Regiane Bressan e Salete Paulina Machado Sirino
DOCUMENTÁRIO SERGIO MOURA, VIDA E ARTE VOAM JUNTOS
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DOCUMENTÁRIO SERGIO MOURA, VIDA E ARTE VOAM JUNTOS
DOCUMENTAL SERGIO MOURA, LA VIDA Y EL ARTE VUELAN JUNTOS
DOCUMENTARY SERGIO MOURA, LIFE AND ART FLY TOGETHER
Regiane Bressan
1
PPGARTES-UNESPAR
gianebressan69@gmail.com
Salete Paulina Machado Sirino
2
PPGARTES-UNESPAR
saletems@uol.com.br
Resumo
Neste artigo, pretende-se apresentar uma reflexão sobre o cinema documentário no
processo de desenvolvimento de um filme que se propõe a lançar um olhar singular sobre a vida
e a arte de Sergio Moura, em uma perspectiva de promover o acesso ao processo criativo do
artista ao revisitar lugares, trabalhos guardados, seus projetos Praça da Arte, Artshow,
Sensibilizar, e a urgência de cultivar a sensibilidade criadora com a complexa e
imprevisível realidade brasileira a partir dos referenciais teóricos. Assim, apresentamos uma
imersão em sua memória, dirigida por momentos que levaram Sergio Moura ao reencontro das
suas ações entrelaçadas com a arte e a vida na linha do tempo, e na possibilidade de invocar
a Arte para expandir o caminho a ser trilhado com liberdade na projeção dos pensamentos
da vida no coletivo.
Palavras-chave
: Arte, Coletivo, Cinema, Documentário, Sergio Moura.
1
Artista Visual. Mestranda do Programa de Pós-Graduação Mestrado Profissional em Artes UNESPAR. Brasil.
2
Doutora em Letras pela UNIOESTE. Pesquisadora Docente, Reitora da UNESPAR. Brasil.
Regiane Bressan e Salete Paulina Machado Sirino
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Resumen
El objetivo de este artículo es presentar una reflexión sobre el cine documental en el
proceso de desarrollo de una película que pretende dar una mirada única a la vida y el arte
de Sergio Moura, con el fin de promover el acceso al proceso creativo del artista,
revisitando lugares, obras almacenadas, sus proyectos Praça da Arte, Artshow y
Sensibilizar, y la urgencia de cultivar la sensibilidad creativa con la compleja e
impredecible realidad brasileña, a partir de referencias teóricas. Así, presentamos una
inmersión en su memoria, guiada por momentos que llevaron a Sergio Moura a
redescubrir sus acciones entrelazadas con el arte y la vida en la nea del tiempo, y la
posibilidad de invocar el Arte para ampliar el camino a recorrer con libertad en la
proyección de los pensamientos de la vida en lo colectivo.
Palabras clave
:
Arte, Colectivo, Cine, Documentario, Sergio Moura.
Abstract
This article aims to present a reflection on documentary cinema in the process of developing a
film that proposes a unique look at the life and art of Sergio Moura, from a perspective of
promoting access to the artist's creative process by revisiting places, archived works, his
projects Praça da Arte, Artshow, Sensibilizar, and the urgency of cultivating creative
sensibility with the complex and unpredictable Brazilian reality based on theoretical
frameworks. Thus, we present an immersion in his memory, guided by moments that led
Sergio Moura to rediscover his actions intertwined with art and life along the timeline, and in
the possibility of invoking Art to expand the path to be trodden with freedom in the projection
of life's thoughts into the collective.
Keywords: Art, Collective, Cinema, Documentary, Sergio Moura.
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Introdução
Este artigo trata da proposta de investigação e elaboração de um documentário sobre o
processo criativo do artista Sergio Moura. O reconhecimento do valor de sua obra tem
raízes a partir de encontros e projetos do grupo ARTIXX
3
, coordenado pelo artista, que
ressaltou a importância de encontrar novos caminhos para expressar a experiência vivida,
incentivando artistas a romper com as barreiras tradicionais e a explorar novas formas de
engajamento com o público, além de reconhecer a importância das experiências e das
interações que ocorrem ao longo do desenvolvimento de uma obra, destacando que o ato
de criar é tão significativo quanto o resultado final.
O uso de diferentes recursos e meio se
encoraja a exploração e a inventividade, com foco nos processos criativos, e não apenas nos
produtos finais, valorizando, assim, o percurso artístico. Essa abordagem dinâmica não
apenas enriquece o trabalho artístico, mas também estimula o público a pensar criticamente
sobre as obras e suas próprias experiências, conforme enfatiza o ARTIXX,
“Voltado aos processos produtivos da arte contemporânea, incluindo a
sica, o teatro, a poesia, o vídeo, o cinema, a literatura, a moda e a
arquitetura, proclama que todas as possibilidades o válidas para se
encontrarem novos caminhos, para expressar a experiência vivida e para
dar vazão ao processo criador.
4
Nesse sentido, a multidia se torna um meio poderoso para dar voz a narrativas diversas,
permitindo que as experiências individuais e coletivas sejam compartilhadas de maneira mais
ampla e impactante. A música pode dialogar com o vídeo, a poesia pode ser incorporada
em instalões multimídia, e a arquitetura pode ser pensada como um espo de performance.
Cada uma dessas áreas traz suas particularidades e cnicas, mas, ao mesmo tempo, elas se
alimentam mutuamente, enriquecendo o processo criativo e ampliando as possibilidades de
interpretação e fruição da obra.
