony DCR-VX1000 é uma das câmeras que mais gravaram filmes e vídeos
icônicos e históricos no universo do skate, e mesmo após quase duas décadas do fim de sua
fabricação ainda é a câmera mais usada e admirada por grande parte dos skatistas. A estruturada
VX é ideal para filmar skate e o seu uso criou uma certa cultura, com muitas histórias dentro
da cena audiovisual skatista. Em função disso, o objetivo deste estudo foi analisar a influência
dessas câmeras no imaginário de produtores de vídeos de skate e, consequentemente, skatistas.
As metodologias utilizadas foram estudos de estéticas, entrevistas com ‘VX makers’ e análises
artístico-culturais, tomando como base em diversos autores, como Giuslaine Dias, Henri
Lefebvre, Umberto Eco e Stuart Hall. Entre os resultados colhidos estão o levantamento dos
aspectos favoritos das filmadoras para os makers, a identificação da existência de um certo culto
a essa câmera a partir da admiração e sua história, a associação das câmeras VXs à praticidade
nos registros em ‘picos’ de skate e, consequentemente, o desenvolvimento de características
narrativas próprias do universo audiovisual skatista por elas possibilitadas.
Palavras-chave: Skate, Câmera, Audiovisual, Estética, Sony DCR-VX1000.
Resumen
La videocámara Sony DCR-VX1000 es una de las cámaras que grabó las películas y vídeos
más icónicos e históricos del universo del skate, e incluso después de casi dos décadas desde
que terminó su producción, sigue siendo la cámara más utilizada y admirada por la mayoría de
los skaters. La estructura VX es ideal para filmar skate y su uso ha creado una cierta cultura,
con muchas historias dentro de la escena audiovisual del skate. Por tanto, el objetivo de este
estudio fue analizar la influencia de estas cámaras en la imaginación de los productores de
vídeos de skate y, en consecuencia, de los patinadores. Las metodologías utilizadas fueron
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estudios estéticos, entrevistas a ‘VX makers’ y análisis artístico-culturales, basados en varios
autores, como Giuslaine Dias, Henri Lefebvre, Umberto Eco y Stuart Hall. Entre los resultados
recogidos están el relevamiento de los aspectos predilectos de las video cámaras por los
realizadores, la identificación de la existencia de un cierto culto a esa cámara, basado en la
admiración y su historia, la asociación de las cámaras VX con la practicidad en grabaciones en
spots de skate y, en consecuencia, el desarrollo de características narrativas propias del universo
audiovisual del skate posibilitadas por ellas.
Palabras clave: Skate boarding, Cámara, Audiovisual, Aesthetics, Sony DCR-VX1000.
Abstract
The Sony DCR-VX1000 camcorder is one of the most iconic and historically significant
cameras in the skateboarding world, having filmed countless legendary films and videos. Even
nearly two decades after its discontinuation, it remains one of the most widely used and admired
cameras among skateboarders. The structure and features of the VX are ideal for filming
skateboarding, and its use has created a unique culture with many stories within the
skateboarding audiovisual scene.
The aim of this study was to analyze the influence of these camcorders on the imagery of skate
video producers and, consequently, skateboarders. The methodology included aesthetic studies,
interviews with 'VX makers', and artistic-cultural analyses based on various authors, including
Giuslaine Dias, Henri Lefebvre, Umberto Eco, and Stuart Hall.
Among the findings are the identification of the most valued features of these camcorders
among video makers, the recognition of a certain cult surrounding this camera rooted in
admiration and history, the association of VX cameras with practicality in capturing footage at
skate spots, and the development of unique narrative characteristics within the skateboarding
audiovisual universe made possible by their use.
Keywords: Skateboarding, Camera, Audiovisual, Aesthetics, Sony DCR-VX1000.
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O que é legal e mágico no skate é que você pode escolher a sua cena[...]. O
skate ainda tem suas opções, ainda tem sua liberdade. Não é isso aqui e
pronto! Ainda é arte. Está perigosamente próximo de ser cooptado de uma vez
por todas, e não ser mais arte. E virar essa coisinha estranha de esporte. Mas,
f*dam-se, cara, eles nunca vão conseguir. Porque enquanto a molecada souber
qual é a real, a gente vai estar bem. E a molecada sabe qual é. A molecada
sempre soube qual é. Skate é para crianças, é um brinquedo. A gente é um
bando de marmanjo correndo por aí, brincando de Peter Pan.”
Jeff Grosso, descanse em paz!
Introdução
As filmadoras Sony DCR-VX1000, VX2000eVX2100, criadas pela marca Sony, no Japão, em
1995, 2000 e 2003, respectivamente, revolucionaram o audiovisual da época. Isso porque novos
formatos de vídeo e gravação (as fitas mini-DV [DigitalVideo-Cassette]) foram implementados
a partir dessas filmadoras. A praticidade que as fitas - de menor tamanho comparado às fitas
VHS ou Hi8 - trouxeram para o manuseio durante as gravações e o design super prático das
câmeras, introduzindo o “handle” - alça fixada na parte superior da câmera para segurá-la e
facilitar o manuseio, a estabilidade e o controle durante a captura de imagens - junto ao
microfone, fez as filmadoras virarem a paixão de criadores de audiovisual dentro da cultura do
skate.
O boom em produções de vídeos de skate com essas câmeras fez a imagem das produções
ficarem muito marcantes, pelas possibilidades oferecidas por essas filmadoras registrando as
singularidades próprias dos movimentos do skate, criando uma estética particular no universo
audiovisual. Associado a esses movimentos próprios das cenas de skate, as cores, o modo de
zoom, a nitidez e até o ruído são únicos. O formato de corte de tela nativo na proporção 4:3 -
em que a largura da tela é de 4 unidades por 3 unidades de altura - mostra a dinâmica da imagem
que, por ser menos horizontal que câmeras HD (16:9), centraliza as ações e faz com que o
skatista se torne uma figura única na cena.
Da época da sua criação até o fim da sua fabricação (1995-2007), a grande maioria dos filmakers
foi influenciada pelas VXs e o seu visual em vídeos nesse período, consolidando uma estética
que permanece na atualidade. Com foco nesse formato de registro audiovisual, esta pesquisa
buscou entender como a sua influência na referência para criadores de vídeo - antigos ou novos,
que carregam o legado - age mesmo anos após essas filmadoras deixarem de ser fabricadas.
Skate como cultura e arte
Esta pesquisa buscou abrir um leque de oportunidades para diversos caminhos que se
entrelaçam entre skate, conceitos do audiovisual e as questões culturais e artísticas. Cabe
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destacar, no entanto, que quando falamos de cultura aqui a tomamos no seu sentido lato sensu
e não stricto sensu. Entendemos sim que cultura é um conceito amplo que representa o conjunto
de tradições, crenças, costumes, práticas de determinado grupo social, como a soma de padrões
de comportamentos humanos e que envolve conhecimentos, experiências, atitudes, valores,
religiões, línguas, estrutura social, noção de tempo, conceitos de universo... Como afirma Stuart
Hall (2016), cultura é um sistema de representação, um conjunto de significados compartilhados
em uma sociedade que são produzidos e transmitidos por meio da linguagem e de diversos
outros símbolos. Não é, portanto, apenas um conjunto de valores, tradições e costumes estáticos,
mas um processo dinâmico e fluido de produção e interpretação de significados, que molda as
práticas sociais e as relações de poder. A linguagem é, portanto, “um dos ‘meios’ através do
qual pensamentos, ideias e sentimentos são representados numa cultura” (Hall, 2016: 18).
Mas aqui abordamos o conceito de cultura apenas como uma prática comum a um nicho social,
um grupo específico de pessoas que partilham interesses, necessidades, características e
comportamentos semelhantes, como práticas corporais, vestuário, linguagem, visões de mundo,
sentidos de tribo, conforme explica Maffesoli (2014): são grupos de pessoas que se unem por
interesses comuns, hábitos, ideias, gostos estéticos ou musicais, que os distinguem de estruturas
sociais mais amplas e impessoais. Podemos dizer, então, que cultura aqui sintetiza o modo de
ser dessa tribo urbana.
