
Marcos H. Camargo
A REDESCOBERTA DO REAL NO PENSAMENTO CONTEMPORÂNEO
essencialismo reside na crença de que a palavra substantiva, como o signo de um conceito,
fornece existência aos entes.
No entanto, a generalidade característica da linguagem verbal não representa sua força, mas
sua fragilidade. Como no mundo, cada uma e todas as coisas são singulares, a construção
artificial de um conceito que abrange entes essencialmente iguais é uma quimera inventada
pela linguagem, para enfrentar sua incapacidade de nomear cada uma e todas as coisas
particulares existentes no mundo.
Por exemplo, o substantivo „cadeira‟ é um conceito, cujas qualidades necessárias e suficientes
são: elemento do mobiliário, composto de pernas, assento, encosto, cuja função é acomodar o
corpo humano. De acordo com a linguagem verbal, todas as coisas às quais se possam atribuir
essas qualidades acima mencionadas, devemos nominá-las de „cadeira‟, excluindo seus
acidentes, tais como sua estrutura de ferro, madeira ou plástico, sua cor branca, bege ou azul,
sua idade, estilo, estado etc. Ao abolir as características materiais de uma cadeira singular, o
conceito universaliza suas qualidades abstratas, fazendo crer ao usuário da linguagem verbal
que existe, de fato, uma „essência‟ de cadeira, aplicável a todas as coisas que parecem possuí-
las.
Infelizmente, o cacoete do essencialismo fica mais perigoso, quando a vida humana passa a
ser regida por sua ideologia. A começar pela disputa sobre quais características compõem a
essência de humanidade. Conforme o lugar e o tempo, o conceito (essência) de humano varia,
produzindo o que conhecemos por preconceito e xenofobia.
A ideia de um humano normal, por exemplo, pode transformar diversidade em crime. Os
sistemas legais estão repletos de pre-conceitos que privilegiam ilusões essenciais, como é o
caso da crença de que todos os humanos devem ser iguais, pois partilham do mesmo conceito
de „humanidade‟. Contudo, o objetivo da justiça não é igualar a todos, mas tratar os desiguais,
desigualmente: os cidadãos frágeis, por exemplo, devem obter mais proteção que os fortes.
Por quaisquer medidas e estatísticas que tentamos medir a humanidade, verificamos uma
imensa distribuição de características singulares como empatia, inteligência, habilidades
esportivas, agressividade e talentos especiais para piano ou xadrez. As pessoas não são iguais.
A variabilidade entre os seres humanos, tal como entre quaisquer outras espécies animais, é
um recurso fundamental da evolução das espécies. Em cada geração, a natureza cria
variedades em todos os indivíduos, com o objetivo de gerar espécimes mais adaptados ao
ambiente, que sempre está em constante transformação. Caso sobrevenha uma catástrofe que
elimine uma espécie, uma pandemia, os indivíduos diversificados sobrevivem ao se
adaptarem à nova realidade natural.
Entretanto, apesar de ser um recurso indispensável em favor do sucesso das espécies, a
diversidade promovida pela evolução causa problemas entre os humanos, especialmente no
que se refere às noções generalistas de nossos sistemas legais, construídos sob a crença na
igual capacidade de todos os humanos em tomar “decisões normais”, controlar impulsos e
compreender as consequências de seus atos. Mesmo admirável, o conceito de igualdade entre
os humanos simplesmente não procede. Por outro lado, prestemos atenção ao fato de que