Além disso, a liberdade de expreso, promovida pelo ARTIXX, foi fundamental para o
florescimento de ideias inovadoras e para a afirmão de uma ampla gama de recursos
para a
criação arstica. Nesse momento, via-se Sergio Moura como um mestre, dividindo toda a sua
experiência com artistas que acreditavam na arte entre pessoas. Sim, este era o lema do
ARTIXX, Arte Entre Pessoas.
Em dezembro de 2021, foram selecionados alguns deos filmados de Sergio Moura em 2017,
na ação OLHA A RUA. Esses deos motivaram a realização
d
a montagem de um curta-
metragem e a apresentação para ele da atitude que sempre apresentou diante das situações
difíceis da vida, a preocupação com o convívio entre as pessoas na forma coletiva e de
propostas para tirar a mordaça que o sistema usava para oprimir no dia a dia. Suas propostas
3
Em 2011, o Grupo ARTIXX era formado por Sergio Moura, Carla Teodorovicz, Giovana Casagrande, Regiane
Bressan e Rogério Guiraud.
4
ARTIXX. Carta de princípios-Manifesto. Disponível em https://artixxaoarlivre.blogspot.com/
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reforçaram provocações rumo à ruptura e ofereciam a poesia nos encontros entre as soluções
e as diferenças, mostravam o quanto a censura enclausurava de forma que as pessoas
adoeciam e não percebiam que eram mantidas reféns nesse ciclo infinito.
Para Sergio Moura, a arte não poderia se limitar a um objeto, embora também adorasse a fatura
da pintura. Duas situações foram fundamentais para ele no desenvolvimento da sua vida com
a arte, uma foi a educão e, ao conhecer a Fayga Ostrower, sentiu que estava fazendo a escolha
certa, e sempre lembra de suas palavras: o Brasil, pela desigualdade que tem, não pode
se dar ao luxo de desprezar a função do artista no campo educacional”, uma forte
refencia em sua vida de artista educador. Com a educação, entrelaçou as ações sociais, ações
performáticas e de rua ao encontro com as pessoas, provocando-as para um diálogo mais
profundo sobre a condição humana e suasltiplas expressões. A outra situação foi perceber
que precisava organizar sua produção artística e passar a fazer exposições, um passo
significativo no desenvolvimento da sua carreira como artista. Sergio Moura acrescenta:
“A minha primeira exposição em Curitiba foi em (19)82, nove anos depois
de ter chegado aqui.[...] Eu acho que isso é uma parte importante da
minha trajetória, ter percebido isso, a necessidade de construir essa
produção no dia a dia, com muita serigrafia, muita pintura, muito
desenho e tal, sem esquecer do campo social, da ação mais de guerrilha,
que vai contra a sociedade, que vai provocar a sociedade na rua”.
5
Logo, sua percepção com a produção artística, a educação, sem esquecer do social nas ruas,
e a cada ano ou momento difícil que se apresenta atualizam-se, pois a sua capacidade em
convocar a arte para projetar dlogos ainda era muito forte, onde limites são desafiados e novas
realidades podem ser imaginadas e vivenciadas. Nesse momento, a linha invivel da hisria da
arte desce em movimentos, dançando no céu, no centro da Terra, onde encontramos Sergio
Moura em seu atelier, escrevendo novas ações em pleno século XXI.
5
Moura, S. Retirado de Malmaceda, L. B. “O Eixo Sul Experimental: conceitualismo e contracultura nos
cenários artísticos de Curitiba e Porto Alegre, anos1970” (p.269-270)
.
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FIGURA 1. Sergio Moura escrevendo manifesto Olha a Rua (2017).
Fonte: Arquivo Regiane Bressan
O deo digitalizado ARTSHOW
6
, recebido das os de Sergio Moura, em 2022, foi
inspirador, promovendo a sensação de que, ao narrar as cenas projetadas, ele estava
vivenciando novamente toda aquela semana experienciada em 1978. Neste momento, foram
iniciadas as gravações definidas por um pré-projeto planejado para o Mestrado Profissional
em Artes, oferecido na UNESPAR. A partir deste momento, foi desenhada uma janela com a
possibilidade de abri-la ao apresentar para Sergio Moura e Priscila Sanson, sua companheira
de vida e arte, comum a grande participação da artista Carla Teodorovicz, o projeto que seria
enviado para o mestrado. Com a aprovação de ambos, houve a certeza de que a arte e a vida
eso entrelaçadas. Que é possível respirar e ver arte em todo lugar. Realizar o registro de
uma memória brilhante tornou-se o propósito. Buscou-se, então, uma ferramenta que
possibilitaria desenvolver a disseminação da pesquisa realizada sobre o processo criativo e
dos relatos a partir dos materiais gravados com o artista Sergio Moura, o documentário.
Após o projeto
ser
aprovado no Programa de Pós-Graduação em Artes da UNESPAR, a
linguagem cinematográfica, na disciplina eletiva Cinema Brasileiro: da criação à difusão,
ministrada pela professora de cinema Salete Machado Sirino, promoveu o entendimento
de que seria possível comunicar com delicadeza o quão forte é a vida na arte. Seminários
realizados com reflexões dos filmes e dos conceitos apresentados por diretores do cinema
brasileiro, a trajetória e a importância dos movimentos realizados por estes pensadores da
sétima arte são refletidos até hoje. Tal observação pode ser exemplifica com palavras de Deleuze
(2018):
6
Vídeo filmado inteiramente em Super-8 e digitalizado pelo pesquisador Newton Goto para o projeto Circuitos
compartilhados (2008).