O mesmo ocorre quando tratarmos de arte, que a entendemos sim como uma manifestação
humana marcada pela expressão da criatividade, tradicionalmente por meio da música, dança,
pintura, escultura, teatro, literatura, cinema... É uma forma de comunicar ideias, emoções e
experiências por meios que buscam transmitir uma mensagem estética, conceitual. Para Walter
Benjamin (1936), a arte não é meramente uma forma de linguagem ou expressão, mas um
espaço onde a verdade é preservada e a memória é perpetuada. A obra de arte, para ele, possui
uma ‘aura’, um caráter único e inseparável do seu contexto histórico e do ‘aqui e agora’ da sua
criação. Contudo, tomamos aqui a arte especialmente para diferenciar duas práticas de skate, a
do esporte e a da expressão de criatividade pessoal e coletiva no âmbito do skate. A diferença,
portanto, reside na natureza e finalidade do esporte e da arte.
O esporte é uma atividade prática, geralmente com regras e objetivos, que busca conquista de
resultados por meio da competição. Já a arte é uma forma de expressão criativa e subjetiva, que
visa a comunicação de emoções, ideias e experiências por diferentes meios. Claro que as duas
áreas podem se interligar e influenciar-se mutuamente, mas aqui buscamos fixar nossa reflexão
em torno da prática do skate genuinamente como expressão criativa não competitiva. Trata-se,
portanto, de explicitar expressões criativas individuais de equilíbrio sobre rodas vencendo
obstáculos urbanos, numa forma de subversão desses espaços arredios a um modo de não
mobilidade humana. Eis, portanto, o papel da arte como uma ferramenta de reflexão e pugnando
por mudança social. Se há uma competição aqui não é entre indivíduos, mas entre o humano e
o ambiente, criado por humanos.
Portanto, tomamos o skate como manifestação artístico-cultural, fugindo do paradigma do skate
como esporte, como vem sendo difundido especialmente ao se tornar um esporte olímpico, para
vê-lo como um elemento de expressão sociocultural que possui grande influência na cultura
da juventude urbana contemporânea” (Dias, 2011: 10).
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Feito esses esclarecimentos conceituais, podemos adentrar em nossas pesquisa e reflexões.
Num primeiro contexto a pesquisa aborda o aspecto do skate como ferramenta no direito à
cidade (Lefebvre,2001), que, em conjunto à associação (Simmel, 2006) de seus praticantes,
criou uma certa cultura do skate street que é alimentada e documentada em obras audiovisuais.
“A maioria dos praticantes de skate é jovem e faz uso do skate na cidade, isto é, na maioria das
vezes as fotografias veiculadas por essas dias retratam os skatistas em ação nas ruas, andando
sobre bancos, saltando escadas, deslizando por corrimãos. Embora exista uma grande
quantidade de pistas de skate, construídas por órgãos públicos ou empresas particulares, muitos
skatistas praticam no espaço urbano das ruas”. (Brandão, 2011: 20)
A respeito do audiovisual, analisa-se a estética das VX se os seus impactos estéticos e culturais
em uma produção audiovisual de skate. Com esse caminho, pode-se fazer a relação entre
tecnologia e memória, visto que a tecnologia pode ser usada para preservar e transmitir a
memória cultural, como reivindica Benjamin (1936) ao tratar do audiovisual de então.
“Uma das funções sociais mais importantes do cinema é criar um equilíbrio entre o homem e o
aparelho. O cinema não realiza essa tarefa apenas pelo modo com que o homem se representa
diante do aparelho, mas pelo modo com que ele representa o mundo, graças a esse aparelho.
Através dos seus grandes planos, de sua ênfase sobre pormenores ocultos dos objetos que nos
são familiares, e de sua investigação dos ambientes mais vulgares sob a direção genial da
objetiva, o cinema faz-nos vislumbrar, por um lado, os mil condicionamentos que determinam
nossa existência, e por outro assegura-nos um grande e insuspeitado espaço de liberdade”.
(Benjamin, 1936: 189)
Para assimilar a complexidade do skate como esfera cultural essa pesquisa se embasa nos
campos de análise dos estudos culturais, da multiculturalidade e da identidade por um ponto de
vista histórico social, porém, sem deixar de lado o fator antropológico, ainda que ligeiramente,
dessa prática. Isso porque o skate boarding carrega de maneira muito forte tanto aspectos
sociais, pela conexão social dos praticantes como tribo, quanto aspectos antropológicos, pela
relação skatista/indivíduo.
“Como, para Michel Maffesoli, “nas selvas de pedra[...]a tribo desempenha o papel que era o
seu na selva stricto sensu” (2001: 23), a convivência na aparência servia como solda social entre
os skatistas, e a sua comparação com a palavra “tribo” busca exprimir justamente esse fator de
união”. (Brandão, 2011: 62)
Ou seja, adotamos a multidisciplinaridade e consideramos aqui o skate como uma prática que
extrapola a singularidade de estudos ‘exclusivamente sociais’ ou ‘exclusivamente
antropológicos’, buscando nessas duas áreas científicas elementos para a compreensão do
fenômeno pesquisado, sem necessariamente aprofundarmos nelas, por não ser o foco desta
pesquisa. Por isso mesmo, cabe destacar que o objetivo geral desta pesquisa foi estudar a relação
direta e indireta das filmadoras VXs na cultura do skate para compreender de que forma os
vídeos produzidos na época de sua fabricação (1995-2007) influenciaram e ainda influenciam
novos produtores de vídeo e skatistas.
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Para materializar esse objetivo, analisamos os aspectos e as características das filmadoras Mini-
DV que causam influência estética e social em produtores de vídeos de skate com VX em alguns
locais do Sul e Sudeste do Brasil; estudamos se existe uma recusa a câmeras HD entre esses
produtores; buscamos identificar e analisar as principais obras audiovisuais referenciais e
inspiradoras de um grupo de makers em atuação e entender se uma espécie de ‘culto’ a essas
câmeras Mini-DV e como ele acontece.
A proposta desta pesquisa nasce da experiência pessoal surgida na infância de Luiz Gustavo
Barros, um dos autores deste artigo:
“Em meados de 2007 tive meu primeiro contato com o skate, presente de meu tio (skatista desde
os anos 90) que me ensinou a montá-lo com peças antigas e usadas que ele tinha. Não foi aquela
paixão à primeira vista. Acredito que por ainda ser novo - sete anos à época - não entendia tudo
que o skate é. Foi apenas três anos depois que meus olhos começaram a brilhar para essa
ferramenta de reinterpretar espaços. Ao passar dos anos praticando percebi que o skate
apresenta diversos aprendizados e dogmas, seja de autoconhecimento ou de socialização, seja
do uso e pertencimento da rua e do espaço público, seja da integração e inclusão social ou então
a simples sensação de pertencimento a algo”. (Barros, 2023)
Em busca de um tema como projeto do trabalho de conclusão do curso de Publicidade e
Propaganda, na Universidade Federal do Paraná, em 2023, Luiz Gustavo decide pesquisar uma
prática vivenciada por ele como paixão, que ele diz ser mais como arte, menos como esporte.
“Isso porque, além de identificar esses aprendizados ao praticar durante esses 16 anos, todo
esse conjunto de sensações e vivências foi e é documentado por marcas de skate, “crews”,
produtores independentes, cineastas, revistas, lojas de skate e portais, que valorizam mais a arte
dos skatistas do que a competição própria do esporte. Além de manobras, que são uma arte
própria, os vídeos sempre documentam a convivência e as interações dos praticantes. Isso faz
parte do “lifestyle” da cultura, e é trazido aos filmes como uma representação do poder de
socialização do skate, onde os indivíduos, mesmo que manobrando sozinhos em cima de seus
skates, superam essa individualidade utilizando-se dos espaços enquanto sujeitos sociais”.
(Idem)
A identidade skatista
O fator identificação entre os skatistas ocorre através de “formas de sociabilidade que garantem
aos grupos vínculos de integração social e de afirmações identitárias”, conforme Dias (2011:
57), para quem o processo de identificação envolve duas formas, que embora sejam distintas,
relacionam-se entre si:
“A primeira refere-se a um fenômeno coletivo que deriva de fatores estruturantes comuns, onde
são atribuídas características a uma pessoa pelos outros indivíduos que compartilham os
mesmos atributos, de forma a posicioná-la em relação ao grupo. Portanto, o fenômeno envolve
os objetivos comuns, o que faz com que os indivíduos possuam uma identidade compartilhada
e um sentimento de vinculação e pertencimento. A segunda diz respeito a uma identidade que
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marca as formas pelas quais os indivíduos vão se diferenciar um dos outros. É relativa ao
processo de autodesenvolvimento através do qual o indivíduo cria a noção de si mesmo por
meio da interação do seu próprio eu e a sociedade. [...] Neste sentido, penso que a análise do
skate como uma prática que permite a formação de grupos que se identifiquem com
determinadas características que os definem como skatistas é frutífera”. (Dias, 2011: 55)
Os primeiros registros de filmes com skatistas e skates aparentes são da década de 1960, com
as obras Skaterdater (1965) e The Devil's Toy (1966). Mas, as produções nos formatos de vídeos
que conhecemos hoje, popularizadas como videopartes, começaram em 1984 com o clássico
Bones Brigade, vídeo da marca Powell Peralta.
A prática do skate muitas vezes leva à obsessão e um certo vício, ou seja, quando um skatista
não está incessantemente tentando uma manobra ou apenas andando de skate ele está
consumindo a cultura, seja através de revistas como de produtos audiovisuais. Com a difusão
do skate e avanços tecnológicos, os vídeos ficaram cada vez mais estimados pelos praticantes
e produtores, que sempre buscaram criar obras épicas inspiradas em variações de manobras e
também em filmagens de comportamento de participantes da cultura. A ordem desses fatos fez
com que as videopartes estejam para os skatistas assim como a música está para o músico e o
edifício para o arquiteto.
Tais eventos ainda são muito contemporâneos, e colaborar com o tema “skate e audiovisual”
no mundo acadêmico é unir a prática de anos vivendo dentro dessa cultura e o estudo com
método. Por isso, uma pesquisa sobre o assunto acrescentaria e somaria muito para tentar
entender, por meio da ciência, as nuances que fazem essa cultura sobreviver.
Para dar conta do propósito da pesquisa, qual seja o de entender impacto das VXs na cultura do
skate contemporâneo sob o aspecto social e audiovisual, fizemos um percurso metodológico
incluindo o necessário estudo de estética das filmadoras, em uma abordagem qualitativa de
observação das principais obras em que elas foram usadas, assim como os resultados estéticos
presentes nos vídeos. Nessa coleta de dados entendemos como importante vasculhar amostras
do portal “skate vídeo site”, um dos maiores acervos de vídeos de skate, permitindo acessar e
analisar as obras mais notórias, a partir da nossa perspectiva.
Ao abordar a cultura do skate foi necessário entender os sentidos culturais que o grupo social
participante traz, por meio de pesquisas existentes que analisam a relação social dessa prática,
tomando autores como Giuslaine Dias, Leonardo Brandão, Giovanni Cirino, Tony Honorato e
Jenkem Magazine.
Para compreender como acontece o processo de resgate e apropriação das mini DVs fizemos,
para esta pesquisa, entrevistas em profundidade com produtores que carregam esse legado e
produzem até hoje com as VXs, como veremos mais adiante neste artigo.
Skate como ferramenta cultural
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Pelo fato de sua urbanidade, o skate e seus praticantes têm contato direto e imersivo com as
cidades. O filósofo e sociólogo Henri Lefebvre, em sua obra O Direito à Cidade, discorre sobre
as questões de humanidade dentro da cidade. Tomamos a liberdade aqui de quebrar o paralelo
entre a obra do filósofo e as questões urbanas demarcadas no skate e fazer Lefebvre e o skate
“conversarem”, pois o skate consegue, no nosso entender, reinterpretar o espaço urbano ou
reconfigurá-lo a partir de outro prisma. Lefebvre (1968: 115) diz que “num período em que os
ideólogos discorrem abundantemente sobre as estruturas, a desestruturação da cidade manifesta
a profundidade dos fenômenos de desintegração (social, cultural)”, e essa desestruturação é
também capaz de proporcionar um caminho “na direção de um novo humanismo que devemos
tender e pela qual devemos nos esforçar, isto na direção de uma nova práxis e de um outro
homem, o homem da sociedade urbana” (Lefebvre,1968:108). E um desses possíveis caminhos
está, no nosso entender, na perspectiva desta pesquisa, o skatista. Ou seja, o uso da cidade e do
urbano através do skate simboliza uma ruptura no imaginário popular dos espaços. Por
exemplo, ao ver um corrimão em uma escada, um skatista pode observar e utilizar de maneira
totalmente diferente de quem não teve contato com o skate. Enquanto aquele, provavelmente,
pensará em manobrar, este verá apenas como um apoio físico ou estético.
Apesar de existirem inúmeros espaços criados expressamente para a prática do skate, trata-se
acima de tudo de uma atividade urbana. Mais precisamente, é uma prática “do urbano”, no
sentido de que o seu terreno é realmente a cidade, ou pelo menos uma reinterpretação da
diversidade de materiais e formas da cidade”. (Zarka, 2011: 13)
É um fato, porém, que o skate passou por um processo de esportivização. Tony Honorato
revisita o início desse processo nas quatro últimas décadas do século XX em sua pesquisa A
esportivização do skate (1960-1990): relações entre o macro e o micro, de 2013.
“Notamos no skate brasileiro do final da década de 1980 o início da concepção da categoria
amador, profissional e o envolvimento empresarial, midiático e da indústria cultural
direcionando, reestruturando e conduzindo a modalidade rumo aos interdependentes processos:
esportivização, espetacularização, profissionalização e mercantilização”. (Honorato, 2013: 7)
Segundo Honorato, como sistematização, pode-se considerar: primeiro, numa história do
skate, que as formas de lazer precedem as formas esportivas(2013:14). Entretanto, por ser
uma atividade individual, cada praticante acaba criando sua própria significação e perspectiva
acerca desse ‘carrinho’. Ou seja, skatistas mais novos, que tiveram contato como skate através
das olimpíadas, por exemplo, podem enxergar o skate como uma competição ou até ter como
objetivo seguir uma carreira como atleta. E é inegável que para esses praticantes, e para quem
for impactado por essa visão, o skate seja um esporte.
para grande parte dos skatistas, o skate pode ser uma ferramenta de socialização ao frequentar
pistas e locais aonde vão para fazer amigos e se sentir parte de uma tribo. Sem melhor ou pior,
apenas como uma diversão, amizade, lugar de pertencimento. Há, ainda, quem o veja apenas
como um meio de transporte, tendo como objetivo apenas chegar de um ponto A até um ponto
B, sem se desafiar fisicamente e mentalmente sobre o skate ou realizar manobras. também
quem veja o skate como um instrumento para realizar movimentos de conexão entre o corpo, o
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skate e o lugar (geralmente a cidade) e eternizar esses movimentos por meio do audiovisual. É
esse o nicho de enfoque desta pesquisa.
O skate como estilo audiovisual
Para analisarmos os vídeos de skate é importante entender o seu lugar dentro do universo
audiovisual e em que gênero se encaixam. É um fato que a liberdade e abrangência em fazer
um vídeo de skate é praticamente infinita. Mas o modo e o padrão encontrado nas videopartes
de skate, tendo o skatista como ponto central, é a convergência desses vídeos. Mas como
considerar um vídeo de skate? Como documentário, que “se utilizam de imagens e de
personagens ‘reais’ de acordo com sua relevância histórica?” (Altafini,1999:40). Ou então
como uma peça publicitária, que em sua grande maioria os vídeos de skate são produzidos
ou patrocinados por marcas de skate, a fim de incentivar a compra ou o uso de peças, vestuário
etc.?