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“A imagem cinematográfica é sempre individual. A razão última disso é
que a tela, enquanto quadro dos quadros, confere uma medida comum
àquilo que não atem, plano distante de paisagem e primeiro plano de rosto,
sistema astronômico e gota de água, partes que não apresentam um mesmo
denominador de distância, de relevo, de luz. Em todos esses sentidos, o
quadro assegura uma desterritorialização da imagem”.
Deleuze, 2018: 33
Algumas imagens são quadros que representam janelas abertas na dimensão de outro
mundo. Mundo imaginário. O documentário é uma destas janelas, e possibilita esse processo
mágico que encanta ao revelar o registro de um momento que passou. Que não poderá ser
vivido novamente, não igualmente. Eterniza o momento. Formaliza o processo. Comunica a
eternidade. A arte celebra o amor com a vida. Guarda a vida em um disco rígido
7
ou disco
óptico
8
e, ao deixar o tempo tomar conta, ultrapassa os limites guardados em processos. O
tempo distorce, altera sua cor, a luminosidade, a sensação, o olhar. Ultrapassa a realidade ao
diluir formas ali contidas e inseri-las num novo espo, com apancia de ser feita sem esforço.
O documentário fílmico e alguns conceitos
Como destacado inicialmente, neste projeto, o propósito é apresentar o processo de
desenvolvimento de um filme sobre a vida e a arte de Sergio Moura em uma nova perspectiva
de exposição e promover o acesso ao processo criativo do artista. Para a construção narrativa e
abordagem do documentário, com a preocupação em deixar Sergio Moura falar livremente
sobre os temas levantados, vamos abordar alguns conceitos do documenrio, enquanto
linguagem audiovisual, identificado em Aumont (1995) e Dubois (2004), que referendam a
possibilidade de trazer as lembranças fortes que possuem visões sobre a vida e a produção
artística, as quaisilustramoquefoirealizadonoperíodode1977 a 1987.
A reflexão sobre o cinema documentário baseou-se nas teorias de Bazin (1991) e Deleuze (2007
e 2018), na elaboração e no desenvolvimento da linguagem cinematográfica e as tendências
contemporâneas do cinema documentário que prolongam ou renovam uma arte, neste caso,
a arte de Sergio Moura. Lumet (1998), diretor de cinema, produtor e roteirista, relata cada etapa
do seu processo na realização de um filme, desde a seleção do roteiro até o corte final, não
apenas os aspectos técnicos, mas tambémos desafios emocionais e psicogicos com os quais se
deparou com narrativas e intensos estudos de personagens e reflexões tocantes sobre questões
morais e sociais. Nichols (2010) define que os documentários são uma forma rica e
diversificada de narrativa audiovisual que pode ser categorizada em diferentes modos, cada um
com suas características e intenções: expositivo, participativo, observativo, reflexivo,
performático e poético. Apresenta a compreensão das queses éticas envolvidas na produção
7
É um hardware usado para armazenar conteúdo digital e dados em computadores.
8
É um dispositivo de entrada usado em equipamentos computacionais e equipamentos de entretenimento para
reprodução de sons e vídeo.
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de documentários, a diferenciação entre documentários e filmes de ficção, o impacto e a
importância dessa forma de arte na sociedade contemporânea.
Aplicando essa categorização de Nichols (2010) ao documentário sobre Sergio Moura,
podemos dizer que algumas tomadas de decisão, ainda na fase de argumentação, levaram a
uma narrativa que pode ser classificada como participativa e reflexiva. Durante as gravações,
por exemplo, foram possíveis intervenções diretas dialogadas entre entrevistado e
entrevistadora antes de iniciar a gravação, para que o fosse necessário pausar a filmagem.
Todo esse processo de diálogo foi registrado e utilizado na edição final com o intuito de
conduzir o espectador a ser testemunha das ações e oferecer um outro olhar a respeito do
processo criativo de Sergio Moura (Dubois, 2004: 44-45). A diversidade de pensamentos que
convergem e divergem a respeito de temas como a falta de comunicação entre alunos de dois
cursos na mesma instituição, promover o diálogo imediato com o público em trânsito e os
artistas na relação de troca, provocados à expectativa da participão do público por meio da
crião estética coletiva e provocar a sensibilização dos transeuntes, priorizando as
particularidades de um local da cidade para promover uma reflexão poética na rotina
cotidiana dos cidadãos no período da ditadura militar, tornam também a construção narrativa
do documentário reflexivo.
Considerando realizar uma análise mais profunda e precisa sobre os fatos, com a finalidade
de compreender a conexão que existe entre a história individual de Sergio Moura com a
história da sociedade no período em que desenvolveu sua linguagem, momento em que iniciou
a sua forma de expressar o seu olhar crítico por meio da arte, a narrativa se desenvolverá mais
precisamente nos projetos Praça da Arte, Artshow e Sensibilizar. Dessa forma, o trabalho deste
artista contempla o coletivo carregado de teor crítico devido à persistência em realizar
projetos relacionais e vivenciais, frequentemente transitórios, ao longo dos anos no campo
artístico em geral, ocorridos durante o período ditatorial militar. Para ilustra rum dos projetos
citados, segue abaixo uma imagem retirada do vídeo filmado inteiramente em Super-8,
Artshow, digitalizado pelo pesquisador Newton Goto, no momento em que Sergio Moura
estava conversando com as pessoas que paravam na Galeria Júlio Moreira.