Não existe, no universo do audiovisual, um gênero específico para elencar vídeos de skate. Até
porque seria um combo de praticamente todos os gêneros existentes. Poderia ser pautado como
documentário por suas características de registro de fatos e vivências reais, como ação por todos
os movimentos e manobras, como terror ou horror se levar em conta as quedas e machucados,
como suspense se observar o aguardo da última manobra do vídeo - geralmente a mais ‘pesada’
e aguardada ou até como romances e observar a relação do skatista com o skate.
Entretanto, dentro do universo audiovisual do skate há diversas categorias de vídeo registradas
no imaginário skatista quase que aleatoriamente, como essas retiradas do acervo de vídeos skate
vídeo site.com: campeonato, crews, documentário, longa-metragem ou full-length, caseiro,
independente, instrucional, revista, filme, produção, promo, skate shop, part solo, tour, tv-show,
vídeo magazine.
No entanto, para uma produção audiovisual costuma-se seguir uma prática processual antes de
gravar fatos, por meio de imagens e sons, que vão compor uma história, visando a determinados
objetivos. Conforme Valduga (2016), trata-se de um processo que parte de uma ideia de
história, segue a produção de um argumento, que resulta num roteiro para então se realizar as
gravações.
“No meio audiovisual do skate atual, existem diversas formas de se construir essa determinada
história. Pelo fato de que os filmes de skate não são tais como o cinema tradicional, o objetivo
implícito de cada um vem a somar a forma como o mesmo será roteirizado e montado,
respectivamente”. (Valduga, 2016: 16)
Ao analisar as obras produzidas entre 1996 e 2007 é possível observar que os vídeos de todas
essas categorias foram majoritariamente gravadas com um tipo específico de câmera: as VXs e
afins. Um dos primeiros registros de vídeos a usar e ser gravado com VX foi no filme Mouse,
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do diretor Aaron Meza e da marca Girl, em 1996. Meza conta, em um documentário para a
Jenkem Mag, sobre a primeira imagem que fez com aVX1000:
“No primeiro dia fomos para Vancouver, Eric Koston mandou um
nollienoseblunt e ainda um nosegrind em um corrimão quadrado
longo. Acho que foi literalmente o primeiro dia que gravei com a
câmera. As imagens ficaram todas escuras porque ainda estava
tentando aprender a mexer.” (Meza, 1996 - Tradução nossa)
Em 1998 a Century Precision Optics lançou a lente fisheyeMk1 (olho de peixe), com o seu
encaixe certo para as VXs e perfeita para filmar skate por conta de sua abertura óptica. Um
dos primeiros registros de uso da VX em conjunto com a Mk1 no skate foi com o maker Dan
Wolfe. Dan filmou a turnê mundial da marca Element, em 2000, e a eternizou no vídeo Element
- World Tour. Com a Mk1osfilmmakerseramcapazesdegravarmuitopróximodoskatesem perder
o enquadramento e trazendo mais movimento para as imagens e, consequentemente,
transmitindo a sensação do skate. Por gravar tão de perto, muitas vezes, em alguns erros de
manobras, o skate acertava a lente ou a câmera, ou até mesmo o profissional por detrás dela,
por isso a lente ficou conhecida como Death Lens- ou, traduzido, Lentes da morte. A lente caiu
nas graças dos makers de skate e nos dez anos seguintes quase não se viu produção de skate
sem o combo VX1000 e MK1.
Entre os vídeos icônicos que marcaram e ainda marcam uma geração inteira de skatistas
podemos destacar: Modus Operandi e Sight Unseen, da revista Transworld; Meniknáti, da
marca de tênis És; Photo synthesis e Mindfield, da marca Alien Workshop; Sorry, Really Sorrye
Extremely Sorry, da marca Flip; Dying to Live e Zero or die, da marca Zero; The DC Video,
da marca de tênis DC; This is skate boarding e Stay Gold, da marca de tênis Emerica; Mosaic,
da marca Habitat; Yeah Right, da marca Girl; Beautyand The Beast, das marcas Girl e Anti-
Hero; Good & Evil, da marca Toy Machine; Hot Chocolate, da marca Chocolate; Skate More,
da marca de tênis DVS; Baker 2G e Baker3,da marca Baker; Sufferthe Joy, da marca Toy
Machine; a série de vídeos “Static”, “Static II” e “Static III”, do maker Josh Stewart; a Happy
Medium do vídeo maker Buster O'Shea; Fully Flared, The Final Flaree Beware Of The Flare,
da marca de tênis Lakai.
A partir dessas informações podemos considerar o skate como um estilo audiovisual orgânico,
visto que o poder e consolidação desses vídeos permeiam até hoje e fortalecem-se cada vez
mais, criando uma legião de espectadores, skatistas e makers influenciados.
Filmmakers que gravam com VX
Para levantar informações e dados sobre a realidade vivenciada por pessoas que produzem
vídeos com essa temática, esta pesquisa ouviu cinco filmakers que gravaram e que ainda gravam
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com câmeras VX. O intuito das entrevistas foi entender a motivação e as influências desses
makers. Procuramos saber fundamentalmente nome, idade, tempo que anda de skate, tempo que
produz vídeo, assim como qual foi sua primeira câmera, por que grava com VX, seaspectos
favoritos na estética da imagem da VX, comparando com HD ou Mini-DV. Pedimos também
que cada um citasse três filmes favoritos e mais inspiradores e um maker que adota como
referência.
A seleção desses entrevistados deu-se pelos contatos dentro do universo do skate. Os
entrevistados convidados foram Bruno Prestes, também conhecido como ‘Visãozinha’, que
produziu obras como Digital wences, vol. 1 e 2; Eduardo Reis, ou ‘Draude’, como é conhecido,
que é maker e atua no marketing da marca Drop Dead; Fernando Dias, skatista desde 1998 e
maker independente mais de12anos; Kauan Caroleski, skatista e produtor da crew Cozmic
Nomadz; Pedro Miguel, skatista e maker de uma nova geração de produtores que usam VX.
No início desse processo a intenção era gravar as entrevistas e produzir um vídeo com cada um,
fazendo uma sessão de skate com o entrevistado e intercalando no vídeo as perguntas, as
respostas e as manobras. Além do levantamento de dados, a ideia era operar também uma
metalinguagem das próprias argumentações: se estamos falando de skate, vídeo e VX, por que
não produzir a entrevista com esses elementos também. No entanto, por questões logísticas, de
tempo e disponibilidade da maioria dos entrevistados, apenas a entrevista com o Bruno
‘Visãozinha’ foi produzida desta forma e publicada no Youtube. Vale a pena assistir e entender
de maneira visual a entrevista e também a câmera. A entrevista com o Eduardo ‘Draude’ foi
gravada, mas sem a sessão de skate. O restante das entrevistas foi realizado de maneira remota.
A variação de idade observada entre os entrevistados é grande para o meio, indo de 23 a 37anos.
E todos eles andam de skate, ao menos, 13 anos. Embora todos usem a VX ainda, esta não
foi a primeira câmera de nenhum deles. Mas, como eles mesmos dizem, foi “uma ‘Sonyzinha’,
meio HD, compacta” (Prestes, 2023); “uma ‘Sonyzinha’, Cybershot” (Reis, 2023); “uma
Olympus digital, que funciona à pilha” (Dias,2023); “umaTekpix com uma lente angular feita
de cano pvc” (Caroleski, 2023) e “uma Canon Vixia, meio ‘Hdzinha’, handycam” (Miguel,
2023).
Entre as produções favoritas dos entrevistados estão o vídeo Spirit Quest, do maker Collin Read,
citado por três entrevistados; os filmes Photosynthesis, da marca Alien Workshop; Beats da
crew Antihorário; e Baker3, da marca Baker, citados por dois entrevistados; entre as obras
citadas por um dos entrevistados estão: Eleventh Hour e AtlanticDrift, do produtor Jacob Harris;
Hotel Blue, do maker Nick Von Werssowetz; Megalithic, do skatista Victor Sussekind e vários
makers brasileiros; as partes do skatista Pedro Barros, produzidas pela Garden Groove; Smok
eand Mirrors, da marca Digital e Parental Advisory, da marca DGK.
Dentre as obras citadas, apenas as produções da Garden Groove e o Parental Advisory não são
criações 100% gravadas de VX ou mini-DV. No filme da DGK, porém, há, por mais tempo e
com mais frequência, mais imagens de VX que HD.
Entre os makers favoritos levantados, não houve repetição nas respostas. Os produtores citados
foram: Collin Read, JM Dagger, JP Romero, Beagle, Pedro Biagio, Fernando Dente e Rafael
Régis. Dos sete citados, cinco são brasileiros.
Elson Faxina e Luiz G. Barros
A INFLUÊNCIA DAS FILMADORAS VX NO IMAGINÁRIO SKATISTA
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Os motivos elencados do porquê a escolha de gravar com a câmera VX são variados. Dos cinco
entrevistados, três citam a influência e a inspiração por vídeos que assistiam, inclusive citados
nas respostas anteriores. Entre os aspectos favoritos da VX apontados nas entrevistas destacam-
se: o granulado da imagem, o som, o formato 4:3, a história da câmera com o skate e a facilidade
proporcionada pela câmera para gravações de manobras. Prestes (2023) conta que grava com
VX “por aquela coisa que a gente constrói a partir dos vídeos e pela magia de ter alguma coisa
que materializa aquilo numa fita, além de ver várias pessoas usando e os vídeos que eu mais
gosto ter uma VX”.
No último questionamento sobre a escolha entre Mini-DV e HD, não foi observada uma recusa
às HDs, mas sim uma admiração e preferência pelas Mini-DVs. Quando citadas, as HDs foram
bastante associadas à praticidade, especialmente no processo de montagem, de edição, por
serem gravações originalmente em suporte digital.
Uma das histórias citadas pelo entrevistado EduardoReis (2023), sobre como ganhou sua
primeira VX, nos mostra a visão de um produtor de fora do meio do skate sobre a câmera:
“Era 2015. Um período de recessão, época de crise, protesto e as coisas
estavam meio instáveis. A produtora que eu trabalhava estava meio em baixa,
se desfazendo de algumas coisas, demitindo uma galera e eles tinham uma
estrutura enorme. Aí, eu fui ajudar o diretor de fotografia, que coordenava a
sala de câmeras. Era onde ficavam todas as câmeras tipo as Arri, as Alexas,
as Red. ‘Só filé’. Eles tinham muito equipamento. 5D, câmera pra making of
e tal. Tinha até rolo de negativo que eles estavam descartando. E como eles
são uma produtora das antigas, desde os anos 90, eles tinham uma VX2000.
eu vi ela num canto. Não tinha visto até então. Quando vi, falei: “Pô,
Alemão, e essa câmera ali?” ele: “Bah, essa m*rda? Ah, isso , toca
fora”. E eu fiquei assim, “ô, louco, meu”. Ele passou pra eu ver e viu que eu
fiquei fissurado olhando ela. Eu pedi uma bateria pra tenta ligar e ele: “Ah,
nem sei se funcionando”. Ele viu que eu fiquei na fissura e como tava
descartando ele falou: “Meu, tu quer levar? Pode levar!” Daí eu acabei
ganhando a câmera. E esse foi o primeiro contato com a câmera,
literalmente, porque eu já sabia do contexto dela dentro do skate, mas nunca
tinha visto fisicamente”. (Reis, 2023)
É interessante entender essa visão de pessoas que sem saber da história da câmera acabam
vendo-a apenas como uma sucata descartável. Claro que, por serem antigas, as VXs requerem
cuidados, como afirma Bruno ‘Visãozinha’ (2023), ao exemplificar como esse cuidado é
importante:
“Nunca filmar é filmar, e com nenhuma câmera. Ainda mais falando da VX, por ser algo que
não é mais produzido e pelo fato de você ter que ir atrás e ter que aprender a lidar com as
Elson Faxina e Luiz G. Barros
A INFLUÊNCIA DAS FILMADORAS VX NO IMAGINÁRIO SKATISTA
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particularidades da sua câmera. Por exemplo, cada um tem um jeito específico de ligar a câmera,
de bater nela caso ela pare de funcionar, cada um sabe exatamente o que é ruim e o que é bom,
o que pode ou não pode a partir disso. Então, esse cuidado, que é um cuidado quase como se a
câmera fosse um artefato, porque ela também é uma câmera que produz artefatos. Ela produz
uma fita. E dentro daquela fita tem algo que hoje já não tem mais, porque não tá numa nuvem,
porquenão tá online. Tá no meio físico e aquilo exige um cuidado de todo mundo. Desde você
ter uma fita, até você ter a câmera.” (Prestes, 2023)
O entrevistado Pedro Miguel (2023) também fala sobre a diferença de gravar algo que acaba
existindo como meio físico:
“Mini-DV é muito ‘brisa’ o lance de você segurar fisicamente, na mão, as
imagens que você tem. Então, querendo ou não acaba sendo uma relação mais
intimista. Porque ela é um objeto que você segura e tem que cuidar, limpar,
colocar a fita certinho. Todo um lance de afeto com a fita. No HD você só vai
passar a imagem e já era”. (Miguel 2023)
A aparência da filmadora também chama a atenção do entrevistado Fernando Dias (2023), que
conta que o “aspecto favorito da VX é a própria VX por si só. de você ver a câmera é
diferente, tem uma energia própria.”
Além desses depoimentos, os entrevistados apresentaram muitos outros argumentos com
histórias e dados interessantes sobre as VXs, confirmando suas particularidades que oferecem
ao maker enormes facilidades no momento de registrar as manobras numa apresentação de
skate.
A estética da VX
A questão da estética da VX esteve presente em vários momentos ao longo da pesquisa e muito
citada pelos cinco entrevistados. A seguir faremos uma análise acerca da aparência da imagem
possibilitada pela câmera, como indicativos para um estudo de estética. Mas, para começarmos
a analisar a estética da imagem que a filmadora gera devemos analisar a própria câmera e sua
estrutura.
Figura 01-EstruturadaSonyDCR-VX1000
Fonte:Sony|1995
Figura 02-EstruturadaSonyDCR-VX2000
Elson Faxina e Luiz G. Barros
A INFLUÊNCIA DAS FILMADORAS VX NO IMAGINÁRIO SKATISTA
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Fonte: Ebay|2020
Ao analisarmos a morfologia da VX1000 é possível observar que alguns pontos chamam a
atenção: o seu tamanho, a localização do microfone e do handle (uma novidade para a época
em que foi lançada), o visor e a separação entre a caixa do cabeçote e a lente.
na VX2000 diferenças na estrutura. As notáveis são: o visor, que além do ocular um
novo, retrátil, de LCD na lateral; os comandos de rebobinar a fita e reprodução, luminosos,
foram incluídos abaixo do handle; a lente, que por ter um zoom maior (enquanto a VX1000 tem
um zoom de 20x, o zoom da VX2000 é de 48x), consequentemente tem uma objetiva mais
longa. a VX2100 tem a estrutura externa muito parecida à da VX2000, mudando apenas
aspectos internos ou de cor.
Agora, ao analisarmos os aspectos estéticos da imagem que a câmera gera, diversos outros
pontos que chamam a atenção e fazem a aparência ser singular. O corte de tela na proporção
4:3éumdosprimeirosaspectosachamaraatençãodoespectador. Essa proporção de corte é capaz
de centralizar o movimento e foco nos sentidos vertical e horizontal, diferente da
proporção16:9, que expande o espaço de atenção na imagem nas laterais. Abaixo vemos a
comparação de duas imagens, uma com o corte na proporção 4:3 (típico das VXs e mini DVs)
e outro na proporção 16:9, mais usado atualmente, nas câmeras HD.