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FIGURA2. FramedovídeoARTSHOW(1978).
Fonte:ArquivoSergioMoura
Para garantir uma relão de confiança e relão aberta com Sergio Moura, a narrativa se
desenvolverá por meio da técnica entrevista aberta. Pretende-se registrar os depoimentos
espontâneos, com emoção e sentimentos durante a fala e expressão corporal do artista com duas
filmadoras, com a finalidade de realizar a transcrição do conteúdo (Lumet,1998: 71).
Em complemento ao material de pesquisa a ser produzido, será utilizada a filmagem dos
depoimentos de Sergio Moura para a produção do documenrio, com foco na memória de suas
ações em movimentos e encontros arsticos de vanguarda que retratam uma fase importante de
sua trajetória de criador, pela força poética de suas ideias, marcadas pelo imaginário dos
movimentos sociais, políticos e artísticos.
Paralelamente, serão levantados os documentos como reportagens antigas, entrevistas com
pessoas que conhecem o artista, publicações sobre Sergio Moura, realizadas por meio de
pesquisas, para análise comparativa com os fatos relatados, possibilitando aprofundar nas
intenções emotivas, adquirindo sentido a partir das ações e relações. Portanto, o documentário
será realizado por meio da escuta do relato livre de Sergio Moura, pois existe pouco material
sobrea vida e a obra deste artista. Neste caso, como um artista com tamanha preocupação
em projetar a arte que es dentro das Instituições
9
para fora, oferecendo o diálogo da sociedade
transeunte com a arte, não é conhecido no Brasil?
Em vista disso,
pretende-se apresentar, com sutileza, a maneira como o olhar se relaciona com
o tempo e apresentar o envolvimento com o mundo imagético, acompanhada do processo
estabelecido pelo tempo na janela aberta pela arte. Mudar. Reencontrar a forma daquilo que está
9
Escolas, Faculdades, Museus, Galerias, Atelier, Teatros, Cinemas.
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em torno do mundo imagético para modificar e inserir em um novo espaço o qual es além da
realidade palpável e física (Aumont, 2004). A imagem está na realidade que nasce da
memória, uma realidade na qual tudo é possível. Segundo Aumont, cada imagem na supercie,
mesmo que pouco visível, pode revelar imagens interiores da alma, imagens que ficam na
imaginação.
“Figurar o ar, a atmosfera, (... ) a luz, dar conta destes fluidos misteriosos,
foi uma das obsessões da pintura até o momento em que, com o
impressionismo e sobretudo com Cézanne, a lógica da sensação toma
conta de tudo, e permite, enfim, pintar, com um mesmo movimento, tanto
as coisas ‘definidas’ quanto esse ‘indefinido’ que as rodeia e as liga. (...)”.
Aumont,2004: 226
Nesse sentido, a qualidade das imagens obtidas no processo é determinante na projeção. Porém,
não se pode concluir que seja mais importante que a linguagem ou o processo de produção
do trabalho; a qualidade do registro é fundamental na concepção que o resultado alcançará,
fazer o filme seguir o seu próprio sentido, o de uma preocupação reconhecida e consciente
do visual em todos os estados, coisas e‘entre-as-coisas (Aumont,2004: 226).
Este mundo está além da realidade palpável e física, a realidade que nasce da pintura,
realidade imagética onde tudo é possível para Sergio Moura. Diluir as formas do que está
ao redor, modificar e inserir num novo tempo o espaço e o lugar, utilizar sua interferência
em diferentes momentos através de ações e apresentar, ao mesmo tempo, a imagem
ampliada na profundidade da memória para registrar o tempo vivido.
Revelar a ação do tempo no registro dos relatos de Sergio Moura, ao navegar na lembrança
dos
momentos vividos, acrescenta algo à imagem que trabalha em contratempo, do qual surgem
janelas abertas que se misturam, o processo e a memória, mas nunca se confundem, pois o
processo, muitas vezes é realizado em um tempo diferente da imagem resgatada, oferecendo,
assim, um novo significado àquela imagem no momento da montagem. Segundo Deleuze
(2018):
“A montagem é a composição, o agenciamento das imagens-movimento
enquanto constituem uma imagem indireta do tempo. Ora, desde a mais
antiga filosofia muitas maneiras pelas quais o tempo pode ser
concebido em função do movimento, em referência ao movimento, de
acordo com composões diversas”.
Deleuze, 2018: 56
À vista disso, na função que une passado e presente, entra-se, novamente, de uma outra
maneira, no tempo consumido do passado, automaticamente uma atualização de sentidos e
valores, ao fazer uma relação com o momento presente. Ultrapassar limites e alterar as
barreiras do tempo no caminho idealizado, sonhado. Iniciar processos com a imagem e
acompanhar o desenvolvimento, sem esperar o resultado final, pois a vida está em constante
movimento. Essa linguagem é o cinema, que amplia a comunicação, com a projeção de
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imagens que expressam e sugerem diferentes materiais no processo, com uma escolha de
recomeço. (Bazin,1991: 67)
A execução do projeto visa oferecer ao observador o envolvimento com o mundo imagético
acompanhado das cores que evidenciam o ambiente, o Atelier, “Palácio da Memória”
10
,
sob uma perspectiva com profundidade. A sensação de movimento nas imagens representa
um momento de vida que passou e, ao acessar a memória, com sutileza, possibilita um novo
enquadramento: mudar a relação com o mundo imagético, relembrar, ver e viver o mundo
através das janelas da arte, por meio da montagem. Deleuze (2018) destaca que,
“Do começo ao fim de um filme, algo muda, algo mudou. Mas esse todo que
muda, este
tempo ou esta duração, parece poder ser apreendido apenas
indiretamente, no que diz respeito às imagens-movimento que o exprimem.