Figura 03-Corte3:4
Andrew Reynolds andando na famosa escada Hollywood 16. Fonte:Baker3|2005.
Figura 04-Corte16:9(HD)
Dustin Dollin andando na famosa escada Hollywood16. Fonte:Baker4|2019.
Outra notável diferença ao comparar câmeras HD com VXs e Mini-DVs é a forma de
continuidade dos frames. Em câmeras HD, os frames são exibidos de maneira progressiva, o
que significa que cada frame é exibido sequencialmente, progressivamente um após o outro.
Essa técnica é chamada de escaneamento progressivo ou progressive scan. Cada frame
capturado contém todas as linhas de resolução vertical, oferecendo uma imagem completa e
nítida.
Por outro lado, nas filmadoras mini-DV os frames são entrelaçados, utilizando o método de
escaneamento entrelaçado ou interlaced scan. Nesse caso, cada frame é dividido em duas
metades conhecidas como campos. Um campo contém as linhas ímpares da imagem, enquanto
o outro campo contém as linhas pares. Os campos são exibidos de forma alternada e rápida,
Elson Faxina e Luiz G. Barros
A INFLUÊNCIA DAS FILMADORAS VX NO IMAGINÁRIO SKATISTA
94
criando a ilusão de uma imagem completa. O entrelaçamento foi uma técnica desenvolvida para
otimizar a transmissão e a exibição de vídeo em sistemas analógicos com largura de banda
limitada. Ele permite que a imagem seja transmitida com menos dados, que apenas metade
das linhas é transmitida em cada campo. Entretanto, essa técnica pode causar artefatos visuais,
os famosos ‘glitchs’, como linhas diagonais irregulares ou efeito de ‘escadas’ em bordas.
Com o avanço da tecnologia e a popularização das câmeras HD, o uso do escaneamento
progressivo se tornou mais comum, pois oferece uma qualidade de imagem superior,
especialmente em exibições de tela grande ou em vídeos que serão editados e processados
digitalmente. Por isso, nossos olhos também estão adaptados para essa maneira de observar os
vídeos, fazendo com que uma imagem como as das VXs chame atenção pela sua singularidade
hoje em dia.
Além dessas características, outro ponto que chama atenção na imagem final da VX é a cor.
Isso acontece porque ela carrega a tecnologia 3CCD (três dispositivos de carga acoplada) que
incorpora um prisma óptico e três sensores sensíveis à luz. A luz atravessa as lentes da câmera
e é refratada em três direções distintas ao atingir o prisma. Nos extremos do prisma, encontram-
se filtros de cores correspondentes, cada um associado a um sensor que capta a luz específica
da cor proveniente do ambiente. Internamente, a câmera realiza a fusão das informações de cor
coletadas, resultando em um sinal de cor vermelha, verde e azul (RGB), simulando de maneira
semelhante à percepção visual humana. Além dessa questão, o sensor 3CCD impacta na
estabilidade da imagem e no controle da velocidade do obturador em situações de tremor de
maneira positiva quando comparado ao sensor CMOS, mais comum nas câmeras atuais.
Ou seja, nativamente as cores da VX são mais vivas e saturadas. Mas, ainda é possível
customizar o balanço da fotometria, que pode ser alterado na central de configurações ‘custom
preset’. Dentro desse menu é possível mexer no nível de cores - onde o avivamento e saturação
da imagem são modificados -, na nitidez, no balanço de branco, no ganho de volume e também
no nível de exposição.
Figura 05-Custom Preset (Vx2000)
Fonte: Arquivo pessoal.
O áudio da VX é muito singular e chama a atenção pela qualidade. O som é estéreo e o
microfone fica localizado logo acima da lente. Para skatistas não há som mais satisfatório que
os estalos de uma manobra com o som ‘crocante’ de um microfone de VX. Ainda hoje há quem
use em câmeras DSLR e HDs o microfone das VXs.
A estética da imagem nos vídeos sobre skate
Elson Faxina e Luiz G. Barros
A INFLUÊNCIA DAS FILMADORAS VX NO IMAGINÁRIO SKATISTA
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Os pontos anteriormente mencionados podem ser analisados independentemente se a ação
produzida na imagem for em cima do skate ou não. Ou seja, as cores, o corte 4:3, o
entrelaçamento dos frames e o som podem ser observáveis em uma captação de VX de uma
paisagem, de uma cena de um filme ou de cenas cotidianas em geral. Mas ao estudar imagens
de skate é possível ver que questões estéticas, não visuais, mas também culturais, vistos
nos modos de filmagens, produção e comportamento dos skatistas e filmmakers.
Um dos aspectos culturais mais fortes dentro desse grupo social são o uso das lentes grande
angular, especialmente a fisheye. O uso dela permite uma expansão da visão da cena através do
aumento do ângulo de abertura da lente, o que causa um aumento no campo de visão (capaz de
abrir à180°) e uma distorção nas bordas, fazendo com que remeta a uma visão de um olho de
peixe, que é o seu nome em português. O aumento do campo de visão possibilita um
encurtamento da distância entre o skatista e a câmera, o que transmite uma noção de movimento
e velocidade maiores, que são pontos muito importantes a serem registrados para passar a
sensação do skate no audiovisual.
Segundo o videomaker do clássico vídeo A Happy Medium, Buster O’Shea, em um
documentário da Red Bull sobre as VXs, as Death Lens, citadas anteriormente, tiveram a
produção descontinuada em 2019.Porém sua importância na cultura é tão grande que voltou a
ser produzida após petição de skatistas, com mais de 7.500 assinaturas. Assim que a Century
Precision Optics colocou de volta no mercado, toda a demanda de lentes feita por skatistas se
esgotou em minutos.
Além das fisheyes, para mostrar outra perspectiva de uma mesma manobra ou cena é
comumente usada teleobjetivas, com ou sem uma variação de zoom numa mesma tomada. A
reprodução de uma mesma manobra é intercalada através de dois ângulos, não necessariamente
de uma forma contínua, mas sim como um replay visto por outro ângulo.
Figura 06-Lente teleobjetiva
Andrew Reynolds, fakie 360° flip visto na teleobjetiva. Fonte:Baker3|2005.
Figura 07-Lente fisheye/Grandeangular
Andrew Reynolds, fakie 360° flip visto na fisheye. Fonte:Baker3|2005.
Um vídeo de skate captura, além das manobras, retratos do skatista, que acaba se tornando uma
espécie de figura publicitária, uma personalidade. Pois é isso que uma manobra de skate nos
comunica: a personalidade de alguém em cima do skate. O jeito, o lugar, a forma, a roupa, a
atitude e outras nuances informam o estilo dos praticantes. É como uma expressão artística, um
signo. Mesmo a mais tosca silhueta de cavalo não corresponde ao signo verbal isolado
Elson Faxina e Luiz G. Barros
A INFLUÊNCIA DAS FILMADORAS VX NO IMAGINÁRIO SKATISTA
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‘cavalo’, mas a uma série de possíveis sintagmas do tipo: ‘cavalo em pé, de perfil’, ‘o cavalo
tem quatro pernas’, ‘isto é um cavalo’” (ECO, 1968: 127). Ou seja, ao traçar um paralelo entre
o skate e a citação de Umberto Eco podemos dizer que um skatista nunca é só um skatista, ele
é único, e para registrar essa personalidade são utilizadas as ‘imagens comportamento’, como
são conhecidas. São cenas da figura expressiva do skatista no modo de andar, de vestir, agir
etc. Comunicar tudo isso sem um filtro moral - seja bebendo, fumando, brigando etc. - é um
hábito muito forte dessa cultura.
Figura 08-Imagem de comportamento
Os katista Dustin Dollin bebendo. Fonte: Baker3|2005.
Figura 09-Imagem de manobra
Dustin Dollin BSFlip50-50. Fonte: Baker3|2005.