A montagem é essa operação que recai sobreas imagens-movimento para
extrair delas o todo, a ideia, isto é, a imagem do tempo”.
Deleuze, 2018: 55
Nessa perspectiva, as cenas foram captadas por meio das experimentações, criando assim
estruturas e problemas compositivos onde aparecem os elementos pictóricos. As mudanças no
processo ocorreram para aumentar a possibilidade de variação de resultados na montagem,
o que proporcionou condições de adquirir a diversidade para desenvolver a criação
(Deleuze, 2018: 206-207).
Desse modo, Porter (2005) ressalta que o documentário, além de informar, também voz a
grupos e histórias que muitas vezes são marginalizadas ou silenciadas na sociedade. Essa
multiplicidade de vozes enriquece o debate e amplia a compreensão do mundo. E destaca
a singularidade e a eficácia do documentário como meio de comunicação:
“Antes de termos meras, microfones e dispositivos de gravação,
tínhamos coisas como imagens pintadas, a palavra falada e pintada, e
também o canto, a dança e o ritual. Tínhamos meios de expressão. [...] Eu
diria que esta necessidade humana de se comunicar tem sido a nossa
característica mais definidora, e a ferramenta básica e essencial para a
evolução da sociedade humana”.
Porter,2005: 45
a necessidade de uma construção de olhar para o processo criativo, para os espectadores
olharem para si e que entendam o documenrio de uma maneira mais aberta a possibilidades,
a partir de projetos que propõem a formão de blicos para o cinema, por meio da educação.
Conforme apresenta Sirino (2020), em Cinema Brasileiro na escola:
10
Sugestão do Prof .Dr. Hertz de Camargo na Banca de Qualificação, maio de2024.
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“Ao colocar o Cinema Brasileiro na escola, a Lei 13.006/2024 suscita
umarie de problemas e discussões, tais como a instrumentalização dos
professores para a utilização educativa do cinema e o acesso à produção
audiovisual brasileira. Em vista disso, cabe discutir os critérios de escolha
dos filmes, a formação do público, a qualidade da exibição, conhecimentos
não verbais vinculados ao som, à imagem e ao movimento, entre outras
cognições”.
Sirino,2020: 14.
A afirmação de Sirino (2020) sobre o potencial de projetos de extensão voltados para o
ensino do Cinema Brasileiro destaca a importância de proporcionar aos estudantes de
graduação e pós-graduação experiências práticas e teóricas que enriqueçam sua formação
(Sirino, 2020: 16). Os projetos de extensão oferecem experiências diticas sobre cinema e
são fundamentados na capacidade das iniciativas de enriquecer a formação dos estudantes.
Por meio de técnicas metodológicas e da leitura crítica, esses projetos não apenas promovem
o ensino do Cinema Brasileiro, mas também contribuem para a formação de profissionais
mais críticos e conscientes, capazes de dialogar com as complexidades da cultura
audiovisual contemporânea. (Sirino, 2020: 17)
Em conformidade com a Lei 13.006/2014, a importância dos projetos de extensão
universiria que envolvem o ensino e a experncia ptica com o cinema, tanto para estudantes
de graduação quanto de pós-graduão, a partir de iniciativas que promovem a interação entre
a universidade e a comunidade, permite que o conhecimento acadêmico seja aplicado em
contextos reais. No caso do cinema, esses projetos podem oferecer aos estudantes a
oportunidade de desenvolver habilidades práticas e teóricas. O ensino do cinema brasileiro é
especialmente relevante, pois permite que os alunos explorem a cultura nacional, a diversidade
de histórias e representações, além de refletirem sobre questões sociais, políticas e históricas.
Uma leitura crítica envolve não apenas uma apreciação estica, mas também uma análise das
implicações sociais e culturais das obras. (Sirino,2020: 16)
Ao contar histórias que celebram a vida e a diversidade, o cinema não apenas ajuda a manter
viva a memória coletiva, mas também promove uma compreensão mais rica e complexa da
experiência humana. Os documentários desempenham um papel vital na sociedade,
funcionando como testemunhas da verdade e preservadores da memória cultural (Porter,
2005: 51). Muitos documentários se originam dos corações e mentes de artistas com um
senso de responsabilidade social, que têm considerado o fato de fazer filmes parte do
instrumental para a mudança social (Porter, 2005: 45)
A referência nesses aspectos o os filmes Eu te saúdo, Sarajevoe Na Escuridão doTempo”,
ambos do diretor francês Jean-Luc Godard. No primeiro filme, “Eu te saúdo, Sarajevo”, 1993
(Je Vous Salue, Sarajevo, no original), Godard divide uma imagem em várias cenas,
apresentando uma história em 2minutos. Uma reflexão sobre a cultura europeia,
nacionalismos e a guerra da Bósnia, a partir de uma foto de guerra do fotógrafo Ron Haviv
(Almeida, 2011).
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FIGURA 3. Frame do filme “Eu te saúdo, Sarajevo”.
Fonte: Jean-Luc Godard, 1993. In: Youtube.
Texto, narrão e dirão de Jean-Luc Godard:
“De certa forma, medo é a filha de Deus, redimida na noite de Sexta-Feira
Santa. Ela não é bela, é zombada, amaldiçoada e renegada por todos. Mas
não entenda mal, ela cuida de toda agonia mortal, ela intercede pela
humanidade. Pois há uma regra e uma exceção. Cultura é a regra. E arte
a exceção. Todos falam a regra :cigarro, computador, camisetas, TV,
turismo, guerra. Ninguém fala a exceção. Ela não é dita, é escrita: Flaubert,
Dostoyevski. É composta: Gershwin, Mozart. É pintada: zanne, Vermeer. É
filmada: Antonioni, Vigo. Ou é vivida, e se torna a arte de viver: Srebenica,
Mostar, Sarajevo. A regra quer a morte da exceção. Então a regra para a
Europa Cultural é organizar a morte da arte de viver, que ainda floresce.
Quando for hora de fechar o livro, Eu o terei arrependimentos. Eu vi
tantos viverem tão mal, e tantos morrerem tão bem”.
11
Com a combinação de trechos literários e a montagem sequencial de "Blood and Honey"
(Bijeljina, Bósnia, 1992), rie de fotografias do fografo norte-americano Ron Haviv, Godard
articula, em simultâneo, a sica Silouans’Song de Arvo Pärt, e uma fala que une textos seus e
de outros autores - texto citado acima -criando um exercio poderoso de reflexão sobre os
campos da cultura e da arte.Afirma que cultura pertence ao âmbito do que é norma, enquanto
11
Texto de citações literárias narrado por Jean-Luc Godard, no vídeo de 2 minutos exibido na 29ª Bienal de São
Paulo, com o tema Arte e Política”.
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arte é parte daquilo que produz dissenso. E assim como é da natureza da regra suprimir a
exceção, seria da natureza da cultura sufocar a arte.” (Anjos, 2015: 234)
O segundo filme, “Na Escuridão do Tempo”, 2002 (Dans Le Noir Du Temps, no original),
de Jean-Luc Godard:
FIGURA 4. Frame do filme “Na Escuridão do Tempo”.
Fonte: Odyssey Films. In: Youtube.
Godard, ao mesclar imagens de arquivo e filmes de diversos cineastas, incluindo os seus,
oferece uma reflexão profunda sobre a condição humana e sobre o fim em suas múltiplas
dimensões. Por meio dessa montagem, o filme não apenas revisita momentos históricos e
artísticos, mas também convida o espectador a contemplar temas universais que permeiam
a experiência humana (Puppo; Araújo, 2015). O curta tema duração de 10 minutos e 23
segundos, e es incluído na compilação “Dez Minutos Mais Velho O Cello”, 2002 (Tem
Minutes Older-The Cello, no original).
Esses trabalhos não apenas registram eventos históricos, mas também atuam como
mediadores entre o passado e o presente, garantindo que as experiências humanas sejam
lembradas e refletidas. Papel fundamental que obras artísticas, documentais e cinematográficas
desempenham na sociedade. Essa função é essencial para fortalecer a identidade cultural e
fomentar um diálogo contínuo sobre os desafios e alegrias da vida (Porter, 2005: 51).
Processo criativo de Sergio Moura
Embora o documentário geralmente busque apresentar fatos e realidades, ele também pode
incorporar elementos subjetivos. A seleção de informações, o estilo de filmagem e as
escolhas de edição podem refletir a visão do diretor, tornando a obra não apenas informativa,
mas também uma interpretação artística da realidade (Ramos, 2008: 37). Segundo Ramos
(2008), a unidade da narrativa documentária é
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“algo muito próximo daquela que chamamos filme: uma unidade narrativa
enunciada numa duração temporal variável, mas una, sendo veiculada ao
espectador enquanto unidade. O documentário, portanto, é um filme no
modo que possui de veicular suas asserções e no modo pelo qual as
asserções articulam-se enquanto narrativa com começo e fim em si
mesma”.
Ramos,2008: 37.
Nessa perspectiva, dividir o filme nas fases, nos projetos, pensamentos, reflexões,
inquietações, um relato e uma série de observações com a voz do Sergio Moura, resultam
em imagens encontradas e editadas das quais foram filmadas em formato digital nas
câmeras Canon e Panasonic, e as fotografias do acervo do artista. O arquivo o é
fabricado. Na montagem, a escolha do tempo, do momento apresentado, foi um novo tempo
cronológico. Procurou-se apresentar a narrativa respeitando a sequência temporal baseada
nas informações relatadas por Sergio Moura. O momento de cada corte, a edição do
material registrado para a composição poética da realidade vivida e narrada por Moura. Muita
coisa que não foi encontrada nos arquivos, buscou-se no atelier do Sergio ao gravarmos
assuas recordações. Nesses momentos, novos fatos eram expostos e gravados. Documentos
muito bem guardados e revelados para a surpresa do artista. Momento este dirigido por
muita emoção ao revisitarem sua memória recortes de lugares e trabalhos guardados.