Essa mensagem também é passada por meio de imagens dos locais e dos comportamentos,
alheios ou não, que ocorrem nesses locais, onde as manobras acontecem. Como o skate também
tem a sua conexão com a arquitetura, desde a criatividade até a dificuldade do uso de um espaço,
é muito comum os ‘picos’ de skate serem filmados com mais foco antes, durante ou depois das
manobras. Os ‘picos’ preferidos são locais, em áreas urbanas, com os mais variados obstáculos
tais como escadas, corrimãos, bordas, bancos e demais elementos que permitem a realização de
diferentes tipos de manobras, que lhes permitem evoluções novas, desafiadoras, capazes de
distingui-los como verdadeiros artistas corporais, num misto de atletas e artes circenses. Esses
lugares são eternizados nas cenas dos notórios filmes e acabam virando pontos turísticos dentro
do skate.
Figura10-Interação com a arquitetura
Foco da câmera após Andrew Reynolds manobrar em uma sequência de escadas.
Fonte:Baker3|2005.
quem diga que, com a criação da VX, um novo modo de filmagem de skate foi desenvolvido,
como uma ampliação da linguagem audiovisual ou, no mínimo, uma adaptação do modo de
gravar aos movimentos particulares da arte do skate. Tony Hawk, em documentário da Red
Bull sobre a VX1000, diz que o “follow” - ou seja, um skatista sendo seguido por um filmmaker,
ambos no skate - dentro da cultura audiovisual do skate nasceu a partir da VX. Isso por causa
do seu design, com um handle, ou, simplesmente, um lugar anatomicamente perfeito para
segurar a câmera pela parte superior, já embutido. O handle torna mais ágil segurar a filmadora
Elson Faxina e Luiz G. Barros
A INFLUÊNCIA DAS FILMADORAS VX NO IMAGINÁRIO SKATISTA
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gravando em movimento, para recuar e proteger a câmera quando o skatista erra, e ainda, formar
o ângulo de encaixe da cena, quando filmando com a lente fisheye-skatista, chão, manobra e
obstáculo -, como na foto a seguir.
Figura11-Imagem em“follow”
Fonte: Red Bull “VX1000:The Story of Skateboarding's Most Iconic Camera”|2023
Além disso, no follow a perspectiva do foco de movimento está todo no skatista; tudo atrás dele
está em movimento. Em imagens noturnas, o foco no skatista parece aumentar. Isso porque uma
fonte de luz, usada acima do microfone, ilumina o skatista e um pouco ao redor do ambiente,
fazendo com que o fundo da imagem fique escuro e a ação da cena, iluminada.
Figura12-Imagem noturna com luz.
Bryan Herman, FlipBs Tailslide. Fonte:Baker3|2005.
Ao referirmos a uma espécie de ampliação da linguagem audiovisual, apostamos na
diferenciação entre esses movimentos no skate e o movimento que conhecemos como câmera
subjetiva ou câmera inquieta, porque aqui a câmera acompanha a cena expondo-se aos próprios
riscos das manobras registradas. Ela abandona o espaço confortável de observador para registro
dos sons e imagens, para fazer parte da própria cena, como se fora um artefato a mais compondo
o pico do skate. Esse deslocamento ao espectador a sensação singular de estar sobre um
skate, enfrentando todos os riscos ao deslizar nesses espaços inóspitos. Trata-se sim de um
movimento de câmera usado em veículos em movimento, como na Fórmula 1, mas aqui opera
também um certo confronto entre o telespectador e o skatista, especialmente quando são
ângulos tomados em contra-plongée com a câmera em movimento, por exemplo. É como se ora
a câmera/telespectador é o skatista e ora, é o ambiente inóspito, bruto, com seus obstáculos se
contrapondo ao skate e seu skatista.
não é mais o olhar do telespectador do vídeo, mas o olhar do próprio objeto da cena no vídeo,
expandindo as possibilidades estéticas de filmagens, como as consagradas nas coberturas das
Olimpíadas, especialmente a partir de 1936, com as presentes no documentário Olympia (1938),
de Leni Riefenstahl, sobre os Jogos Olímpicos de Verão de 1936, em Berlim, Alemanha. Neste
sentido, uma expansão da estética fílmica que, pelas vicissitudes do skate, no surpreende,
como exige Humberto Eco.
Elson Faxina e Luiz G. Barros
A INFLUÊNCIA DAS FILMADORAS VX NO IMAGINÁRIO SKATISTA
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“Com a mensagem estética acontece o mesmo que acontecia com o enredo
trágico construído segundo as regras da poética aristotélica: o enredo deve
fazer acontecer algo que nos surpreenda, algo que além das nossas
expectativas e seja, portanto, pardtendéxan (contrário à opinião comum)”.
(Eco,1968: 53)
Uma das últimas, literalmente, nuances que regem um vídeo de skate é a última manobra, ou a
ender trick. Ela é a manobra mais aguardada, mais inusitada, mais difícil ou mais criativa; pois
a última manobra de um vídeo de skate é a mais marcante, a que fica no imaginário. E nisso, os
vídeos de skate se voltam a uma narrativa própria do audiovisual, ou ainda, a uma estrutura
própria dos modos de se contar uma história, resguardando para o final o seu desfecho.
É o terceiro e último ato de um filme, segundo Syd Field (2001); o momento da resolução, do
ápice de uma história, mas não o seu fim. Em Manual do Roteiro, o autor afirma que o fim da
história é aquela cena, imagem ou sequência com que o roteiro termina, não é a solução da
história” (Field, 2001, p.16), é a imagem que surpreende.
Ou seja, após apresentar o skatista e sua arte de equilibrista, uma espécie de trapezista
inseparável de seu skate - primeiro ato; começa então o segundo ato, mostrando suas
habilidades, suas particularidades na arte das manobras turbulentas sobre espaços impróprios,
esquivos, fugidios, desafiadores, com todos os riscos que lhe são oferecidos; chega então o
desfecho, o terceiro e último ato, com aquela manobra quase impossível, a mais desafiadora de
todas, mostrando um skatista insuperável, uma espécie de luta entre o mocinho - skatista e seu
skate -, contra o bandido - lugar inóspito; seguindo a trajetória do herói, um clichê das histórias
épicas.
A revolução digital e a contemporaneidade
A revolução digital pôs em xeque muitas das tecnologias analógicas. A propagação de
smartphones e outras tecnologias capazes de fotografar ou filmar fez com que, a todo momento,
todas as pessoas possam filmar e registrar alguma cena. Isso em um primeiro ponto de vista é
ótimo, pois democratiza o acesso à produção e distribuição em comunicação. Entretanto, o
poder das redes sociais começou a voltar a atenção das pessoas não apenas em produzir, mas
sim viralizar, estar nos ‘trendings’. Com isso, marcas de skate observaram que poderiam atrair
os skatistas não apenas com vídeos full, ou outras produções audiovisuais, mas sim com uma
presença digital forte, caminho percorrido por praticamente toda a indústria cultural. Essa
mudança impactou na criação de novas manifestações de cultura e novas tendências dentro do
universo audiovisual de skate.
O ano de 2013, entretanto, pode ser considerado um marco, em função do anúncio de algumas
revoluções na cultura audiovisual do skate tanto quanto a criação da VX: Videosfull começaram
a sair com menos frequência, dando lugar a “partes solo” de skatistas; o ultra HD começou a
ser contemplado e produções, como o filme Pretty Sweet da marca Chocolate com a marca Girl,
Elson Faxina e Luiz G. Barros
A INFLUÊNCIA DAS FILMADORAS VX NO IMAGINÁRIO SKATISTA
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por exemplo, com drones, Alexas, REDs e câmeras de cinema começaram a ser mais comuns.
A Thrasher, maior e mais icônica revista de skate e acervo de memoráveis vídeos, posta pela
primeira vez na história um vídeo, em seu canal do Youtube, com apenas uma manobra, no
quadro Magnified - uma espécie de making of das manobras dos anúncios da revista.