Com a decisão de trabalhar somente com arquivos, foi preciso realmente conhecer todos por
inteiro, para que o projeto tivesse uma ideia de como apresentar grande parte dos arquivos,
dando, assim, uma nova vida às memórias [lembranças] dos projetos realizados e vividos por
Sergio Moura. Isso possibilitou transitar no processo criativo e dialogar com a sua memória
na montagem das imagens e dos áudios, em camadas, igualmente às camadas selecionadas
pelo próprio artista de suas lembranças marcadas com a melodia de sua voz. A direção
deste caminho trilhado durante as gravações foi realizada no sentido de dar liberdade para que
Sergio Moura navegasse na linha da história percorrida por ele, serigrafando sua marca na
Arte.
Cada encontro realizado para as entrevistas foi uma imersão no processo criativo do artista
Sergio Moura. Nesse lugar, ele reencontrou registros de momentos vividos ao caminhar pelo
Palácio da Memória, e tivemos a oportunidade de perceber a vida deste artista entrelada com
a arte no seu dia a dia. Em vários momentos citou seu diálogo com a vida e a arte e descreveu
que o sentido da vida é ver a grandeza da arte em tudo que faz. Seus momentos reflexivos
estão em cada movimento executado, seja ao descer a escada ou fazer o pão, a lenha colocada
no fogão a lenha para assar aquela massa que cresceu no ritmo do processo realizado pelo
fermento. Nesse curto espaço do tempo, aproximadamente uma hora, Sergio Moura, ao
respeitar este tempo que o fermento precisa para ligar os ingredientes, oferece a temperatura
necessária para o melhor desenvolvimento dos ingredientes até o momento da entrada no
forno. E completa dizendo A vida nos apresenta ingredientes para várias realizações, e
Regiane Bressan e Salete Paulina Machado Sirino
DOCUMENTÁRIO SERGIO MOURA, VIDA E ARTE VOAM JUNTOS
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cabe a nós escolhermos as combinações para os movimentos propostos por nós ou para
resolver situações inesperadas
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.
Documentário “Sergio Moura, Vida e Arte voam juntos”
O esboço do documentário foi realizado em dezembro de 2021 com a edição de alguns
vídeos gravados no ano de 2017. A partir de janeiro de 2022, após Sergio Moura aprovar
a realização do documentário, foram realizadas algumas reuniões por videoconferência
pela plataforma Zoom, pelo motivo da pandemia do Covid-19. As reuniões duravam de uma
a duas horas.
Nesse período, Sergio Moura iniciou mudanças na estrutura do seu atelier, o Palácio da
Memória. Mudou alguns móveis de lugar. Essas alterações foram realizadas a partir de
fevereiro de 2022, e ahoje, 2025, com menos frequência, mas com grande significado,
encontramos alterões de alguns móveis, a exposão de serigrafias que estavam guardadas,
para a apreciação do artista e de todos que ali entrarem. Nesse tempo foi muito importante
presenciarmos o relato da realização dos seus projetos, a emoção da sua volta em cada
momento vivido e ao mesmo tempo registrar este momento no tempo presente. Ao
aceitarmos o convite de viajar com o artista na linha do tempo, foi perceptível a
oportunidade de viver este momento com a emoção que transbordava em sua narração.
Ao iniciarmos as gravações em seu atelier, sugerimos para não se preocupar com os
movimentos e com a luz, pois o que importava era deixá-lo à vontade em seu ambiente, no
passeio com a memória na linha do tempo e se habituar com a câmera. A presença deste
equipamento interferia, em alguns momentos, tirando-o do local onde estava mergulhado de
emoções revividas. Após o quarto dia de gravação, a câmera fazia parte dos equipamentos
presentes no atelier. É importante destacar que as quatro gravações iniciais foram realizadas
no período de 4 meses, sendo uma em cada mês. No quinto dia de gravação, juntos escolhemos
lugares com a iluminação ideal para o momento da gravação.
Conforme comentado anteriormente, Sergio fala de forma livre, passeia pelas lembranças e traz
com emoção seus ensinamentos, suas aulas no atelier e, ao relatar cada atividade, apresenta os
materiais guardados das experimentações realizadas pelas crianças e adolescentes que
experienciaram momentos da pintura, do desenho e da gravura. Trouxe a experiência e a
sensação de ver as fases e os resultados conquistados pelos pequenos artistas que habitaram
alguns dias em seu atelier e que, hoje, habitam em sua memória.
Em muitos dias de gravação seus passeios foram direcionados. Em alguns, foram
cronológicos; em outros, dependiam dos materiais e trabalhos encontrados nas mudanças
realizadas no atelier. Seus relatos ‘estão’ sempre acompanhados dos teóricos, filósofos e
mestres que fortaleceram seu desenvolvimento arstico e social, foram providenciais para que
eu pudesse emergir do meio da floresta amazônica, localizar a cultura como ponto essencial
de partida em direção ao mundo sem fronteiras e renascer para a vida criativa, lúdica e
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Sergio Moura. Em entrevista concedida à autora em maio de 2023.
Regiane Bressan e Salete Paulina Machado Sirino
DOCUMENTÁRIO SERGIO MOURA, VIDA E ARTE VOAM JUNTOS
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alegre
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. Relatou que, inicialmente, seu diálogo era constante com os autores Hermann
Hesse, Franz Kafka, Khalil Gibran, e logo depois, Wilhelm Reich, Jiddu Krishnamurti,
JohannW. von Goethe, Friedrich Schiller, Friedrich Nietzsche, William Blake, funcionaram
como ssola no período conturbado e efervescente da década de1970”, oferecendo uma
coragem maior de enfrentamento à política na situação social e econômica do momento, para
cutucar os militares”. Novas ideias, Joseph Beuys, Marcel Duchamp, Wassily Kandinsky,
Kazimir Malevich, Piet Mondrian.
Quando falou do seu encontro com a arte, em Manaus, lembrou de diversos artistas que
contribuíram no campo específico da arte, alguns eram professores e outros mais teóricos.
Mestres que conheceu na Pinacoteca do Estado do Amazonas foram decisivos, sendo eles,
Moacir de Andrade, Álvaro Páscoa, Manoel Borges, Hahnemann Bacelar. Identificou-se
imediatamente com Hahnemann Bacelar e desenvolviam o dia a dia com amizade e parceria.
Lembra do amigo que, por tamanha sensibilidade, perdeu-se no mundo imagético,
deixando muita saudade.
Ao falar de suas viagens, em Salvador, no momento que esteve no atelier do artista
Emanoel Araújo, nos surpreendeu a emoção que aflorou em Sergio Moura ao descrever o
seu encantamento com os relevos gravados sobre papel branco. Continuamos a navegar e,
ao chegarmos no Rio de Janeiro, falou de diversos artistas e lugares que conheceu.
Experienciou as brincadeiras coletivas e criativas de arte apresentadas pelo crítico Frederico
Morais; conheceu o atel de Abelardo Zaluar, na Urca, e ficou impressionado ao ver que a
área interior de seu local de trabalho era tomada por completo de muitas estruturas, materiais em
movimento e ali foi o momento que percebeu um artista envolvido diariamente em sua atividade.
Disse que, a partir deste momento, começou a ter muitas ideias em relação à atividade
artística. Um momento riquíssimo na nossa viagem na linha do tempo foi conhecer, por meio
da narração de Sergio Moura, sobre os artistas que conheceu: Lygia Clark, Hélio Oiticica,
Fayga Ostrower, Lygia Pape, Rubens Gerchman.
Em uma pausa, Sergio mostra fotos e, num crescente de emoções, falado lugar que escolheu
para ficar, Curitiba. Nesta cidade, logo conheceu Adalice Araújo (criadora dos Encontros
de Arte Moderna), Ivens Fontoura e Luís Carlos de Andrade Lima, mestres que perceberam
o seu conhecimento artístico e foram receptivos ao saberem que ele era de outra cidade.
Com o material captado, é hora de verificar o conteúdo e selecionar os momentos da narrativa
do documentário. Cada deo é identificado e o feitas anotações detalhadas para ajudar na hora
de montar o projeto na linha do tempo do software de edão. Analisar todas as gravações é
fundamental para a compreensão do conteúdo dispovel na montagem. Nesse momento, o
processo criativo começa a tomar forma, com a definição clara de como cada sequência irá
se desenvolver. Esse processo de seleção e edição é fundamental para transformar um
conjunto de entrevistas e imagens em uma narrativa coesa e envolvente que capte a atenção
do espectador e provoque refleo sobre o tema abordado.
Após a primeira montagem, a opinião de pessoas não envolvidas com o projeto foi muito
importante. Foram realizadas algumas alterações, permitindo aprimorar a estrutura narrativa
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Sergio Moura. Em entrevista concedida à autora em maio de 2023.
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e a mensagem do documentário, pois algumas passagens pediam coerência temática. As falas
e imagens de Sergio Moura precisavam se alinhar com a mensagem central a ser transmitida,
para o público ter uma experiência clara e impactante e voar junto com o artista no Palácio da
Memória.
Considerações Finais
Como destacado inicialmente, esta proposta tem como objetivo apresentar uma exposão dos
projetos realizados pelo artista Sergio Moura por meio da realização de um documentário, para
o registro dos relatos e dos documentos obtidos no Atelier do artista, ou seja, um filme de
arquivo. Falar de meria, de afeto, resgatar a experiência coletiva, assim como o cinema
oferece, tanto na realização do projeto fílmico, quanto o espaço de exibição do filme realizado
que promove a experiência coletiva.
Os relatos aqui escritos são muito pequenos se comparados com a vastidão de tempo registrado
na presença de Sergio Moura. Cada dia de gravação era considerado a partir da confirmação
do artista e organizado com antecedência pela Carla Teodorovicz. Na gravação, o total
registrado não passava de duas horas, mas o tempo na sua presença era muito maior. Eram
encontros entre Sergio Moura, Vida e Arte. Sim, porque Sergio Moura é rodeado de vida e
arte com a presença de Priscila Sanson. Ao falar de Priscila, recordamos de um instante em
que abriu e apresentou o portlio de Sergio com luva e muita delicadeza. Priscila estava
apresentando um momento da arte de Sergio Moura com muito cuidado, com muito amor. É
a sensação experienciada na presença de Priscila e Sergio. É um encontro de Vida e Arte que
voam juntos.
Regiane Bressan e Salete Paulina Machado Sirino
DOCUMENTÁRIO SERGIO MOURA, VIDA E ARTE VOAM JUNTOS
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FIGURA 5. Frame do documentário Sergio Moura, Vida e Arte Voam Juntos (2025).
Para Sergio Moura, um momento de vida que passa. Um fato. Não, vários fatos. Várias
imagens. Vários processos. Guardados. A memória é emera. Os momentos são efêmeros. Os
processos permanecem em movimento, alteram a posição, a composição, e possibilitam um
novo enquadramento. Representa, assim, quem e vive o tempo através das janelas da vida,
resgatando a luz da memória e transformando em novas possibilidades.
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Regiane Bressan
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