Uma das maiores mudanças, porém, foi nas redes sociais, onde a comunidade de skatistas,
amadores e profissionais, e a indústria começaram a estar ativamente online e, somado a isso,
o Instagram começa a aceitar vídeos em sua plataforma. Essa talvez tenha sido a gota d’água
para os olhares de praticamente todo o universo do skate se voltarem para a rede social de fotos
e, desde então, vídeos. A personalidade, as ações, as individualidades e as manobras dos
skatistas que se tornaram referências por suas histórias não estavam somente nas fitas e nos
filmes. Agora, para ver que manobra o seu skatista de referência está ‘mandando’, ou até o que
ele está fazendo ou faz, basta um toque no aplicativo.
“A internet mudou totalmente a forma como os vídeos de skate são pensados,
realizados e divulgados. Atualmente as marcas não ganham dinheiro
diretamente através da venda de cópias dos filmes como ocorria nos anos
1990 e 2000. As produções são divulgadas e difundidas a partir,
principalmente, mas não só, do site Youtube. Nesse site também são
divulgadas produções realizadas a partir da transmissão ao vivo de eventos,
competições e festas do skate. Percebe-se, portanto, que a diversificação dos
tipos de produções acarretou diversas alterações nas formas que os "vídeos
de skate" são consumidos pelo mundo afora.” (Cirino, 2019: 114)
A influência de toda essa parte da história é inegavelmente enorme. Todos os filmes citados
nesta pesquisa criaram legiões de fãs e espectadores, que reproduzem e resistem na produção e
propagação da cultura audiovisual em questão. No entanto, a maioria da indústria decidiu por
seguir em frente e deixar de lado boa parte dessa cultura, indo rumo à influência digital nas
redes sociais. E isso, por ter passado de uma década, também colhe os frutos da sua influência.
Atualmente, pessoas que recém começaram a andar de skate conhecem, seguem e engajam com
as ‘estrelas’ e ‘ultra campeões do skate’, especialmente à prática do skate como esporte, como
competição, embora desconheçam grande parte da história audiovisual e jamais assistiram a um
desses filmes.
Este rumo parece ameaçar a cultura, entretanto, a revolução digital também reacendeu uma
chama no âmbito das VXs com os chamados recorders. Esses aparelhos são gravadores digitais,
que quando conectados à câmera conseguem gravar o conteúdo produzido por elas em das fitas,
transpondo, ao que parece, uma etapa das dificuldades de se ter uma VX atualmente: encontrar
fitas funcionais e digitalizá-las.
Mas esses apetrechos ainda não foram muito popularizados e são difíceis de se encontrar.
Quando encontrados, geralmente são mais caros que as próprias câmeras. No entanto, ao que
tudo indica a cultura do skate parece destinada a ir buscando os subterfúgios, os espaços, as
Elson Faxina e Luiz G. Barros
A INFLUÊNCIA DAS FILMADORAS VX NO IMAGINÁRIO SKATISTA
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brechas, criadas ou deixadas em cada novo momento tecnológico. Se este momento das redes
sociais parece ameaçar a cultura do skate, ela resiste e vai vislumbrando caminhos novos.
Considerações finais
Mesmo após quase duas décadas do fim de sua fabricação, ainda há novos vídeos de VX quase
que diariamente. Sua existência resiste em meio a uma comunicação mais digitalizada, um
mundo cada vez mais HD. As VXs tendem, ao que parece, caminhar rumo a uma espécie de
eternidade. Seus registros e memórias estão eternizados em filmes, vídeos e na mente de
espectadores dessas imagens. Talvez seja impossível afirmar que daqui a algumas décadas
ainda haverá skatistas filmando em VXs, mas os elementos estéticos pavimentos a partir delas
estão dados e, com certeza, serão dinâmicas discursivas levadas adiante por meio de novos
dispositivos de registro de som e imagem.
A evolução tecnológica tende a ser perene, mas deixar para trás as tecnologias criadas é uma
escolha individual. E essa não é a escolha da maioria dos que ainda hoje usam essas câmeras.
Elas são utilizadas, além de tudo, por sua história e aderência de sua estrutura física e resolução
estética aos desafios de se gravar evoluções dos kate. Esse uso faz com que elas deixem de ser
apenas uma câmera e virem uma espécie de tótem para skatistas, o que ajudará a manter as
narrativas discursivas proporcionadas por elas.
Com relação aos objetivos desta pesquisa, pode-se constatar que, de fato, as filmadoras Mini-
DV influenciaram e ainda influenciam os produtores de vídeos de skate, desse universo
analisado, a optarem pelas câmeras VXs por suas características físicas e oferta estética de
imagem, que possibilitam melhor registro dos movimentos e proximidade estético cultural com
o skate. Outra constatação desta pesquisa, a partir de seus objetivos, foi a existência de uma
espécie de culto às VXs, por sua história e suas características, por parte dos entrevistados.
Por outro lado, não foi registrado nesta pesquisa uma recusa às câmeras HD. Isso, no entanto,
pode ser analisado mais profundamente em uma pesquisa focada nessas câmeras, mas é possível
que existam tótens dentro do universo das HDs como as câmeras com cartãoP2, por exemplo,
que foram sucessoras das Mini-DVs. Em específico a Panasonic HVX200, ‘sucessora’ da Sony
VX1000 com uma estrutura muito parecida, porém, em HD, que também passou a ser muito
utilizada por skatistas.
Mas, o que impede a tecnologia mini-DV voltar de maneira ativa e universal algum dia? Quem
sabe de uma forma mais acessível, tecnológica, mas sem perder todos os aspectos estéticos e
dispositivos físicos de uma câmera, como aqui tratados. Ou ainda voltar com a fabricação da
mesma forma, sem ou com poucas mudanças, fabricando ou implementando os recorders na
própria câmera ou então criando outra tecnologia similar capaz de reativar essa cultura
abruptamente. Mas isso é apenas um exercício de futurologia, desprovido de quaisquer
informações, a não a capacidade de mobilização de uma grande parte dos skatistas, como
ocorreu há duas décadas, forçando a fabricação de um grande lote de VX.
Elson Faxina e Luiz G. Barros
A INFLUÊNCIA DAS FILMADORAS VX NO IMAGINÁRIO SKATISTA
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Essa resposta e os próximos episódios dessa história só o futuro nos mostrará. Mas, uma coisa
é certa, mesmo de maneira ameaçada - por falta de produção e incentivo externo - a cultura
audiovisual das VXs no skate está longe de acabar. O legado é passado de geração em geração,
mesmo que de maneira menos quantitativa, mas ainda assim é continuado e com qualidade. Isso
porque as produções de VXs não deixaram de virar clássicos após o fim da sua fabricação.
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Elson Faxina
elfaxina@gmail.com
Jornalista, documentarista, professor e pesquisador em comunicação da Universidade Federal
do Paraná UFPR, Brasil; professor colaborador do Programa de Pós-Graduação em Artes da
Universidade Estadual do Paraná PPGArtes/Unespar, Brasil; pós-doutor em Produção
audiovisual e divulgação científica, pela Universidade Complutense de Madri UCM, e em
Pesquisa em narrativas audiovisuais inclusivas, movimentos migratórios e cidadania, pela
Universidade Autônoma de Barcelona UAB; doutor em Ciências da Comunicação pela
Unisinos; mestre em Cinema, Rádio e Televisão, pela ECA/USP, Brasil; graduado em
Comunicação Social - Habilitação Polivalente, pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná;
com mais de duas décadas de experiência em televisão.
Elson Faxina e Luiz G. Barros
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Luiz G. Barros
luiz_gustavobs@outlook.com
Designer gráfico, skatista desde os 7 anos de idade e filmmaker desde os 15 anos. Formado em
Publicidade e Propaganda pela UFPR em 2023, atuou como diretor de arte em agências de
publicidade e como maker no universo do skate. Atualmente ocupa o cargo de designer no meio
empresarial. Luiz é movido por influências da arte, música, skate e cinema, áreas que moldam
sua visão estética e profissional, além de buscar uma conexão profunda com a cultura urbana e
expressão artística contemporânea.